A necessária loucura
“Disse eu no meu coração, quanto à condição dos filhos dos homens, que Deus os provaria, para que assim pudessem ver que são em si mesmos como os animais.” Ecl 3; 18
Se, por um lado estar em si é uma faceta necessária, por outro, nas questões espirituais equivale à insanidade, loucura. Acontece que o projeto original era de autonomia delimitada, governando à Terra, mas, reconhecendo a Soberania do Criador. A derrocada espiritual veio duma ruptura com o “Poder Central”, concentrando as decisões em si mesmo.
Ouçamos o “plano B”: “Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.” Gên 3; 4 e 5 Parte da afirmação era verdadeira; passaram a conhecer o bem e o mal. Até então conheciam o bem. Não dá para dizer que foi um upgrade acrescer o mal. Contudo, a ideia central da proposta era a independência em relação a Deus. As decisões, desde então, seriam centradas em si mesmos.
O orgulho, combustível do ego, constrói uma fortaleza que aprisiona ao próprio hospedeiro, de modo que, o “si mesmo” escraviza, antes, que liberta. Salomão observou: “Como o cão torna ao seu vômito, o tolo repete a sua estultícia. Tens visto o homem que é sábio aos seus próprios olhos? Pode-se esperar mais do tolo do que dele.” Prov 26; 11 e 12 Primeiro situa o tolo obstinado abaixo de um animal num ato nauseabundo; depois, ao pretensioso em si mesmo, abaixo daquele.
O tolo tão somente não sabe das coisas; o pretensioso também não sabe, mas, pensa que sua ignorância ativa é saber, de modo que se fecha ao diverso centrado na sua visão como se fosse Deus. Sugestão inicial, aliás. Certamente há razão para que a primeira postura requerida seja o combate a esse intruso assassino, o ego. “Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo; tome sua cruz e siga-me.” Luc 9; 23 Se foi aí a origem de tudo, nada mais coerente que o concerto comece por essa “peça”.
Diz um provérbio citado por Pedro que a porca lavada volta à lama; querendo dizer com isso, que a sujeira lha é natural, seu habitat. Qualquer coisa fora disto será violento e ela se inclina a rejeitar. De igual modo, orgulho, arrogância, pretensão, hipocrisia e coisas congêneres estão tão arraigadas no comportamento humano que, tentar separar-nos disso, como visa a obra de Cristo, também tem um quê de violência no prisma emocional, e loucura no intelectual.
Entretanto, a Bíblia não omite essas coisas. Não promete jornada fácil; chama à cruz que é algo extremamente violento. Tampouco oferece uma “aeróbica” mental, antes disso, desafia à loucura. Primeiro no método Divino: “Visto como na sabedoria de Deus o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.” I Cor 1; 21 depois, na qualificação dos aderentes segundo o método; “Ninguém engane a si mesmo. Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo faça-se louco para ser sábio.” I Cor 3; 18 O texto se encarrega de situar o cenário da loucura: “neste mundo”, pois, em essência é classificado como sábio, uma vez que prescinde de si mesmo e passa a andar segundo Deus.
A ideia da conversão é precisamente essa; expressa desde os dias de Isaías. “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos, e se converta ao Senhor, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor.” Is 55; 7 e 8
Alguém cunhou a seguinte frase: “reconhecemos um louco sempre que o vemos; nunca, quando o somos.” Se há uma oposição diametral, certamente o louco é ele, como disse certo rei de Paulo: “E, dizendo ele isto em sua defesa disse Festo em alta voz: Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar.” Atos 26; 24
Quem jamais ouviu que a leitura continuada da Bíblia nos deixa loucos? Em parte estão certos, dado que, ainda estão firmados em si mesmos, enquanto os salvos são dependentes de Deus.
O próspero fazendeiro que armazenou víveres, alheio a Deus foi tido por louco, por guardar muito para o efêmero e nada paro o eterno. “Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.” Luc 12; 20 e 21