Porcos voadores e vida eterna

“O teu Deus ordenou a tua força; fortalece, ó Deus, o que já fizeste para nós.” Sal 68; 28

Interessante ambiguidade jaz nessa oração do salmista. Por um lado pede que Deus faça algo que, Ele já fez, diz ao final. “Fortalece ó Deus, o que já fizeste para nós”. Teria feito Ele, por nós, algo frágil, que demanda aperfeiçoamento? Toda a relação bilateral demanda duplo apoio; não se equilibraria, alguém, com um pé na terra firme, outro na areia movediça. Uma oração assim não tenciona que Deus melhore o que fez perfeito; antes, que nos melhore em face disso, dada nossa imperfeição.

O tempo aos olhos do Eterno não sofre variações, como, ante o que é finito. Mas, e as reflexões de Salomão, o sábio? “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;” Ecl 3; 1 a 5 Basta que leiamos com a devida atenção para ver que ele se refere às coisas “debaixo do céu”; portanto, criadas, não eternas.

É comum a Bíblia tratar coisas pretéritas ou futuras, como presentes. Por exemplo: “O Senhor desnudou o seu santo braço perante os olhos de todas as nações; e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.” Is 52; 10 Isso alude ao advento do Messias uns sete séculos antes. Do ponto de vista Divino, estava feito; “desnudou”, do humano ensejava espera; “verão a salvação”.

Por outro lado, a epístola aos Hebreus, falando dos heróis da fé, pretérito mais que perfeito, são dados como presentes, como se fosse a plateia que contempla nosso desempenho num estádio; “Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência a carreira que nos está proposta,” Heb 12; 1

A antropofagia de Cronos que devora aos próprios filhos, não atinge seu Pai. Sim, Isaías apresenta ao Senhor como “… Pai da eternidade”, de modo que, mesmo o tempo Lhe obedece. Para Ele não existe essa febre de ano novo, antes, comemora vidas novas quando tais nascem. “Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” Luc 15; 7

Muitos filosofam que o corpo humano é simples casulo, e, ao curso do tempo, a alma que possui asas será liberta. Poeticamente é belo, mas, espiritualmente inverídico. Mero concurso de tempo não liberta ninguém; idade não cura pecado e morte não é salvação. Asas nos são dadas ainda nessa vida quando damos crédito ao que Deus já fez por nós.

Muitos acreditam que vida eterna relaciona-se, sobretudo, com o tempo. Na verdade, desprende-se dele, por guindada à esfera Divina. Tem mais a ver com o tipo de vida que abraçamos que com sua duração. Se não fosse assim não seria uma escolha à qual somos exortados, mas, mera consequência do tempo no qual estamos inseridos.

Escrevendo a Timóteo Paulo encorajou: “Milita a boa milícia da fé, toma posse da vida eterna, para a qual também foste chamado, tendo já feito boa confissão diante de muitas testemunhas.” I Tim 6; 12

Assim, o fortalecimento do que Deus fez por nós demanda nossa cooperação; o bom uso das “asas” que permitem “ajuntar tesouros no céu” ou, “buscar as coisas que são de cima”.

Seria contraditório se, porcos, por exemplo, fossem dotados de asas e seguissem fuçando na lama como fazem, alheios ao nobre acessório. Igualmente nós, depois de “nascer de novo”, receber vida espiritual, empregarmos nossas forças e melhores dons, na busca egoísta de bens materiais. Assim, quanto mais se fortalecer via ação do Espírito Santo, o que Deus fez por nós, menos traços naturais exibiremos, pois, o que o Santo fez a preço de Sangue imaculado, é sobrenatural.

O pão e melhorias na vida terrena derivam do trabalho; para isso Deus nos fortalece dando saúde. Os bens eternos advém do trabalho de Jesus Cristo, que, mesmo sendo perfeito em si, em nós, carece ser fortalecido a cada dia.

Em suma, ainda que muitos “pregadores” insistam que porcos voam, o determinismo biológico da criação segue soturno, defendendo o contrário; “…Produza a terra alma vivente conforme a sua espécie;” Gn; 1; 24