Dependência ou montes

“Bem-aventurado o homem cuja força está em ti, em cujo coração estão os caminhos aplanados.” Sal 84; 5

É comum na poesia hebraica o paralelismo sinonímico, onde, a segunda parte do verso reforça a primeira, porém, com outras palavras; por exemplo: “Os maus inclinam-se diante dos bons, e os ímpios diante das portas dos justos.” Prov 14; 19 “Nos lábios do rei se acha a sentença divina; a sua boca não transgride quando julga.” Prov 16; 10

Seria o verso supra extraído do Salmo 84, desses, também? Para afirmar isso demanda breve investigação, pois, não é tão evidente como o paralelismo dos provérbios tomados como exemplo.

Para que seja assim é preciso que a dependência de Deus, “força está em ti” equivalha a ter planos os caminhos do coração. Ao avaliarmos o relato do Gênesis vemos que, se ao homem foi dada liberdade irrestrita, ainda que, consequente, com o poder não foi assim.

Certo que foi dado domínio sobre a criação, mas, em sujeição ao Criador; qualidade a ser demonstrada mediante observância da única restrição, certa árvore. Assim, mesmo tendo sido criado um gigante intelectual e espiritual, capaz de comunhão com o Santo, não era em si, um ser pleno, antes, dependente do Todo Poderoso. Tanto que ao peso de desobediência original, teve contato com o medo, não mais podendo contemplar ao Eterno.

A força humana derivada da aceitação Divina é encontrável noutras partes, aliás; “…a alegria do Senhor é a vossa força.” Ne 8; 10 “…porque sem mim nada podeis fazer.” Jo 15; 5 “Ele reserva a verdadeira sabedoria para os retos. Escudo é para os que caminham na sinceridade,” Prov 2; 7 Sim também a sabedoria, distribuída com parcimônia aos fiéis é uma força, aliás, a maior. Quando a insolvência de um enigma ante o rei de Babilônia ameaçava todos os “sábios” do reino, Deus revelou a resposta a Daniel e ele agradeceu assim: “Ó Deus de meus pais, eu te dou graças e te louvo, porque me deste sabedoria e força; e agora me fizeste saber o que te pedimos, porque nos fizeste saber este assunto do rei.” Dn 2; 23 Há muitos exemplos mais, porém, agora, esses bastam.

Assim, a força derivada parece uma conclusão pacífica. Resta apreciarmos se as imperfeições nos caminhos do coração equivalem à alienação a Deus, na pretensa força humana.

A figura de aplanar os caminhos para passagem de Deus foi usada por Isaías aludindo a João Batista, o precursor. “Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor; endireitai no ermo vereda a nosso Deus. Todo o vale será exaltado, e todo o monte e todo o outeiro será abatido; e o que é torcido se endireitará, e o que é áspero se aplainará.” Is 40; 3 e 4

Na verdade, a hipocrisia tão combatida por Cristo outra coisa não é, senão, o “mise em scène” da virtude, tentando disfarçar o vício acalentado no coração. O Salvador foi preciso: “Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem.” Mat 15; 19 e 20 O que Ele está dizendo é que eventual higiene do corpo não tem nada a ver com a pureza da alma.

O fato é que a independência oferecida pelo Cão “sereis como Deus” gerou deuses vários que, sequer poderiam ter contanto com o Altíssimo. Diverso da poesia de Drummond onde havia uma pedra no caminho, padecíamos a falta do caminho. Antes de encontrá-lo era preciso destronar tal “Deus” alternativo, o ego. “…Se alguém quer vir após mim, negue a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me.” Luc 9; 23

Mas, por que segui-lo? Porque, disse: “…Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.” Jo 14; 6 Assim, a força da justiça de Jesus Cristo remove os montes, pecados; aplana nossos corações conduzindo-nos, outra vez à comunhão com o Pai.

Se é vero que no paraíso perfeito era tudo franco com apenas um não, a Árvore da Ciência, no mundo escurecido pós queda, tudo está contaminado, e resta apenas um sim, um meio de aceitação nos céus: a cruz de Cristo. Qualquer pretensa alternativa, por humanista ou piedosa que pareça é treva, mais do mesmo, embuste.

Enfim, dependência de um Pai tão Santo, Justo, não envergonha nem nos priva de nada, antes, protege. Afinal, poder traz consigo responsabilidade, e em coisas tão excelsas é melhor depender que dominar. Coube a Deus a mais dura parte. Feliz o homem que Dele depende, pois, cujo coração não abriga o pecado.