A cruz de plástico
A cruz de plástico
“Vós fostes feitos nossos imitadores, e do Senhor, recebendo a palavra em muita tribulação, com gozo do Espírito Santo.” I Tess 1; 6
Tribulação e gozo; como podem duas coisas tão adversas habitarem no “mesmo” espaço? O Senhor ensinou a substituição da tristeza pela alegria, em face aos frutos gestados pela dor. “Na verdade, na verdade vos digo que vós chorareis e vos lamentareis; o mundo se alegrará, vós estareis tristes, mas, vossa tristeza se converterá em alegria. A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada sua hora; mas, depois de ter dado à luz a criança, já não se lembra da aflição, pelo prazer de haver nascido um homem no mundo.” Jo 16; 20 e 21
Isso acontece com muitos, mesmo no âmbito natural; é de fácil compreensão. Entretanto, Paulo falando aos tessalonicenses apresenta tribulação e gozo concomitantes.
Se há um aspecto pouco compreendido por muitos é o da dupla natureza que passam a ter os salvos. Se, nasceu duas vezes, necessário é que, haja dois seres resultantes desses partos. Esses, contudo, moram de “parede e meia”, habitam no mesmo corpo. Sendo assim, um pode sentir dor, outro, gozo, numa mesma porção de tempo.
Vejamos um exemplo disso: “Chamando os apóstolos, tendo-os açoitado, mandaram que não falassem no nome de Jesus e os deixaram ir. Retiraram-se, da presença do conselho, regozijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus.” Atos 5; 40 e 41 Claro que açoites doem! Contudo, estavam regozijando em espírito, dado o sentido que auferiram do ódio adverso.
Acontece que, nossa parte suscetível às dores que podem ser impingidas por outros é precisamente a faceta que deve morrer. Nossa cruz difere da do Salvador, uma vez que Ele derramou Seu sangue literalmente; enquanto de nós se requer a sujeição das paixões naturais à Vontade do Senhor. Mortificar, negar-lhe a primazia sobre nossas entradas e saídas no teatro da vida é precisamente, nossa cruz.
Esse aspecto biodegradável e suas dores, não atinge ao espiritual, necessariamente, pois, é imune à ação do tempo e não se alquebra às mazelas do corpo. “Por isso não desfalecemos; mas, ainda que nosso homem exterior se corrompa, o interior, contudo, se renova dia a dia.” II Cor 4; 16
Se, aos judeus foi considerado adultério deixar a Graça e volver aos reclames da Lei; o que seria, o “evangelho” que tenta agradar à carne que deveria morrer e dar lugar ao Espírito? Paulo foi didático sobre o primeiro ponto: “De sorte que, vivendo o marido, será chamada adúltera se for de outro marido; mas, morto o marido, livre está da lei; assim, não será adúltera se for de outro marido. Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo, para que sejais de outro, daquele que ressuscitou dentre os mortos, a fim de que demos fruto para Deus.” Rom 7; 3 e 4
Tiago, por sua vez, abordou o segundo: “Pedis, não recebeis, porque pedis mal, para gastardes em vossos deleites. Adúlteros e adúlteras, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” Tg 4; 3 e 4
Mesmo sendo o corpo o agente a coisa é considerada adultério espiritual; há também um espírito que move o curso desse mundo, ao qual, somos exortados a contrariar. “... noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, espírito que opera nos filhos da desobediência.” Ef 2; 2
Então, o homem espiritual vive sua constante “piracema” contra inclinações naturais que arrastam tudo rumo ao mar de lama da impiedade. Natural que seja difícil sua opção, afinal, seguir à manada é mais fácil que separar-se.
Se, a renúncia natural e a oposição do príncipe do mundo nos atribulam, Deus nos reserva o antídoto do gozo espiritual, para que entendamos Seus cuidados, e, imenso amor.
O evangelho sem cruz que tantos pregam não é invenção da pós-modernidade; antes, um intruso que, já nos dias de Paulo mostrava suas garras. “Porque muitos há, dos quais muitas vezes vos disse, agora também digo, chorando, que são inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; Deus é o ventre, e a glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas.” Fp 3; 18 e 19
O homem prudente deve desconfiar dos mensageiros de facilidades, do gozo sem tribulações. O que nos está proposto é profundo demais, para ser tratado de modo tão superficial.
Sem cruz não há salvação; sem dores a cruz é de plástico. Aos que imaginam facilidades convém lembrar que, Deus não habita num céu imaginário.