Não podemos poder
Frequentemente, em meio às grandes calamidades ouvimos questionamentos, tipo: Onde está Deus? Por que não intervém? Dado o “silêncio” dele, esses inquiridores perplexos dão-se ao direito de duvidar da Sua existência, quando não, da Sabedoria e Bondade e Justiça.
A ideia subjacente é que, aquele que tem o poder deve agir, para evitar males sempre que possível; coisa que nem sempre fazemos em nossa limitada capacidade.
Um observador arguto da vida poderá ver ao seu lado dezenas de exemplos em que o “poder” foi mais danoso que uma bênção nas vidas dos que que o desfrutaram. Não que o poder em si seja algo mau; mas, estando atrelado à mentalidades más será danoso seu usufruto.
Quantos ganham milhões em loterias e, a fortuna, invés de lhes melhorar, os joga nos braços dos vícios e toda sorte de libertinagem? Quando não podiam, eram melhores.
Mesmo nós, quando impotentes ante uma afeição somos delicados, gentis, solícitos; apenas porque queremos conquistar quem desejamos!
Uma vez alcançado o alvo, quando fruímos total intimidade e prazer, esse “poder” recebido, pode nos tornar relapsos, descuidados, a ponto de ruírem relacionamentos; pois, quem “está podendo” já não age como antes quando apenas queria.
Assim, a má perspectiva nos lança na visão pessimista de Schopenhauer que dizia que a vida se resume à ânsia de ter, e ao tédio de possuir.
Então, nossos anseios podem nos dar algemas onde supomos coroas; o que será depois, escapa aos nossos domínios, o que não acontece com Deus.
Assim, de certa forma Deus não interfere, embora o faça sempre, do Seu jeito. Sermos consequentes é inerente ao fato de termos livre arbítrio; somos feitores dos nossos destinos, não fadados numa redoma de tempo e espaço.
Salomão ensina: “O homem de grande indignação deve sofrer o dano; porque se tu o livrares ainda terás de tornar a fazê-lo.” Pv 19; 19 As próprias consequências sofridas pressupõem livramento futuro.
Deus é inocente das calamidades como advertiu já nos dias de Isaías: “Na verdade a Terra está contaminada por causa dos seus moradores; porquanto têm transgredido as leis, mudado os estatutos, quebrado a Aliança Eterna.” Is 24; 5
Quando legou o governo da Terra ao ser humano fez uma restrição apenas, como símbolo de um domínio em submissão. Desde então a Aliança Eterna foi rompida; e tem sido sistematicamente.
No Capítulo 8 de Marcos, temos uma demonstração prática de como Deus “interfere”. Trouxeram um cego ante Jesus; “Tomando o cego pela mão, levou-o para fora da aldeia...” O Senhor o curou, conta o evangelista e despediu-o, assim: “Mandou-o para sua casa, dizendo: Não entres na aldeia, nem digas a ninguém na aldeia.” Vs 23 e 26
Por alguma razão, o Salvador o queria fora daquela aldeia; quando cego, tomou-o pela mão; uma vez curado, apenas disse-lhe o que fazer e deixou com ele a escolha entre obedecer ou não.
A interferência de Deus ainda é segundo Sua Palavra; mas, as pessoas em geral gostariam de ser lavadas pela mão. Essa ideia errônea que Deus pode evitar o mal e não faz pinta-o com um ser mesquinho e sarcástico, quando, na verdade nada mais é que um impotente amante, sofredor.
“Vivo Eu, diz o Senhor Deus, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva. Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que razão morrereis...” Ez 33; 11
O poder que Ele tenciona nos dar refere-se ao domínio próprio, capacidade de resistir aos apelos do mundo que Cristo definiu como caminho largo. João ensina: “Veio para o que era Seu, mas os seus não O receberam; mas, a todos que O receberam deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus.” Jo 1; 12
Esse poder para resistir às tentações, nem sempre é agradável, antes, gera conflitos externos; porém, internamente, paz de espírito.
Afinal, por mais estranho que possa soar, mesmo o Todo-Poderoso, tem lá Suas “fraquezas”; coisas que não pode; “... não Posso suportar iniquidade...” Is 1; 13 “Se formos infiéis, Ele permanece fiel; não pode negar a si mesmo.” II Tim; 2; 13
Em suma, enquanto fazemos do pecado nosso modo de vida, Deus não pode, fingir que não vê, nem, premiar ao justo com a sorte do ímpio, e vice-versa; circunstancialmente permite tais aparências.
Evoca o dia do juízo como aferidor que patenteará a diferença, à partir de nossas escolhas, fruto do caráter transformado. “Então voltareis e vereis a diferença entre justo e ímpio; entre o que serve a Deus, e o que não serve.” Mal 3; 18
"Se não és senhor de ti mesmo, ainda que sejas poderoso, dá-me pena, riso, o teu poderio." (Josemaría Escrivá)