Não vim trazer a paz, mas a divisão.
No tempo da pregação pública de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, Verbo de Deus vivo, que se encarnou através da santa Virgem Maria, sucedeu esta mensagem:
Eu vim para lançar fogo sobre a terra, e como gostaria que já estivesse aceso! Devo receber um batismo, e como estou ansioso até que isto se cumpra! Vós pensais que eu vim trazer a paz sobre a terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer divisão. Pois, daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: o pai contra o filho e o filho contra o pai; a mãe contra a filha e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora e a nora contra a sogra. (Lc 12,49-53)
Queridas irmãs e queridos irmãos, que a paz de Nosso Senhor inunde o coração de todos vocês!
Ao ler esta mensagem evangélica, e refletir a respeito, percebi a importância de compartilhar com vocês alguns aspectos.
A princípio, a citada passagem traz-nos uma aparente contradição: como que o mensageiro da paz, o baluarte do amor, aquele que estabeleceu o amor à Deus e entre os irmãos como sendo o principal mandamento, pode ser o responsável pela divisão ao mundo?
Lembremo-nos que Jesus chegou a exortar-nos para a conciliação com nossos irmãos, dizendo: “Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta.” (Mt 5:23-24) Ou seja, a fraternidade, o entendimento e o amor entre os homens têm precedência à própria oferenda, isto é, têm mais importância que a própria oração.
Como, então, o mesmo Jesus pode ser o emissário da discórdia e da divisão, ao invés da paz e da união?
Vivemos, constantemente, com o conflito entre nossa essência divina, pura e perfeita, e a nossa limitação humana, egoísta, material e mundana.
Cristo Jesus trouxe-nos o verdadeiro amor divino, e destacou a importância de sermos seus verdadeiros representantes, seus emissários, para que sejamos o próprio Cristo vivo em nosso mundo. Como Ele mesmo nos disse, o mundo não o compreendeu, o condenou e o sacrificou, o mesmo mundo em que vivemos e dele fazemos parte. Quanto mais estivermos próximos do bem, quanto mais formos a versão viva do amor divino, maior será o conflito com o mundo do mal, o mundo que impulsiona o desamor e o desentendimento entre os homens.
Não é o amor de Deus, a paz trazida por Jesus, que gerará a divisão e o conflito por Ele mencionados, mas sim, a não aceitação do mundo à esse amor e à essa paz, posicionamento este do mundo violentamente contrário na proporção direta da intensidade do amor e da paz que disseminarmos.
Existe em nós a perfeição divina em essência, igual a força daquele que nos criou, a qual, se desenvolvida e transformada em ação, é capaz de gerar “anti-corpos” no mundo. É o conflito entre a matéria bruta e limitada e a essência divina e espiritual, é a guerra estabelecida entre o amor e o ódio; o egoísmo e o desprendimento. Tais confrontos intensificam-se na medida que o amor e o desprendimento se aprimoram, na direta proporção da força do espírito humano ao se deixa conduzir pelo Espírito Santo.
Quando nos aprimoramos espiritualmente, quando deixamos que o amor de Deus, por intermédio de seu Santo Espírito, conduza nossa vida, tornamo-nos o nosso maior inimigo, num confronto permanente e intenso entre o amor que nos rege e a limitação humana que nos puxa para o mundo. Os prazeres do mundo são descortinados, pela nossa essência divina, como efêmeros e mundanos, e passamos a nos afastar deles, deixando saudoso e desejoso os nossos anseios humanos.
Já profetizava Miquéias: “os inimigos do homem são as pessoas de sua própria casa” (Mq 7:6), não se limitando aos membros de uma família, mas levando à reflexão sobre os conflitos existentes do homem consigo mesmo, entre suas limitações e o amor divino quando crescente em si. Referia-se, também, ao conflito que ocorre entre aqueles que defendem o bem, que disseminam o amor, e os que propagam o mal e a discórdia.
Reflitamos sobre o papel de Jesus Cristo como um divisor de águas na história dos homens – os que são dele, de um lado, e os que são do mundo, do outro. Sem dúvida alguma, tal divisão gera o conflito de valores, o qual requer daqueles que abraçam a fé a consciência de sua opção, resultando, dentre diversas situações, o ódio do mundo.
Como cristãos, ao enfrentarmos o mundo, devemos lançar mão de diferentes armas, não aquelas utilizadas por ele, mas sim, o amor, a fraternidade, o desprendimento, a espiritualidade e a verdadeira fé, armas-valores utilizados pelo próprio Cristo em vida, ao ser condenado pelo mundo.
Pensemos, sempre, nas palavras de Madre Tereza de Calcutá: “Que ninguém venha a ti sem que volte melhor e mais feliz... Não há em todo o mundo um único ser que sendo amado, não se torne pacífico.”
Fiquem com Deus!