O dever de escolha
“Lança a tua sorte conosco; teremos todos uma só bolsa!” Pv 1; 14
Cheia está a sabedoria popular de ditos sobre a força da união, a excelência dos resultados do trabalho em equipe. Isso é de tal modo evidente que sequer carece comprovação. Se é vantajoso para efeito de produtividade, porém, não exime ao indivíduo de responsabilidade pessoal por seus atos. Afinal, ação conjunta não equivale, necessariamente, à massificação.
O Criador plasmou em cada um, peculiaridades individuais, o que implica responsabilidade plena por nossos atos. Se alguém ver uma centena de vândalos quebrando tudo nas ruas e decidir se unir a eles massifica-se, por identidade, o que decidiu sozinho; não houve coação; no máximo, um estímulo, ao qual assentiu voluntariamente.
Perante o Senhor não funciona esse truque ordinário de diluir responsabilidades, antes, “…cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus.” Rom 14; 12 Afinal, a massificação opera a abolição do indivíduo, sempre voluntária, portanto, individual. Tal “suicídio” de iniciativa já é uma escolha livre, queiramos ou não.
Na verdade a força da multidão, em casos de desordem social, empresta sensação de segurança ao vil, que a sua sombra ousa coisas que nem sonharia fazer em particular. Os gregos não tinham a multidão em estima, antes, achavam-na mero habitat da ignorância.
O dito efeito manada, realmente, não incide sobre espíritos nobres, antes, sobre a ralé. Se houver alguns de estirpe imiscuídos, serão manipuladores dos inocentes úteis a seus propósitos mesquinhos, o que os faz ralé moral.
Os grandes líderes espirituais da humanidade não eram aves de bando, antes, solitários como a águia. Basta que pensemos em Elias, Eliseu, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Jesus Cristo, Paulo, Lutero, Jonh Bunyan, Luther King… se, eventualmente lideraram ou falaram às multidões, em privado eram solitários, não raro, incompreendidos até pelos seus.
O fato é que tende a má índole a ser solícita quando desamparada, e arrogante em situação oposta. O que é mais solícito, mais povo, que um político em campanha, por exemplo? Busquemo-lo depois de eleito e veremos a diferença.
Por ocasião da prisão de Jesus Pilatos usou o argumento da “massa”. “A tua nação e os principais dos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste?” Jo 18; 35 Jesus transferiu a responsabilidade para o indivíduo; “…Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.” V 37
Nesse tempo de anencefalia voluntária onde a massa decide por nós e saímos em manada “mudando o país”, na verdade estamos apenas tentando fugir a uma responsabilidade que é intransferível, a mordomia de nossa própria alma. Spurgeon ilustrou o livre arbítrio de forma inequívoca, quando disse: “Basta um homem para levar um cavalo até as águas; cem não são suficientes para forçá-lo a beber.” Assim é nossa alma; qual um cavalo selvagem que a nada acede exceto à própria vontade.
Assim, o fenômeno da ação desviada não é o desvio em si; antes, a manifestação da capitulação da vontade que aconteceu precedendo a ação. O Senhor nunca colocou os atos humanos como o campo de batalha; antes, o “concílio” onde pelejas são planejadas, o coração. “Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem;…” Mat 15; 19 e 20 Paulo, por sua vez, foi mais adiante: “Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo; estando prontos para vingar toda a desobediência, quando for cumprida a vossa obediência.” II Cor 10 4 a 6
Essa faceta hipócrita de bancar o desentendido e se refugiar na massa foi denunciada pelo Salvador há muito; “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque são feitas em Deus.” Jo 3; 19 a 21
Afinal, o ensino do Santo nos manda seguir a justiça, não a maioria; “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito.” Ex 23; 2
Claro, não ignoramos que o homem é político, social; mas, a própria sociedade convenciona deveres e direitos, dentro dos quais, homens livres se podem expressar. Não exerçam outros suas escolhas; pois a fuga ainda seria escolha sua.