Cabritos voadores
“Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” Luc 15; 7
Essa alegria no pouco ensinada pelo Senhor não alude a valor, mas, ao sentimento por reencontrar um bem que fora perdido.
O que deu azo à parábola das cem ovelhas? O fato de que o Salvador não era seletivo na escolha de Sua plateia; “E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe pecadores, e come com eles.” V 2
O risco, porém, é que mesmo depois desse ensino cristalino a presunção continuasse cegando aos religiosos de então. Bem poderiam pensar que eram as 99 ovelhas do aprisco, não a perdida; os justos que não necessitavam arrependimento. Entretanto, noutra parte temos mais uma inversão da “lógica” que coloca os tais no fim da fila precedidos por essa “gentalha” de má reputação. “…Disse-lhes Jesus: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho da justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isto, nem depois vos arrependestes para o crer.” Mat 21; 31
Assim, se até os piores socialmente podem preceder aos “bons” onde estão os 99 justos? Paulo foi taxativo: “Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer.” Rom 3; 10 Disse isso evocando as Escrituras como tribunal de apelação; onde achou? “Já pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que seja justo; todos armam ciladas para sangue; cada um caça a seu irmão com a rede,” Mq 7; 2 Por exemplo.
Na verdade, mesmo os convertidos e reputados justos, graças à justiça de Jesus Cristo, ainda necessitam arrependimento diário, pois, dada a fraqueza da carne vez por outra erram o pé.
Quer dizer que a existência dos justos que não carecem arrependimento foi mera hipótese para explicar uma verdade espiritual? Bem, notemos um detalhe, depois de considerar que o Pastor é Jesus; “E, chegando a casa, convoca os amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.” V 6 O lugar onde o dono se alegra com o resgate da perdida é Sua casa. De onde é o Senhor? “E dizia-lhes: Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste mundo, eu não sou deste mundo.” Jo 8; 23 Ademais, o texto ensina que a alegria pelo resgate é nos céus, então, os justos que não necessitam arrependimento vivem lá; são os anjos que não caíram e permanecem fiéis.
Nós outros, humanos, ainda que totalizemos algo próximo a sete bilhões de pessoas nesse tempo, somos uma gigantesca ovelha perdida aos olhos Divinos, que carece resgate. Embora, cada um que se arrepende, em particular, é um alento celeste, um fruto da bendita e grandiosa vitória de Cristo.
Isaías, depois de retratar vivamente o cenário doloroso da cruz menciona essa alegria celeste pela vitória do Cordeiro de Deus. “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão. Ele verá o fruto do trabalho da sua alma, e ficará satisfeito; com o seu conhecimento o meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniquidades deles levará sobre si. Por isso lhe darei a parte de muitos, e com os poderosos repartirá ele o despojo; porquanto derramou a sua alma na morte; foi contado com os transgressores; mas ele levou sobre si o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores.” Is 53; 10 a 12
Assim, temos um Justo singular justificando muitos mediante Sua morte. Notemos que se refere a muitos, não todos. Por quê? Porque só depende da Justiça de Cristo que não confia na própria, o que não era o caso dos Escribas e Fariseus.
Embora alguns ramos da psicologia achem que devemos ter melhor auto-imagem, ante Deus somos todos perdidos, por melhores que pareçamos no convívio social. Aliás, Deus detesta a exaltação no erro, pois, ela aprisiona; “…vós sois os que justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações, porque o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação.” Luc 18; 15
Se, inocência, por um lado, é ausência de culpa, por outro, de noção. A perda da inocência na queda não privou a noção, antes, avivou; “…Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus;” Gên 3; 7 Eis o dilema do ímpio presunçoso! Um cabrito que pensa que é anjo.