Estranhos mandamentos

Amarás ao Senhor sobre todas as coisas, e ao teu próximo como a ti mesmo; desses dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” (Mat 22; 36 e 38) Embora os mandamentos sejam dez, pois, sua essência se resume em dois alvos, Deus e o próximo, e uma atitude, amar.

Sempre tivemos o amor como mero sentimento; e esse, não podemos controlar, senti-lo ou evitá-lo, uma vez que transcende ao domínio sensorial. Apenas sentimos, sem maiores porquês, ou não.

Sendo assim, poderia o amor ser um mandamento? Na verdade, a base de todos os mandamentos? Deus nos mandaria sentirmos algo? Ordenaria o Senhor, contudo, algo que fosse impossível? Precisamos repensar sobre isso.

Embora encerre um sentimento, o amor de Deus, tem um conteúdo mais denso que mero sentir. Paulo o descreve como a motivação necessária ao exercício proveitoso de todos os dons, uma vez que sem ele, os mesmos, nada seriam. Se o amor é um motivador, pode gerar vontade, e essa culminar em ação.

Esse motivador tem qualidades pessoais, uma vez que é paciente, benigno, confia; é humilde, conveniente, altruísta, moderado, indulgente; é compassivo, verdadeiro, sofredor, crente, esperançoso, forte, eterno. (Sempre que somos impelidos a um desses adjetivos, somos convidados a amar, que é um modo de agir, antes de tudo) E mais; é maior que a fé e a esperança. Nada mau, pois, o conteúdo do sentimento-base da lei do Eterno, segundo Paulo! (I Cor cap. 13)

E olha que ele referiu-se às qualidades, do amor de Deus, apenas! Quando falou da intensidade, Jesus disse: “Ninguém tem maior amor do que esse; dar a sua vida pelos seus amigos.” (Jo 15; 13)

Notemos que os verbos em destaque são ter, amor, e dar; demonstração prática. A maior expressão de amor, pois, não fala de sentir; Acontece que amar é inato ao ser humano.

Acaso é necessário ordenar que uma mãe ame seu filho? Não é antes um sentimento natural? Ou um aborto não é extrema expressão de egoísmo? Quando um cônjuge traído mata ao traidor vulgarmente se diz que “matou por amor”. Uma ova! O fez por vingança, orgulho, excesso de amor próprio. O amor que é sofredor não patrocinaria algo assim.

O que ocorre amiúde é a perversão do sentimento, que desviado dos alvos para os quais foi criado, volta-se doentiamente para si mesmo. Não que seja errado amar a si mesmo, o problema, é quando se torna desmedido, furtando o lugar de Deus e do próximo. “ama ao teu próximo como a ti mesmo” é uma ordem para que a coisa se nivele, pois.

Do excesso de amor próprio nascem as dúvidas, que na verdade são certezas de erro, e como efeito colateral, o medo. Medo de não ser tão belo quanto o esperado; de não ser tão sábio, tão forte, tão amável quanto deseja; então, quanta mentira se conta refém de tais medos! A Palavra ensina, pois: “No amor não existe medo, antes, o perfeito amor, lança fora o medo e quem teme não é perfeito em amor.” (I Jo 4; 18).

Medo, e desejo por recompensas, ou necessidade de reciprocidade; como ensinou Carlos D. de Andrade: “Amor, é estado de graça, com amor não se paga”. Quem ama, ama; sendo correspondido ou não.

Constrangidos pelo convite natural do amor, as almas malsãs se perdem em extremos; ora um idealismo fugaz, onde tudo é espiritual; todos os apontamentos são para o além, (ai, basta fingir amar) outra, um hedonismo materialista, no qual Deus tem que responder de imediato em socorro aos nossos apelos por ter. (O excesso de amor-próprio)

No primeiro caso, ignoramos o amor prático devido ao próximo, e oramos por ele; "Que proveito vem daí?" Pergunta Tiago; Cap. 2; 16; no segundo desnudamos nosso egoísmo, à custa do amor de Deus, querendo que Ele nos sirva.

Então, o que a Lei do Pai tenciona é que apontemos esse sentimento inato, para alvos sadios. Quanto ao ego, a ordem é: “negue-se, tome sua cruz e siga-me”. (Luc 9: 23)

Deus, pois, não nos manda sentir, mas direcionar corretamente, algo que vem de berço; a capacidade de amar.

A sabedoria hebraica nos ensina: “O que deves fazer é amar teu próximo como a ti mesmo. Não há ninguém que conheça tuas numerosas faltas como tu mesmo. Nem por isso tu deixas de te amar. Portanto, deves amar teu próximo, quaisquer que sejam as faltas que encontres nele.”

“Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade.” (I Jo 3

"A questão não é tanto ser amado, mas amar. Quem busca ser amado está sempre dependendo dos outros. Quem ama, é um ser livre e independente." (Desconhecido)