Você tem medo de quê?

“… Não tenhais receio deles, pois não podem fazer mal, nem tampouco têm poder de fazer bem.” Jr 10; 5

Desprezando a inutilidade dos ídolos, Deus, mediante Jeremias faz uma colocação interessante; Não os temais, pois, não podem fazer bem, nem mal. Seriam essas duas coisas, bem e mal, capazes de infundir medo? Mesmo sendo antagônicas, por incrível que pareça, sim. Embora, grosso modo, pareça que todos tememos ao mal, tem horas que o bem, o Sumo bem, pode causar mais medo que o mal.

A cidade de Gádara tinha um problema com o mal; certo endemoniado que, “…tinha a sua morada nos sepulcros, e nem ainda com cadeias o podia alguém prender; porque, tendo sido muitas vezes preso com grilhões e cadeias, as cadeias foram por ele feitas em pedaços, e os grilhões em migalhas, e ninguém o podia amansar. E andava sempre, de dia e de noite, clamando pelos montes, e pelos sepulcros, e ferindo-se com pedras.” Mc 5; 3 a 5 Entretanto, não há registro de nenhum “black bloc” depredando tudo na cidade exigindo a retirada da ameaça.

O relato bíblico conta que Jesus libertou ao cativo de tão dolorosa possessão; e, invés de comemorar e honrar ao Heroi, como parece lógico, a sociedade teve uma reação diversa. “E começaram a rogar-lhe que saísse dos seus termos.” V 17 Invés de querer distância do capiroto, como seria de se imaginar, o povo pediu a Deus que se afastasse.

Quando tememos ao mal parece pacífico concluir que visamos preservar-nos em face a ele; entretanto, quando tememos ao bem, qual a razão? Vejamos no início; “…Ouvi a tua voz soar no jardim, e temi, porque estava nu, e escondi-me.” Gên 3; 10 Assim como foi na origem do medo, ainda é; não tememos ao bem pelo que ele é; antes, quando denuncia como estamos, ou, o quê somos. Nosso instinto de preservação, ainda que no erro, na morte, parece mais robusto que eventual anseio de vida. “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más.” Jo 3 19

Quando da entrega da Lei em Horebe Deus falou de modo audível, e o povo pediu “menos” dado o medo que sentiu; “E disseram a Moisés: Fala tu conosco, e ouviremos: e não fale Deus conosco, para que não morramos.” Ex 20; 19 Ainda que possa parecer uma atitude piedosa, acabou sendo ambígua, como fatos ulteriores demonstraram. Pois, quando alguns desobedeceram, na sedição de Coré, por exemplo, insinuavam estar contra Moisés, não, contra Deus. Tal artifício não se revelou eficaz, porém; pois, Deus interveio de modo cabal.

Assim, o medo, quando em face ao mal é mera preservação; quando atrita com o bem, ainda é o mesmo instinto acrescido da consciência que estamos agindo mal, e, mesmo assim, não queremos ser incomodados.

Enfim, há grande diferença entre temor de Deus que é uma reverência devota, e evita ferir aos reclames do Santo, e nossos medos que atinam a preservar nosso “status quo”, por impuro que seja. Aquele, pois, é o trilho dos sábios, enquanto esses, a avenida dos insanos. “O temor do Senhor é o princípio do conhecimento; os loucos desprezam a sabedoria e a instrução.” Prov 1; 7

Embora poucos peçam expressamente para Deus se afastar, a maioria o faz de modo implícito, que, em última análise, dá no mesmo. Basta que coloquemos um substituto qualquer no lugar do Eterno, e nosso “pedido” estará feito; como Denunciou o Criador mediante Ezequiel, em face aos ídolos: “…E disse-me: Filho do homem, vês tu o que eles estão fazendo? As grandes abominações que a casa de Israel faz aqui, para que me afaste do meu santuário?” Ez 8; 6

O fato é que o mal não parece uma ameaça à vida presente, pois, sua “eficácia” será verificada a fundo no porvir. Por isso se diz que o justo além de padecer fome e sede de justiça, “viverá da fé.” Sim, padece privações agora, acreditando piamente nas promessas vindouras; de modo que teme mais os infortúnios distantes que a “leve e momentânea tribulação” como disse Paulo.

Esse suportar ao mal agora em prol da ventura depois foi posto pelo Salvador noutras palavras: “Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á.” Mat 16; 25

Em suma, mais que apontes externos, nossos medos retratam o estado de nossas almas. O mesmo “modelo” pode vestir roupas bem diversas, ao gosto do “estilista”. “Para o tolo, o cometer desordem é divertimento; mas para o homem entendido é o ter sabedoria.” Prov 10; 23