Os dois pombinhos

“Mas, se em sua mão não houver recursos para um cordeiro, então tomará duas pombas, … uma para o holocausto e outra para a propiciação do pecado; assim o sacerdote por ela fará expiação, e será limpa.” Lev 12; 8

Instruindo sobre os rituais de purificação, Deus, ao tratar de Sua Justiça transparece belas nuances de misericórdia. O arrependido que não pudesse comparecer ante o sacerdote com um cordeiro para sacrifício, poderia fazê-lo com um casal de pombos. Assim, se é certo que o culpado não é tido por inocente, também o é, que Ele requer arrependimento do pecador, invés de bens.

Jesus, aliás, desafiou líderes religiosos que enfatizavam sacrifícios como supra sumo da fé a entenderem melhor a intenção Divina. “Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento.” Mat 9; 13 No contexto fora censurado por assentar-se à mesa com pecadores. Os Fariseus eram pródigos em sacrifícios e ofertas, mas, insensíveis aos sofredores que os cercavam. Dos tais, o Salvador foi ao encontro.

Deve ter sido um tapa de luva no orgulho dos “mestres da Lei” ouvir tal exortação: “Ide e aprendei o que significa…”

Se é vero que o mundo lança em rosto o tempo todo o que se pode fazer com dinheiro, a Bíblia ensina ao longo de sua narrativa, o que Deus faz com simplicidade e obediência. Mesmo a “porta de entrada” do Salvador à humanidade não tinha pompa alguma. Quando da purificação pós parto que era requerida, conta-nos Lucas: “E, cumprindo-se os dias da purificação dela, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, para o apresentarem ao Senhor… para darem a oferta segundo o disposto na lei do Senhor: Um par de rolas ou dois pombinhos.” Luc 2; 22 e 24 Vemos que José e Maria não dispunham recursos para um cordeiro sequer. Para provisão dos bens necessários à sua descida ao Egito, Deus moveu três sábios que viviam há centenas de milhas, pra irem a Belém levando ouro, incenso, mirra, coisas de alto valor. Não há registro de nenhuma “corrente” de orações pedindo tal suprimento; foi iniciativa exclusiva de Deus, Sábio e Amoroso.

O que muitos da geração atual que mencionam seu Santo Nome sem reverência ou conhecimento algum precisam urgente entender é, o quê, significa Sua Palavra; Deus quer ser conhecido, amado, não usado. “Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e conhecimento de Deus, mais do que holocaustos.” Os 6; 6

Alguns O querem exibicionista mostrando poder, como se a criação não fosse suficiente. Certo que Jesus fez muitos milagres; entretanto, Sua ênfase sempre foi na misericórdia, justiça e amor. É certo que um cego de nascença foi curado e o Senhor disse que ele nascera assim, para que se manifestassem as obras de Deus. Jo 9; 3 Devemos concluir daí, que todos os que têm necessidades especiais devem ser curados por Ele para seguirem sendo manifestas Suas obras? Depende de qual faceta queremos manifesta.

Tenho um sobrinho autista que é amado tanto quanto sua irmã, e acredito que em todas as famílias que têm seus especiais, a coisa é igual. Quer manifestação mais hígida do vero amor que essa? Amar por amar, não por talentos, dons, perfeição; antes, apesar de eventuais lapsos físicos ou psíquicos?

Acontece que ante O Altíssimo todos somos seriamente deficientes, contudo, nos ama apesar disso. Na verdade, amar aos belos, aos fortes, talentosos, nem mesmo é amá-los; equivale a amar a nós mesmos, dada a satisfação que tais “heróis” nos propiciam. E, há uma diferença diametral entre misericórdia e sacrifício, que o Salvador desafiou a entender. O Sacrifício visa um bem próprio, seja perdão, seja uma bênção qualquer; entretanto, a misericórdia ocupa-se essencialmente da necessidade alheia.

Mesmo aí, no domínio das ações humanas tropeçam muitos; uns por omissos espiritualizam tudo num escapismo insano que ignora as necessidades práticas; outros, vestem-se de justiça própria como se as boas obras fossem atenuantes à sua heterodoxia doutrinária.

Ora, a ortodoxia evangélica requer as boas obras, a misericórdia, e não prescinde da santidade mediante a Palavra, vejamos: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.” Ef 2; 10 “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade.” Jo 17; 17

Obras de misericórdia testificam nosso amor ao próximo; santificação e obediência, amor a Deus. E Jesus sintetizou nisso, a saga Divino-humana: “Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” Mat 22; 40 E convenhamos que, caso queira, ninguém é tão pobre que não possa oferecer esses “dois pombinhos” em sacrifício a Deus.