A prisão de Sophia

“Eles voluntariamente ignoram isto, que pela palavra de Deus já desde a antiguidade existiram os céus, e a terra, que foi tirada da água e no meio da água subsiste.” II Ped 3; 5

Descrevendo traços dos escarnecedores atuantes nos últimos dias, Pedro elenca uma peculiaridade interessante; ignorância voluntária.

Normalmente pensamos a ignorância como privação do conhecimento geral, específico, ou até, da capacidade de conhecer em si, absoluta ausência de meios. Ignorância voluntária, porém, atina mais à recusa em aceitar as consequências do que sabemos, que padecermos falta de saber. Na linguagem popular se diz: Bancar o desentendido. Isso encerra uma rejeição positiva à verdade, convocando a hipocrisia como escudeira ante os ataques da consciência.

Imaginemos um ignorante que, ao sabor do acaso ouvisse parte do discurso de Paulo no Areópago; “ Deus não toma em conta os tempos da ignorância…” e de posse desse “tesouro” resolvesse se manter alienado da vontade Divina, para ser salvo. No fundo tal “salvo” saberia que se trata de um fragmento da doutrina, e, que deveria conhecer plenamente a Vontade de Deus, a qual, de certo modo intui que o responsabilizará a fazer melhor que tem feito; tal “ignorância” seria mera fuga.

Há, contudo, os que travestem sua vontade rebelde em ceticismo, uma vez que, mesmo ouvindo a íntegra do discurso da salvação dizem que soa inverossímil, que não conseguem crer. Um pouco antes, Pedro recomendara uma confiança irrestrita na Palavra desde os profetas, como o caminho numa progressão de luz até plena clareza; “E temos, mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça, e a estrela da alva apareça em vossos corações.” Cap 1; 19

Acontece que Deus colocou um “acessório” à sabedoria espiritual sem o qual ela não se firma. Diversa da natural, não é aquela, patrimônio exclusivo do intelecto; antes, associa-se ao caráter. “Ele reserva a verdadeira sabedoria para os retos. Escudo é para os que caminham na sinceridade,” Prov 2; 7 Agora temos um escudo excelente! Sabedoria espiritual e retidão, invés de hipocrisia e ignorância voluntária. A luz progressiva dita por Pedro, aliás, foi mencionada por Salomão, também em conexão com o caráter, não, a mente privilegiada, simplesmente. “Mas a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito.” Prov 4; 18

Espere, dirá alguém; a Bíblia diz que não há um justo sequer, e que a sabedoria espiritual é patrimônio dos justos, portanto, inacessível ao ser humano. Sim, o ignorante voluntário é bom nesse tipo de retórica que o “justifica.” A Palavra deixa claro que nossa justiça é herdada quando cremos no “Senhor Justiça Nossa”, como disse Jeremias. A justiça Dele nos é imputada, e somos capacitados à vida espiritual graças ao dom do Espírito Santo; depois, somos desafiados a andar na luz, não fingir que desconhecemos à Vontade de Deus.

Assim, nesses dias de postura politicamente correta, sonegar a mensagem de salvação para não ser acusado de proselitismo pode parecer socialmente polido; mas, será espiritualmente nefasto. Afinal, não somos chamados ao ecumenismo, mas, a pregar o evangelho a toda criatura.

Bancar o desentendido “polido”, nesse caso, é só uma faceta da maldade que Deus tomará em conta; como, aliás, já ensinava Salomão: “Se tu deixares de livrar os que estão sendo levados para a morte, e aos que estão sendo levados para a matança; se disseres: Eis que não o sabemos; porventura não o considerará aquele que pondera os corações? Não o saberá aquele que atenta para a tua alma? Não dará ele ao homem conforme a sua obra?” Prov 24; 11 e 12

Assim, a obstinação rebelde ante à luz Divina não justifica a ninguém, antes, potencializa sua responsabilidade. “Disse-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis: Vemos; por isso o vosso pecado permanece.” Jo 9; 41

O conflito entre trevas e luz é necessário, dado que são excludentes. A ignorância voluntária é a opção rebelde pelas trevas, uma vez que essas “protegem” aos maus. “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas.” Jo 3; 19 e 20

Tais patenteiam sua ojeriza à reprovação sem rejeitar a postura réproba. No fundo reconhecem a excelência da luz, e a justiça da condenação enquanto persistirem em sua rebeldia. Ignorância volutária, pois, é o conhecimento refém, na fortaleza da vontade.