Sobre fé e cruz
“Mas, um só, o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer.” I Cor 12; 11
Embora o contexto atine aos dons espirituais, também enfatiza a Soberania do Espírito Santo. “... repartindo... a cada um, como quer.” Sem dúvida alguma, nossa maior dificuldade é cooperar para que nossas vidas sejam amoldadas à Vontade de Deus.
A ideia vulgar da fé é que se trata de um poder dado aos cristãos mediante o qual conquistarão o que desejam. Embora obre essa, no sentido de produzir resultados palpáveis, sua essência é invisível; seu alvo destronar nosso ego, entronizando Cristo.
Escrevendo aos efésios Paulo ensinou: “Ele mesmo deu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, outros para pastores e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo...” Ef 4; 11 a 13
Assim, de modo superficial parece que a fé nos deve engrandecer muito, dado que, seu alvo é nos igualar a Cristo. Entretanto, Ele, quando de Seu maior e mais doloroso conflito submeteu-se cabalmente à Vontade do Pai. “...Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas, como tu queres.” Mat 26; 39
Acontece que, se, estatura natural se mede por grandeza, renome, posses... a espiritual tem seu consórcio com a humildade; assim, os maiores se fazem menores. “Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas, cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas, esvaziou a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; achado na forma de homem, humilhou a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz. Por isso, também Deus o exaltou soberanamente; lhe deu um nome que é sobre todo o nome;” Fp 2; 4 a 9
Embora a palavra original foi traduzida por “sentimento”, o contexto demanda que seja um pouco mais que isso. Motivação, inclinação, disposição interior. Assim, nossa parte é esvaziamento. A exaltação não atende ao concurso de nossa vontade, antes, é totalmente tributária à Vontade de Deus. “... Deus o exaltou soberanamente...”
O que quero dizer, enfim, é que, essa “fé” que “compartilha”, “toma posse”, “decreta”, “determina” o que deseja, mora a anos luz da Fé ensinada na Bíblia que, descansa confiada no caráter e soberania de Deus, invés de nossos anseios ignorantes e malsãos.
A fé hígida não faz acontecer; antes, amolda-se ao que Deus escolhe soberanamente para seu filho. Não que ela não remova montanhas; apenas, que é Deus quem escolhe, quais montes devem mudar de lugar.
Salomão alistou alguns que incomodam ao Santo: “Estas seis coisas o Senhor odeia; a sétima a sua alma abomina: Olhos altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente, coração que maquina pensamentos perversos, pés que se apressam a correr para o mal, testemunha falsa que profere mentiras e o que semeia contendas entre irmãos.” Prov 6; 16 a 19
Claro que, remover montes assim demanda algo mais que fé; digo, seu efeito colateral mais valioso, obediência. Sempre que cogitamos a remoção de algum monte, porém, geralmente o vemos como pedra no caminho, nunca, como doença moral, espiritual, no caminhante.
A Palavra opera para aplanar os caminhos do coração, não, dos pés, estritamente falando. “Bem aventurado o homem cuja força está em ti, em cujo coração estão os caminhos aplanados.” Sal 84; 5 Vemos que, esse ditoso ser, tem sua força em Deus; Na vontade Dele.
A cruz já fez seu trabalho de crucificar às paixões naturais; o Espírito Santo pode investir Seus dons com fito de edificar ao Corpo de Cristo. Claro que a negação de minha vontade necessariamente me faz como que nulo; como se fosse de outro; essa é a ideia, ser de Cristo. “E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões, concupiscências. Se vivemos em Espírito, andemos também em Espírito.” Gál 5; 24 e 25
Em espírito, vontades naturais não fazem sentido; as espirituais aceitam de bom grado a Vontade e Deus. Em suma: A fé não atua para mudar circunstâncias, ainda que o possa fazer; antes, tem como alvo mudar caracteres, o que carece nossa cooperação e obediência.
Crer no que me agrada pode parecer fé, contudo, não passa de bisonho simulacro. A fé Bíblica tem alvo melhor: “... Sem fé é impossível agradar a Deus...”