A INFALÍVEL PERFEIÇÃO DE DEUS
A humanidade tem criado coisas geniais, muitas delas úteis, mas parece que, senão todas, quase todas, produzem efeitos colaterais danosos. Logo as primeiras sociedades foram aprendendo a dominar a natureza como meio de prover segurança alimentar e continuidade de vida para as aglomerações humanas. Surgiram obras gigantescas como as barragens, os aquedutos, as drenagens, importantes e úteis, e também as obras inúteis, como as cidades mortuárias, as pirâmides, os templos faraônicos e as muralhas colossais. E fomos evoluindo conforme o tempo foi passando e o conhecimento sendo acumulado, então dominamos os mares, os ares, as distâncias, o espaço, o frio, o calor, a micrologia e a macrologia. Criamos máquinas para trabalhar por nós e muitas máquinas, cada dia mais eficientes, para nos transportar rapidamente ou nos fazer presentes em lugares distantes num piscar de olhos. Aprendemos muito sobre o corpo humano, como controlar e exterminar doenças; aprendemos sobre os animais e quase nada mais há encoberto para nosso entendimento.
E, se formos bem justos, é um privilégio e uma felicidade para nós, que vivemos no apogeu de todas essas evoluções, desfrutar desses carros tão velozes, confortáveis e seguros, viajar para lugares tão distantes em tão pouco tempo e de forma tão eficaz e aprazível, além de conhecer, pelos meios impressos, televisivos e internet segredos que somente montanhas de dinheiros nos proporcionariam conhecer.
De certa forma, criamos um mundo fascinante, cheio de recursos e novidades, com coisas muito úteis e prazerosas, desfrutando dos efeitos satisfatórios disso, até parecendo para muitos que caminhamos para a perfeição e completo estado de satisfação. Sabe-se, porém, que no mundo perfeito nada dessas coisas seriam necessárias, pois todos esses avanços foram ensejados pela transgressão humana e redução da sua capacidade de utilizar o máximo potencial de seu cérebro, pois sabemos que o mais genial entre nós utilizou apenas oito por cento do total de sua capacidade. Portanto, porque decaímos e perdemos nossas habilidades naturais, precisamos inventar esses artifícios para compensar essas perdas e chegaremos a um termo onde, não apenas alguns, mas todos verão com os próprios olhos que o que produzimos nada mais é do que o retrocesso absoluto, pois teremos nos conduzido à porta do caos completo e extermínio irreversível. E, quando isso acontecer, a maioria de nós não mais se iludirá e tampouco quererá essa nossa forma de produzir novidades, sensações, satisfação e prazer.
Teremos chegado a essa consciência, porém, por livre iniciativa, graças a oportunidade que tivemos de experimentar nossas hipóteses, nossas alternativas, e a liberdade para formular as próprias perguntas e produzir as respostas é algo que todos apreciamos, até porque a faculdade de imaginar hipóteses e experimentá-las são os principais atributos de mentes criativas e só é criativa uma mente inteligente. Seria isso contraditório, se disse que se utilizássemos todo o potencial de nosso cérebro viveríamos num mundo perfeito e nesse mundo todas essas nossas criações seriam desnecessárias¿ Seria sim contraditório se ignorássemos o fato de que, mesmo com uma mente tão mais poderosa não se tem todas as respostas e quanto mais poderosas as mentas, mais elas são ávidas a questionar e procurar respostas. Portanto, se utilizássemos cem por cento do potencial de nossa mente, tanto teríamos capacidade de perceber que, ao recebemos da mão do Criador, todas as coisas já tinham atingido seu apogeus, estando perfeitas e não necessitando de retoques, como teríamos capacidade para questionar, elaborar perguntas e querer produzir nossas próprias respostas. Para mentes criativas as possibilidades são infinitas.
Entretanto, pessoas inteligentes po0deriam argumentar que se houvesse perfeição na Criação de Deus não teria havido a possibilidade da contradição e ela aconteceu.
Diante desse argumento, observo que questionar a perfeição das obras de Deus é justamente o início do retrocesso que nos trouxe até aqui. Todavia, somente são capazes de questionar seres cuja capacidade criativa vai além de programação robótica. Além de tudo, isso se chama liberdade e não haveria liberdade se não fôssemos tão inteligentes para questionar ou se, sendo tão inteligentes para questionar, houvesse um dispositivo que nos impedisse formular questionamento. Se fosse assim, Deus jamais nos ensinaria como criou todas as coisas, pois, sem possibilidade de questionar, não haveria em nós interesse em saber, viveríamos plenamente satisfeitos, como os animais, por exemplo. Todavia, não é assim. Ao contrario, me parece que Deus, cuja mente, fervilha em criatividade, não ficaria satisfeito em conviver com seres menos criativos que Ele.
É bom acelerar o carro a cento e cinqüenta, duzentos por hora, mas a essa velocidade corre-se muitos riscos, especialmente se trafega-se em lugares inadequados. Poderia existir uma lei, porém, que obrigasse as fábricas a produzir somente carros que fossem no máximo a oitenta. Mas, se fosse assim, as pessoas dirigiriam insatisfeitas, pois quereriam acelerar a mais quando houvesse oportunidade e condições favoráveis, mas não poderiam e, mesmo que precisassem, que a situação requeresse, não haveria alternativa. Então se fazem carros que podem acelerar a até mais de duzentos por hora e a cada motorista compete usar seu bom senso para normatizar suas ações ao volante, sabendo onde e quando pode acelerar mais ou menos. De outro modo, andar de carro seria uma monotonia insuportável e, talvez não houvesse acidentes e seus efeitos, mas, com toda certeza também não haveria prazer e satisfação. De qualquer forma, pessoas que não são capazes de regular suas ações não são confiáveis para conduzir carros mesmo em velocidade controlada e a capacidade de regular as próprias ações é atributo de mentes criativas e inteligentes.
