O que farta e o que falta
“Eu te conheci no deserto, na terra muito seca. Depois eles se fartaram em proporção do seu pasto; estando fartos, ensoberbeceu-se o seu coração, por isso se esqueceram de mim.” Os 13; 5 e 6
Olhando esse texto não fica difícil concluir que, a soberba é um pecado dos que estão fartos. No “deserto” nas provações, não raro, somos humildes e aceitamos a aproximação de qualquer ajuda, até de Deus. Por quê, “até” de Deus? Porque a relação com Ele é responsabilizadora, requer obediência, coisa que assusta à maioria de nós.
Se nos desse o que pedimos pela módica oferenda de um despacho nas esquinas, como fazem certas crenças, seria muito mais fácil. Entretanto, em Seu amor Paternal, O Eterno nos dá o que precisamos, não, o que pedimos.
Isso, de não estar mais no controle assusta à maioria dos que fogem da cruz. Ela equivale à negação do “Eu”, que conduz automaticamente à dependência de Deus, no deserto, ou, na fartura.
Ouso dizer que, no primeiro caso é mais fácil, que no segundo. Por quê? Porque nas privações o alvo é a sobrevivência, qualquer auxílio é bem-vindo com esse fito; na fartura tendemos a nos entediar das bênçãos que possuímos e rumar às aventuras; uma vez que a sobrevivência parece garantida, devaneamos com a sombra dos prazeres.
Foi o caso do Filho Pródigo que, cansado da monotonia abençoada da casa paterna decidiu por novas experiências. Claro que, em princípio, soa muito mais leve a boa vida comparada à sina de um mordomo responsável. Acontece que a boa mordomia preserva a fonte que garante o conforto para viver, enquanto a dissolução dos prazeres apenas a consome, como a peste dos gafanhotos sobre uma seara.
Uma vez dilapidados os bens, e faminto entre os porcos, “no deserto” teve enfim, um “insight” um lampejo de luz sobre a situação. Os empregados de seu pai eram mais felizes que ele.
Aquilo que lhe parecera um tédio, então, havia se tornado uma bênção demasiado alta, pois, cogitou ser apenas empregado, não, retornar à posição de onde saíra.
Não é sábio atrelar nossas vidas às circunstâncias, pois, essas mudam rapidamente. Se, as adversas podem conduzir ao Pai, como vimos, as de fartura podem nos inflar em orgulho e afastar Dele.
O ideal seria que fôssemos como Jó; fiel, tanto na fartura, quanto, na humilhação. Salomão apresenta-as, as variáveis circunstanciais como fontes de experiências derivadas de Deus. “No dia da prosperidade goza do bem, mas, no dia da adversidade considera; porque também Deus fez a este em oposição àquele, para que o homem nada descubra do que há de vir depois dele.” Ecl 7; 14
O Salvador abordou isso também, com outras palavras, disse: “Acautelai-vos da avareza, pois, a vida de qualquer um não consiste na abundância do que possui.” Afinal, se os servos de Deus dependem Dele, são ricos já, embora, ao Pai possa parecer oportuno discipliná-los em meio a certas adversidades visando crescimento em experiência, maturidade.
Mesmo o Senhor foi consagrado mediante as privações; vejamos: “Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, mediante quem tudo existe, trazendo muitos filhos à glória, consagrasse pelas aflições o príncipe da salvação deles.” Heb 2; 10
Se nosso Mestre e Senhor foi “homem de dores” mesmo inocente, por que, nós, culpados, seríamos prósperos e intocáveis ante as adversidades? Sim, sei o que os da “Prosperidade” pregam; mas, derivo minhas conclusões da Palavra de Deus, não das comichões vis dos mercenários.
Os bens são meros meios; nem tocam na questão essencial, a vida. Num cemitério, por exemplo, vemos desde meras covas, aos mais requintados e decorados jazigos. Mas, o fato comum é que, tanto a pompa quanto a singeleza contêm um morto, o resto é vaidade de quem pode se dar a ela.
O mundo é, após a queda, um imenso cemitério com cadáveres adiados, cada um com o sepulcro que pode; chamamos de casas... Aos tais mortos, que podem ouvir, O Salvador prometeu ressuscitar se, eles quiserem. “Na verdade, na verdade vos digo que quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entrará em condenação, mas, passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora, e agora é, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus, os que a ouvirem viverão.” Jo 5; 24 e 25
Talvez, a presunção de estarem vivos seja a “fartura” que tolhe a muitos de receberem a Vida mediante o Salvador. Ele foi categórico quanto a isso: “...Na verdade, na verdade te digo; aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus.” Jo 3; 3