Triângulo amoroso
“Ouve tu, filho meu, e sê sábio, e dirige no caminho o teu coração.” Prov 23; 19
É proverbial o conflito entre o bom siso e os sentimentos, entre cérebro e coração, razão e paixão. No preceito supra do mais sábio dos homens, somos exortados a dirigir o coração invés de segui-lo, como tantos aconselham pensando dizer algo profundo.
O fato é que resulta dura tarefa definir o que se chama, coração; óbvio que não se refere ao órgão do corpo cuja função ainda que vital, é biológica. Assim, o “coração” é como um símile naquilo que consideramos vital na esfera psicológica. Ele é a instância central da personalidade, pulso dos anseios da alma. Posto que reivindique, eventualmente, apoio da mente, o faz mercê da vontade que o domina, não pelos clamores da razão em si; esses são mais elevados. Geralmente contrariam o coração dado que o “sentimento” que os anima é a sabedoria.
Daí, o eterno conflito. Afinal, os anseios do coração surgem instintivos, infantis, primários. Se, por um lado o coração coopta a mente a seu serviço ancorado nas águas da vontade instintiva; por outro, a razão é instigada a “alugar” o coração e colocá-lo a serviço da sabedoria. Deus torna o mais nobre dos sentimentos, o amor, em mandamentos. “E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” Mat 22; 37 a 40
Então, se o amor fosse simples sentimento espontâneo, como a paixão, não poderia nem careceria ser posto como mandamento. Ainda que os poetas, esses nefelibatas inspirados falem grandezas nos domínios do coração, se lhes avantajam os filósofos que aclaram suas decisões ao lume da perfeita razão.
Embora muitos chamem o evento da Cruz de “Paixão de Cristo”, parece-me um tanto mais elevado e sublime; “Como o Pai me amou, também eu amei a vós; permanecei no meu amor.” Jo 15; 9 Mero apaixonado mandaria às favas aos que o estavam matando, invés de orar por perdão como o Senhor Bendito o fez.
Esse “amor” cantado em prosa e verso visa sempre conquistar algum desejo; enquanto o vero amor já é uma conquista do céu que nos leva a dar, antes que desejar algo; “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.” Jo 15; 13 ou, “Por que Deus amou ao mundo de tal maneira que deu Seu filho…” Jo 3; 16
Não que eu pretenda com isso renunciar à poesia e seus encantos; antes, a admiro; trata-se apenas de dar os devidos nomes aos bois. Afinal, nosso amor natural tem uma locomotiva egoísta tracionando vagões nos trilhos do desejo; já o amor espiritual, racional, tem entre outras coisas, o “efeito colateral” da gratidão pelo bem recebido, e o fito primordial de buscar o bem alheio. “Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, porque muito amou; mas aquele a quem pouco é perdoado pouco ama.” Luc 7; 47
Muito do que desfila em prosa e verso é justo a antítese do amor. Quando algum infiel “faz amor” por exemplo, traindo a quem jurou amar para sempre. Amor não se faz, antes, se vive, demonstra; coito é outra coisa, pode andar a favor dos ventos do amor ou contra eles.
As razões do coração que a própria razão desconhece definem bem a enfermidade dos que são instigados às loucuras aventureiras da paixão de encontro aos muros sóbrios da razão. Não que não seja delicioso estar apaixonado; mas, é enfermiço tentar viver sempre assim. Muitos desfilam recordes de casamentos, por que, dizem, o amor acabou. Na verdade, sequer existiu na maioria dos casos; apenas a doença da paixão ocupando seu lugar.
Os que ministram cerimônias de casamento apresentam lados extremos da vida aos nubentes perguntando se serão fiéis em todos; saúde, doença; alegria, tristeza; riqueza, pobreza… todos prometem o mesmo geralmente assinando um cheque sem fundos, que quando cobrado resulta em vergonha, separação.
A Bíblia registra um casamento que já iniciava mal, faltou vinho na festa; mas, estava lá Jesus que proveu milagrosamente. De igual modo nós, se Jesus fizer parte da “festa”, se “assinarmos o cheque” com Sua caneta, Ele proverá os fundos necessários.
Assim, o vero amor é uma decisão moral e espiritual; muito mais necessária nos momentos ruis que nos bons. O amor que “sai pela janela quando o problema entra pela porta” revela-se, finalmente em seu gesto de ladrão.