O Barco

(Irmão Jesus)

Ele poderia ter evitado a sua própria morte. O barco que o levaria em segurança ficou ancorado o dia todo no cais a sua espera. Porém o mar que o levaria embora era Deus, e nesse barco foi ele o primeiro navegador. Aos olhos puramente humanos a sua decisão pareceria loucura. Como ficar, ser preso, crucificado e morto! Pois esse seria o seu destino já nós dito na celebração da última ceia da páscoa.

Outro em seu lugar faria de tudo para escapar desse julgamento. Usaria sua força e imagem para sobreviver, enquanto a cabeça de legiões que o seguiram e acreditavam em suas verdades morressem aos montes.

Ao contrario de tudo que qualquer ser faria, ele se entregou em holocausto. Não na posição de um escravo, mas de um homem livre, que em sua liberdade se fez prisioneiro para ensinar a humanidade uma lição de amor. A imagem do irmão Jesus pouco importa: alto, baixo, magro, gordo, branco, negro. Essas definições somente interessam a aqueles que permanecem com o vicio da separação. Para o mestre, o amor era a definição pelo qual todo ser humano deveria ser igualado. Enquanto a lei dos homens separa e exclui, a lei de Cristo (amor) une e busca a sentarem-se a mesa aqueles que dela foram afastados.

A diferença entre a lei dos homens é que ela é cega, surda e completamente impenetrável nos corações humanos. Enquanto que a lei de Cristo penetra a alma e o espírito de qualquer ser.

Jesus tinha tanto amor em seus olhos, tanta doçura em suas palavras, tanta bondade em seu sorriso que estar ao seu lado ou a cem metros de distancia era sentir a intensidade de sua paz em nós. Não houve homem, mulher, criança que não a tenha sentido pelo menos uma vez.

Ao longo dos três anos que estive ao seu lado, o irmão Jesus Cristo, ensinou como ser caridoso com o próximo, ombro para os aflitos, conforto para os desvalidos da terra e como sermos peça fundamental na obra do pai celestial. Entre tantos ensinamentos, tantas passagens, ainda recorda minha alma das horas que antecederam a sua prisão.

O último momento em que estivemos com o mestre que esteve conosco em nossos dias e noites, alegrias e tristezas e que partiria para cumprir sua missão. Sem hesitar por nenhum momento na hora mais difícil de sua existência com seu amor e bondade, nos deu a sua última e grande lição.

***

Era chegado o momento de pensar, enquanto seguíamos para o outro lado de Cedróm, em direção ao jardim onde por muitas vezes o mestre nos falou das belezas da vida. Não poderia evitar em refletir que o homem que caminhava há passos lentos a minha frente era o ser mais puro, até mesmo do que as flores que nos agraciavam pelo percurso.

Somente o irmão Jesus poderia caminhar tão leve, rumo a sua prisão. – O meu coração pode falar-lhes antes que minha hora se concretize. Vejo em suas faces o medo! Para que sentirem medo? Vós ensinei o caminho da felicidade, e ele somente pode ser alcançado quando estamos na presença do pai. Vossos desafios apenas começaram! Penseis por que não fujo de meu destino se o conheço? Respondo que não é digno de mim fazer tal coisa. Do mesmo jeito que o rio segue o seu percurso, eu tenho que seguir o meu. A missão que tive ao vosso lado será concretizada com o selo dessa carta que sou eu.

Olhem! Essas flores por mais belas que sejam aos olhos e aos corações precisam partir para que a semente, a vida que existe dentro delas possam florir novamente, nascer de novo. A semente que plantei em vossos corações é cultivada pelo amor e caridade de seus atos. Se seus atos forem bons, a planta irá florir. Se forem maus o adubo de vossos sentimentos não germinará a vida, mais o ódio, a exploração, a ganância. Cultivem amor pára colher amor. Cultivem paz para colher paz.

Sejam brandos nas palavras, mais fortes em assumir o que são. Não permitam que o mundo os ensine suas regras, elas falharam hoje e falharão amanhã. Olhem os pássaros. Eles sentem fome, e buscam alimentos. Sentem frio e fazem seus ninhos. Todos cultivam o mesmo preceito de união, ajuda e divisão. Nem por isso um pássaro é igual ao outro. Eles somente aprenderam a dividir e semear amor em suas ações. Semeie amor em suas ações. Na tolerância, no ódio e na inveja e terão alcançado graças junto ao pai, que deseja que façam coisas grandes. Porém que comecem pelas pequenas coisas. Comecem pelo amor, amem seus inimigos, abracem os que foram separados pela injuria, perdoem seus desafetos. Vivam a lei do amor, mesmo quando houverem dor e lágrimas.

As últimas palavras do mestre ecoarão dentro de meu peito. O mel de suas palavras impregnavam minha alma, que mesmo radiante por estar ao seu lado, ouvindo de seus lábios a poesia da vida. Senti, que existiria uma hora de dizer adeus. Como entender que o amigo, o irmão mas bem querido teria que partir pela brutalidade das ganâncias do homem.

Viver sem olhar para seus olhos, escutar sua voz e seu despertar sereno era a falência de minhas crenças mais convictas. Porém creio não entender que ele era à flor da humanidade, que precisaria morrer para germinar amor.