Os meninos perdidos da terra do nunca

OS MENINOS PERDIDOS DA TERRA DO NUNCA

Jorge Linhaça

Quando Peter Pan decidiu crescer, não imaginava que um grande surto de amnésia seletiva o fizesse “esquecer” de todas as suas estripulias, bem como daquela certa dose de rebeldia que o haviam tornado líder dos meninos perdidos em suas incansáveis aventuras contra o capitão Gancho.

A saída abrupta de Peter Pan da Terra do Nunca, sem haver preparado o seu sucessor, bem como a impossibilidade de visita-los ou ao menos manter contato com sua criança interior, deixou um enorme vácuo na vida de seus ex-companheiros, bem como o relegou ao papel de uma simples lenda entre os novos meninos perdidos que não paravam de chegar, cada vez em maior número à Terra do Nunca.

Como o Capitão Gancho nunca deixou a sua terra e não havia quem o combatesse com o mesmo ímpeto de Pan, o seu poder sobre a Terra do Nunca foi tornando-se cada vez mais abrangente, de modo que sua força estendeu-se até fora dos limites do reino da fantasia, atraindo para si até mesmo crianças e adolescentes que tinham famílias.

Os meninos e meninas da Terra do nunca viviam acuados com as ameaças do Capitão. Diversão era coisa do passado, as descobertas diárias dos jovens não mais existiam pois não encontravam um espaço seguro para dar vazão à sua criatividade e manter a sua inocência.

Oras, quando jovens não encontram um líder positivo, disposto a defendê-los e, ao mesmo tempo, animá-los, orientá-los e impedir que confundam tesouros com besouros, não há de faltar um líder negativo que assuma esse papel às avessas.

E foi assim que a tripulação de Gancho foi crescendo e os piratas se tornando cada vez mais jovens. As festas nos navios piratas passaram a ser mais atrativas que as grandes algazarras alegres e inocentes do acampamento dos meninos.

Poucos eram os que resistiam aos chamados dos piratas e, com cada vez mais jovens mudando de lado, mais natural parecia seguir a maré e embarcar nos navios.

Oras, sejamos sinceros, um Peter Pan não se faz num dia, mas pode perder-se em algumas horas, naquelas poucas horas em que o desejo de crescer e ser tornar-se “responsável” perante a sociedade o tornam, paradoxalmente, irresponsável com seu passado.

Não há nada errado em crescer, faz parte do processo natural de nossas vidas, o que não é realmente natural é o esquecimento forçado de nossas travessuras e alegrias. O que não é natural é substituir aquele sentimento de união, de preocupação mútua por aquele novo lema de cada um por si e que os outros se virem.

Deixamos que nossos jovens e mesmo nossos filhos se tornem piratas, cada vez que negamos a nossa própria infância e adolescência, nossas traquinagens, nossas falhas naturais desse período e os fazemos crer que já nascemos adultos e chatos. Alimentamos suas inseguranças e sentimento de inadequação, cada vez que tentamos mostrar o quão perfeitos nós somos, sem explicar que para sermos quem somos hoje, passamos pelas mesmas incertezas e medos, pelas mesmas dúvidas e tentações que eles e que só superamos isso com algum esforço pessoal e o paio de outras pessoas.

Tudo bem (?) que não queiramos mas ser Peter Pan , que tenhamos “deixar de lado as coisas de meninos”, mas tudo mal que nosso medo de demonstrar fraquezas antigas impeça os mais jovens de perceber que as dúvidas não são exclusividade deles. De que vale alguém ter superado barreiras se depois se envergonha disso a ponto de não usar seu exemplo para fortalecer seu próximo?

Deixemos de hipocrisia, aprendamos a olhar para nossos jovens, mesmo aqueles que andam flertando com os piratas e o canto das sereias, como reflexos de nosso passado de dúvidas, incertezas e, por que não, rebeldia pelo qual todos passamos.

Olhemos para esses jovens e para nós mesmos e vejamos o quanto temos de semelhantes e façamo-los entender que se nós conseguimos superar tantos obstáculos semelhantes aos deles e nos tornamos um pouco mais fortes, o mesmo ocorrerá com eles se apenas o desejarem.

Queridos irmãos e irmãs, o pó de pirlimpimpim que fará com que nossos jovens possam voar e ver o mundo com outros olhos, não é o pó de mico da recriminação constante, não é a areia que queiramos jogar em seus olhos fingindo que nunca ficamos tentados a seguir o mundo.

O pó de pirlimpimpim que nossos jovens precisam é o dos pensamentos alegres e positivos, é o entendimento de que Deus , embora abomine ao pecado, ainda assim sempre há de amar o pecador e o estará esperando de braços abertos caso deseje voltar para casa pelo caminho seguro contido nas escrituras e apoiado nos braços amigos de seus pais e líderes.

Queridos irmãos e irmãs, se algum de vocês já não se lembra mais de sua juventude ( para alguns nem tão distante assim), deixe-me lembra-lhes apenas o seguinte:

Se os jovens não tiverem o que fazer de produtivo na igreja, além de se preocuparem com o sacramento e as reuniões dominicais, certamente procurarão o que fazer em um ambiente menos santo.

De que adianta dizermos a eles: “ Permanecei em lugares santos”, se nossas capelas vivem jogadas às moscas durante quase toda a semana? Se não lhes damos a oportunidade de demonstrar e desenvolver seus talentos?

Creio que o Pai Celestial não espera que nossos jovens aprendam sozinhos, creio que não espera que nem eles nem nós nos tornemos perfeitos da noite para o dia e muito menos que nos tornemos um exército de indolentes e acomodados com nossa ilusória condição de “quase salvos”.

Preferimos ensiná-los a voar ou nos conformar em vê-los irem em direção aos navios piratas, mentido para nós mesmos que “nada podemos fazer”?

Fiquemos atentos a outro detalhe: Iirmãos e irmãs, o fato de qualquer jovem “nascer na Igreja” não lhe confere um testemunho automático de Cristo. Podemos fazer mil reuniões familiares, eles podem ir a mil reuniões de testemunho, podem até mesmo não pecar e fazer tudo que for requerido dele, ainda assim seu testemunho só lhe será dado quando ele busca-lo “de todo coração, poder, mente e força”.

Ensinemos nossos meninos perdidos mais do que ir automaticamente às reuniões. Ensinemos-lhes a descobrir por si a doce alegria de uma oração respondida, a silente satisfação do serviço ao próximo, sabendo porque o estão realizando.

Joguemos sobre eles o pó fé, da esperança e da caridade, com os olhos fitos na glória de Deus e eles raramente se desviarão d o caminho do Senhor por mais do que um momento.

A palavra pura endurece, mas, o espírito vivifica. Ensinemos, pois, pelo espírito.

Salvador, 09 de maio de 2013.