Talvez alguém argumentasse que se os anjos fossem perfeitos uns não teriam aderido as idéias de satanás e outros se mantido fiéis a Deus.
Talvez alguém possa também pensar que fazer tudo igual, repetir a receita a “fio e pavio” seja perfeição, mas isso não é. Perfeição é o poder escolher, ter capacidade de decidir o que é bom para sem prejudicar o bem dos outros. Uns anjos mantiveram-se fiéis enquanto outros declinaram para a rebeldia por causa da diversidade entre os seres criados, pois nem uma pessoa é igual a outra e a diversidade, o poder ser diferente, também denota e requer liberdade e inteligência.
O fato de os anjos fiéis não questionarem o caráter do governo de Deus não significa que em suas mentes não houve questionamento. Questionar não é pecado e nem é imperfeição. Ao contrário, somente sendo perfeito para ter capacidade de questionar. O problema está em não confiar na resposta e as respostas quanto a todas as coisas eram cotidianamente produzidas no convívio dos anjos com Deus e entre si. O que diferenciou os anjos leais dos caídos foi a confiança na idoneidade das respostas de Deus, sendo que os leais confiam plenamente que as resposta de Deus são únicas, são o máximo e são o melhor. O que diferenciou Lúcifer dos demais não foi a falta de confiança nas respostas de Deus, mas a intenção de agradar a si além do limite (além do possível) e tal desejo ele se esforçou para despertar no coração dos outros anjos, o que pesou muito na decisão dos que caíram juntamente com ele. A ambição de Lúcifer, porém, não começou no desejo egoísta, mas no questionamento e o pecado não é uma ação estranha ao usual, mas a deformação da ação normal. Por exemplo, tomar ar é bom, é salutar e produz vida. Encher-se de ar até estourar, é mau e é prejudicial. O ar, porém, não muda, continua sendo o mesmo. Portanto, o pecado é a deformação do bem.
Os argumentos, porém, podem continuar questionando a perfeição da criação de Deus a perguntar como seres perfeitos iriam acreditar em argumentações maldosas contra um ser perfeito, justo e correto, o Deus que eles conheciam, e cujas práticas eram perfeitas.
É muito fácil olhar daqui, distante do problema e fora dele, e definir que as argumentações de Lúcifer contra Deus eram maldosas. Já sabemos que elas eram maldosas; o mal já nos mostrou seus frutos e já sabemos também que o mal tinha se tornado parte integrante do caráter de Lúcifer. Quanto ao caráter das argumentações dele contra Deus no céu, até aquele momento qualquer um poderia contestar os frutos prejudiciais da contradição, pois ela jamais tinha produzido frutos; ela nunca tinha acontecido. Portanto, embora sendo perfeitos, os anjos podiam perceber que a argumentação de Lúcifer contra Deus era incoerente com o Deus que eles conheciam, podiam pensar que se tratasse de um engano, um mal entendido, ou algo que Lúcifer ia explicar depois, mas não tinham razões para duvidar da palavra dele, pois até então ele fora perfeito e corretíssimo e não havia um currículo de suas práticas maldosas que lhes servisse de base para julgar como mau seu procedimento. E, além do mais, ele era muito amado, admirado e respeitado por todos eles. Portanto, para que fizessem seu julgamento e tomassem posição, havia apenas a estranha dessa nova palavra que Lúcifer agora propalava, de resto, ele era o mesmo conhecido Lúcifer, criado por Deus, muito próximo do Criador e autorizado por ele. O que fez diferença para os que se mantiveram fieis não foi os argumentos de Deus sobre o Seu próprio caráter, tampouco qualquer argumento Seu contra Lúcifer (o que Ele não fez), mas a confiança deles no Criador por causa da vivência que tinham com Ele, através da qual viam e reconheciam Seu caráter.
Portanto, não há imperfeição em os anjos não suspeitarem mal de Lúcifer em primeira mão por causa de suas palavras contraditórias. Pelo contrário, suspeitar mal é que é imperfeição e muito pior é a disposição para suspeitar mal e julgar no primeiro indício. Não suspeitando mal, os anjos mostraram amor e fidelidade de uns para com os outros e para com Deus. Depois, porém, ficou evidente que, além das palavras, Lúcifer estava imbuído de más intenção, então cada um por si, usando a liberdade que tinha para escolher, tomou posição de um lado e do outro da controvérsia, resultando que dois terços dos anjos permaneceram leais a Deus.
A verdade, porém, que muita gente tem dificuldade de aceitar, é que Deus não gostaria de obrigar seres racionais e inteligentes como Ele a aceitar coisas que eles questionam e a viverem num mundo de hipóteses não exploradas e resolvidas. Ele tinha todas as respostas, mas quis dar aos seus amados seres criados a oportunidade de experimentar e produzir suas próprias respostas, então nada mais haveria o questionar sobre o completo grau de perfeição do governo de Deus. Depois disso, eles poderiam ser livres para buscar conhecimento e novas respostas, mas seriam perfeitamente habilitados para respeitar todos os limites sem ter ninguém a vigiá-los e controlar-lhes passo a passo.
Wilson do Amaral