O primeiro passo é de quem ama
“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também, porque esta é a lei e os profetas.” Mat 7; 12
O espelho da barbearia onde corto o cabelo tem um adesivo que diz: “Deus te dê em dobro, tudo o que me desejares.” Confesso que noutros tempos cheguei a gostar dessa frase; agora, não consigo. Aquilo que em minha ignorância soava bonito parece ameaça, omissão.
Se ponho minha vida como um espelho ante outros digo que o que me desejarem lhes voltará em dobro, implicitamente estou dizendo: Me desejem apenas coisas boas, senão, o bicho vai pegar. Lembrei uma estrofe de um samba antigo que dizia: “Não mexe comigo que eu ponho seu nome lá no meu terreiro, eu sou macumbeiro…”
Ademais, mesmo que alguém me faça, eventualmente, algum bem; se o fizer para que se lhe reverta em dobro, tal “bem” estará desvirtuado pelo interesse; mais ou menos como quem paga dízimos na igreja não em gratidão pelo que recebeu, mas, como um investimento do qual espera retorno. E o bem desvirtuado é apenas o mal de roupas limpas.
Mas, por que a dita frase soa a omissão também? Porque, como vemos no versículo supra, Jesus mandou tomar iniciativa, não esperarmos pelos desejos alheios. “… o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lhos…” Aquilo que é meu desejo, deve pautar meu agir; demonstrando, assim, de modo diáfano, o que gostaria de receber.
Ora, um dos ensinos áureos do cristianismo é o perdão; mas, se tudo se fizer na base da “mesma moeda” qual lugar tal virtude ocupará em nossas vidas? Claro que, num mundo caído, repleto de injustiça como o que nos cerca, é mui provável que, mesmo que façamos o bem, não recebamos a devida recompensa nessa vida; ainda assim, somos exortados a agir desse modo. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;” Mat 5; 6
Essa fartura de justiça é prometida para o porvir, embora, às vezes, Deus envie-nos algumas parcelas ainda nessa vida, como versa o Salmista: “E ele fará sobressair a tua justiça como a luz, e o teu juízo como o meio-dia. Descansa no Senhor, espera nele; não te indignes por causa daquele que prospera em seu caminho, por causa do homem que executa astutos intentos.” Sal 37; 6 e 7.
Trocar favores, devolver o que recebe, mesmo os maus conseguem; “Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?” Mat 5; 46 e 47 Um pouco antes dissera que dos seus, espera mais; “Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.” Vs 44 e 45
Então, nosso desafio é andar contra o fluxo “normal” do mundo. Paulo, aliás, lembrou dessa “piracema” que convém aos servos de Deus, para não serem arrastados ao oceano da perdição; “…noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência.” Ef 2; 2
Assim, ao invés de ameaças estéreis e omissas “garimpando” os bons desejos alheios, tomemos atitudes coerentes à doutrina de Cristo; se nossos beneficiários não replicarem, isso não será problema nosso. Afinal, somos chamados a ser sal e luz; essas coisas não existem como fins em si; antes, como bens cujo sentido reside em beneficiar aos outros.
Embora muitos acreditem que o amor cristão é mero sentimento; é, antes, uma decisão moral e espiritual, validada pelas atitudes correspondentes. Do contrário sequer poderia ser um mandamento. E quem ama acaba tomando iniciativa, mesmo ao risco de não ser correspondido, como fez nosso Bendito Salvador. “Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” Rom 5; 7 e 8
Cada injustiça sofrida pelos que amam à justiça é um crédito no banco celeste; tinha isso em mente o Senhor quando exortou que se ajuntem tesouros lá. Embora o Apocalipse em sua linguagem peculiar fale da Cidade Eterna como tendo ruas de ouro, podemos trilhar por elas ainda aqui. Para meus pés, confesso que prefiro terra, grama; mas, para a alma, alguns quilates de tal ouro, não fica mal.