Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração.
 
No tempo da pregação pública de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, Verbo de Deus vivo, que se encarnou através da santa Virgem Maria, sucedeu esta mensagem:

Achegou-se dele um dos escribas que os ouvira discutir e, vendo que lhes respondera bem, indagou dele: Qual é o primeiro de todos os mandamentos? Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. Eis aqui o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe. Disse-lhe o escriba: Perfeitamente, Mestre, disseste bem que Deus é um só e que não há outro além dele. E amá-lo de todo o coração, de todo o pensamento, de toda a alma e de todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, excede a todos os holocaustos e sacrifícios. Vendo Jesus que ele falara sabiamente, disse-lhe: Não estás longe do Reino de Deus. E já ninguém ousava fazer-lhe perguntas. (Mc 12,28-34)

Minhas amadas, meus amados, que a paz de Nosso Senhor inunde a vida de todos vocês!

Quando Jesus fora questionado sobre o primeiro de todos os mandamentos, o conjunto dos mandamentos judaicos existente envolvia os dez mandamentos apresentados a Moisés, ao pé do Monte Sinai, e por ele disseminado ao povo de Israel, juntamente com os demais 603 mandamentos, entre os positivos e negativos. Eles, sem dúvida, deram a sustentação moral e os princípios básicos fundamentais para a sobrevivência do povo judeu, no que concerne aos aspectos religiosos e morais, sendo todos eles considerados essenciais ao judaísmo.

Porém, como poderia Jesus, após ter afirmado que não viera para abolir a lei, como podemos encontrar na narração de São Mateus (“Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição.” Mt 5,17), resumir tão vasto conjunto normativo a apenas dois mandamentos?

A essa altura do evangelho narrado por Marcos, encontrava-se Jesus em Jerusalém e próximo de sua paixão, período em que Ele, e seus discípulos, freqüentavam o templo com assiduidade, pregando e ensinando. Como conseqüência inevitável de tal prática, Cristo Jesus envolvia-se, constantemente, em embates calorosos com seus adversários rotineiros – os escribas, os fariseus e os saduceus.

No meio de uma dessas discussões, a qual está narrada por Marcos logo antes da leitura ora em reflexão, Nosso Senhor é questionado por um escriba, a respeito de qual seria o maior dos mandamentos. É interessante observarmos que, pelo relato do evangelista Marcos, tal questionamento está revestido, aparentemente, de dúvida sincera, porém, segundo Mateus e Lucas, ao narrarem o mesmo episódio (Mt 22,34-40; Lc 10,25-27), ambos apontam o questionamento do doutor da lei com a intenção de por Jesus à prova, para testá-lo diante de todos os presentes.

De qualquer maneira, no trecho narrado por São Mateus, Jesus afirma que o amor a Deus e ao próximo representam não apenas os principais mandamentos, mas também, resumem toda a lei e os profetas.

Relembremos os dez principais mandamentos judaicos:

1 – “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa dos escravos.
2 – “Não terás outros deuses diante de Mim. Não farás para ti imagem de escultura, figura alguma do que há em cima, nos céus, e abaixo na terra, ou nas águas, abaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem os servirá, pois sou o Eterno, teu Deus, Deus zeloso, que visita a iniqüidade dos pais aos filhos sobre terceiras e quartas gerações aos que me aborrecem; e mostrarei misericórdia até mil gerações daqueles que Me amam e guardam Meus mandamentos.
3 – “Não jurarás em nome do Eterno, teu Deus, em vão; porque não livrará o Eterno ao que jurar Seu nome em vão.
4 – “Lembra-te do dia de Shabat para santificá-lo. Seis dias trabalharás, e farás toda tua obra. E o sétimo é o Shabat do Eterno, teu Deus, e não farás nenhuma obra, tu, teu filho, tua filha, teu servo, tua serva, teu animal, e teu peregrino que estiver em tuas cidades; pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra, o mar, e tudo o que há neles, e repousou no sétimo dia; portanto, abençoou o Eterno o dia de Shabat e o santificou.
5 – “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem teus dias sobre a terra que o Eterno, teu Deus, te dá.
6 – “Não matarás.
7 – “Não cometerás adultério.
8 – “Não furtarás.
9 – “Não levantarás falso testemunho contra teu próximo.
10 – “Não cobiçarás a casa de teu próximo; não cobiçarás a mulher de teu próximo, e seu servo, ou sua serva, e seu boi, e seu asno, e tudo que seja de teu próximo.”


