Salomão e o excesso de bagagem
“Todo homem, a quem Deus deu riquezas, bens, e lhe deu poder para delas comer e tomar sua porção, gozar do seu trabalho, isto é dom de Deus.” Ou;
“Um homem a quem Deus deu riquezas, bens, honra; nada lhe falta de tudo quanto deseja; Deus não lhe dá poder para daí comer; antes, o estranho o come; também, isto é vaidade, e má enfermidade.” Ecl 5;19 e 6;2
Temos nesses versos a exposição de duas situações semelhantes: Pessoas abastadas, porém, com predicados diferentes. Uma pode usufruir suas posses, a outra, não.
Ora, se o direito à propriedade é sagrado em qualquer regime democrático, por que alguém não pode usufruir o que possui? Acontece que essa restrição não reside nas leis humanas; antes, na alma de tal “rico”. Para o que pode, o dinheiro é um meio; para o outro, um fim. Aquele, do que possui faz sua vida regalada; esse, do que ainda não tem, o alvo da sua cobiça.
Assim foi com Acabe, por exemplo; mesmo com as regalias do palácio real, sofria por não ter a vinha de Nabote. A megera rainha Jezabel maquinou como possuí-la a preço de fraude e sangue; isso lhe custou a vida.
Então, quando Deus “dá poder” para usufruir, devemos entender com isso uma alma iluminada quanto ao papel dos bens forjando um coração liberal, altruísta. “Melhor é a vista dos olhos do que o vaguear da cobiça; também, isto é vaidade, aflição de espírito.” 6;9
Muitos católicos que fazem peregrinações, como a de Santiago de Compostela na Espanha, por exemplo, dizem que o primeiro aprendizado é que devem descartar tudo o que for supérfluo para que a bagagem seja um socorro essencial, não, um peso.
Se sabemos que a vida terrena é mera peregrinação, posto que mais extensa que aquela, por que nos sobrecarregarmos de bagagens mui pesadas que não poderemos levar além? “Doce é o sono do trabalhador, quer coma pouco, quer muito; mas, a fartura do rico não o deixa dormir.” 5; 12 Algumas nuances do “não poder” desse materialmente apegado.
Desgraçadamente, muitos que se dizem evangélicos, ao invés de viver e ensinar o vero sentido de nossa peregrinação, cujo alvo é ser sal e luz aos semelhantes e ajuntar Tesouros no Céu para si, ensinam a cobiça mundana, como se, âncora e asas fossem sinônimas.
Ora, o Salvador denunciou que, do que o coração está pleno, a boca fala. Lógico e natural que seja assim. Como apresentaria eu, a outrem, como desejável, aquilo que não for desejável para mim? Assim foi o pecado original. Satanás propôs como alvo ao primeiro casal algo que era seu sonho; ser como Deus.
Então, quando um pilantra qualquer acena ainda que pisoteando textos bíblicos, com a busca de mais bagagem mediante a fé, obscenamente expõe seu avarento coração; e sua mensagem só ecoa noutro igual. Assim, tais igrejas vivem sua “simbiose”; mercenário e incauto completam-se, numa versão gospel de otário e vigarista.
Claro que em casos de privação extrema os bens são a primeira “oração” que devemos fazer em socorro de um necessitado qualquer; não se trata de omitir o óbvio. A ideia é uma profilaxia para evitar que a mosca dourada da cobiça nos possa inocular seu vírus. “Quem amar o dinheiro jamais dele se fartará; quem amar a abundância nunca se fartará da renda; também isto é vaidade.” 5;10
Não alude aos bens em si; antes, a um sentimento deslocado que faz amar coisas, bens, quando deveria fazê-lo em relação a pessoas. Paulo amplia: “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males; nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e transpassaram a si mesmos com muitas dores.” I Tim 6; 10
O livro de Atos traz o exemplo de Ananias e Safira que, por amor ao dinheiro mentiram solenemente perante Deus; isso lhes custou mais que dores; a vida.
Conheço pessoas de bem poucos bens que vivem felizes; e outras de muitas posses, que sofrem; todos conhecem! Certo que é saudável certa emulação ao vermos a prosperidade de nossos semelhantes, que nos faz trabalharmos também, em busca de melhorias das nossas condições de vida. Entretanto, é insano e destrutivo dar asas à cobiça desenfreada; pois, além de não apreciarmos devidamente o que temos, podemos incorrer em ilícitos almejando o que sequer carecemos. Façamos nossa a oração de Agur.
“Afasta de mim a vaidade e a palavra mentirosa; não me dês nem a pobreza nem a riqueza; mantém-me do pão da minha porção de costume; para que, porventura, estando farto não te negue, …ou que, empobrecendo, não venha a furtar, e tome o Nome de Deus em vão.” Prov 30; 8 e 9