As moedas da porca

“Eu sei que tudo quanto Deus faz durará eternamente; nada se lhe deve acrescentar, e nada se lhe deve tirar; e isto faz Deus para que haja temor diante dele.” Ecl 3; 14

Sendo Deus quem É, Onisciente e Eterno, não devemos esperar mesmo, que, Seus feitos sejam biodegradáveis; isto é: Sofram a ação do tempo. A epístola aos Hebreus reforça isso sobre o Filho: “Jesus Cristo é o mesmo; ontem, hoje e eternamente.” Heb 13; 8

Então, sempre que uma mudança qualquer se verifica, tal ocorre, antes, em atenção às nossas fragilidades, uma concessão misericordiosa que uma rasura no que é perfeito. Ideia que o Salmista esposa, aliás; “Pois ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó.” Sal 103; 14 Mesmo sobre o divórcio, o Salvador assegurou que foi algo assim; diverso do princípio, do ideal, por nossa causa. “…Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.” Mat 19; 8

A que propósito vem essa introdução? Constatar com tristeza a velocidade com que a humanidade descarta bons valores sobre os quais sempre se firmou. Não fosse a ação pretérita desses valores, a degeneração humana seria tal, que grande parte dos que hoje os despreza, sequer existiria. Assim, muitos agem como Édipo, assassinando ao próprio pai, Laio, ao lutarem ferrenhamente contra os bons ensinos de outrora.

Os poucos humanos de vergonha na cara que ainda resta, têm a sensação que “guardaram dinheiro na porca” como o Coronel Moraes de Ariano Suassuna; e dado o curso do tempo, os bens reservados perderam o valor, soam ridículos. Não é essa a leitura necessária quando alguém sente o desconforto moral em meio à devassidão que o cerca?

Acontece que há uma associação bastarda entre modernidade tecnológica que sempre significa um upgrade, e modernidade de costumes que anda na contramão. A adoção desse filho intruso faz com que se dissemine a ideia que o novo, o moderno traz a excelência; enquanto o antigo soa demodê e deve ser descartado.

A cumplicidade ímpia tece sempre elogios aos ditos liberais, enquanto, os conservadores são vistos com desdém. Mesmo nosso sistema judiciário, salvo algumas exceções, não se limita à aplicação estrita da lei, que seria seu papel; mas, juízes se dão ao direito de reinterpretar os textos, quando não, dão sentenças que os afrontam diretamente.

Enquanto a Europa se livrou de suas mazelas políticas do atraso, a América Latina deu uma forte guinada à esquerda; e essa ideologia traz, entre outras coisas, o confronto com a lei e a ordem estabelecidas. Qualquer vagabundo mascarado depreda, incendeia, e é tratado como “manifestante”. O moderno Adão canhoto continua transferindo sua culpa; só que hoje a “Eva” é o sistema capitalista, a burguesia, a Elite; pouco lhes importa quando seus próceres regalam-se nababescamente em Portugal, como há pouco fez a comitiva presidencial.

Se levado aos tribunais, “Adão” acaba absolvido, mesmo ao arrepio dos códigos legais. A liberdade individual de minorias acaba estatizada como se fosse prioridade do Estado. Um homossexual se suicida e a Ministra Maria do Rosário divulga uma nota contra a homofobia; tal é a vigilância em defesa disso. Entretanto, se for assassinado alguém que não é tão “liberal” assim, silêncio absoluto.

Então, grassa o vilipêndio até mesmo às leis humanas; que diremos, pois, das Divinas? Interessante que, mesmo sendo Artaxerxes, o rei Persa, um “gentio”, comissionou ao sacerdote Esdras reorganizar a sociedade judaica baseado na Lei de Deus. “E tu, Esdras, conforme a sabedoria do teu Deus, que possuis, nomeia magistrados e juízes, que julguem a todo o povo que está dalém do rio, a todos os que sabem as leis do teu Deus; e ao que não as sabe, lhe ensinarás.” Esd 7; 25

Contudo, nossa “sociedade organizada” figura melhor um período mais remoto, do tempo dos juízes; “Naqueles dias não havia rei em Israel; cada um fazia o que parecia bem aos seus olhos.” Jz 17; 6 Assim, voltamos ao começo do drama, pois, foi precisamente isso que seduziu ao primeiro Adão; o “grito do Ipiranga”, digo, do Éden. A independência e morte, decretada então, quando da ruptura com Deus mediante desobediência. “…sereis como Deus,…” Gên 3; 5

O mau espírito de nosso tempo, aquele mesmo, ensina a ver nas cercas que nos protegem, grades de uma prisão, e desafia à “liberdade.” Na verdade, esse absolutismo individual é oferecido de modo irônico nas cogitações do Sábio: “Alegra-te, jovem, na tua mocidade, e recreie-se o teu coração nos dias da tua mocidade, e anda pelos caminhos do teu coração, e pela vista dos teus olhos; sabe, porém, que por todas estas coisas te trará Deus a juízo.” Ecl 11; 9