Percebam que, qualquer um deles referente a Deus, será integralmente cumprido se, ao Senhor, houver um verdadeiro sentimento de amor, principalmente, se a Ele for devotado um amor que vai além de qualquer coisa. Até porque, se o amarmos incondicionalmente, ou seja, de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o nosso espírito e de todas as nossas forças, entregaremo-nos a Ele, para que possamos seguir os passos de Cristo Jesus e mostrar aos nosso próximo, pelos nossos atos, a sua permanente presença viva em nosso meio.

Da mesma forma, se amarmos o nosso irmão com a intensidade que nos amamos a nós próprios, jamais cometeremos qualquer ato contra ele que não desejaríamos que fosse feito contra nós mesmos. Isto é, de forma alguma, mataríamos nosso irmão, ou se quer o agrediríamos, bem como não cobiçaríamos seus bens e sua(seu) esposa(marido), pois tais atitudes nos afrontariam se fossem a nós direcionadas.

Nossas atitudes, relacionadas ao nosso irmão, seriam, não em decorrência de nosso freio social, de nosso controle ético, de nossa reflexão racional, obstáculos ponderados que evitariam qualquer ato contrario a ele, mas sim, decorrentes de uma relação fraterna não intencional, não racionalizada, pois seria proveniente de um amor divino que transbordaria, que transcenderia, impulsionando-nos ao bem e ao amor incondicionais ao nosso irmão.

Voltemos à afirmativa de Jesus Cristo, negando que viera para contrariar ou modificar a lei. Ambos os mandamentos destacados por Ele como os principais, já eram conhecidos pelos judeus. O primeiro está presente em Deuteronômio (Dt 6,4-5) e era um princípio compartilhado por todos, fazendo parte da profissão de fé hebraica, e o segundo, consta em Levítico (Lv 19,18), após uma seqüência de orientações de como se deve tratar o próximo. Nosso Senhor apenas os trouxe à tona, destacando-os como sendo a essência de nossa vida como cristãos.

Sejamos capazes de construir laços indissolúveis com Deus e nosso próximo, através do amor incondicional, insurjamo-nos contra qualquer formalismo religioso como forma exclusiva de demonstração da cristandade, pois o próprio Jesus, além dos profetas, já se colocara contrário às prioridades do formalismo e dos rituais.

Não nos esqueçamos que Samuel disse a Saul que a obediência e a docilidade a Deus era melhor que qualquer sacrifício (1Sm 15,22) e que Oséias trouxe-nos as palavras de Deus afirmando que desejava a misericórdia e não os sacrifícios (Os 6,6). Lembremo-nos, ainda, da determinação de Jesus para que, reconciliemo-nos com nosso irmão, antes mesmo de fazermos qualquer oferenda (Mt 5,23-24), ou seja, o amor fraterno, entendimento entre os homens, tem precedência ao formalismo ritual, à própria oferenda.

São Bernardo, monge cisterciense e doutor da Igreja, que viveu na virada do século XI para o XII, disse-nos que “Deus é amor (1Jo 4,16) e não que Ele é honra ou dignidade.” Para ele, desses três sentimentos, o mais valioso é o amor, pois “sem amor o respeito é árduo e a honra fica sem retribuição. O temor é servil enquanto o amor não o vem validar, e uma honra que não é inspirada no amor não é uma honra, é adulação. Claro que só a Deus são devidas a honra e a glória, mas Deus só as aceita temperadas com o mel do amor.

Lembra-nos, ainda, São Bernardo que o amor é auto-suficiente e não deseja nada além de si mesmo: “Amo porque amo. Amo para amar.” Segundo ele, inquestionavelmente, o amor é o único sentimento que nos permite responder a Deus, “senão de igual para igual, pelo menos de semelhante para semelhante” haja vista nossa criação segundo a Sua imagem e semelhança (Gn 1,26).

Fiquem com Deus!
Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 05/11/2012
Código do texto: T3969534
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