A DESCENDÊNCIA DE LÓ
Trágico fim que, aparentemente Deus mesmo provocou a uma família que Ele tomou espontânea iniciativa de salvar. De madrugada Ele os fez sair às pressas da cidade onde moravam, pois fora condenada a destruição por causa da maldade ali reinante. Tratava-se, porém, de um lugar que eles amavam e onde se sentiam bem e pensavam ter sossego e paz. E, por isso, na fuga forçada, Ló perdeu sua mulher que paralisou-se diante da possibilidade de perder seus bens e lugar, transformando-se então numa estátua de sal. Não bastando seu pecado provocar esse castigo extremo e implacável, ensejou os incestos que as filhas induziram o pai bêbado para dar-lhe descendência dentro da família, sem misturar-se em casamento com a gente pagã das localidades vizinhas. E Deus, ao que os desatentos julgariam, por ser assim como pareceu, tão extremo e sanguinário, em vez de salvar essa família a qual dedicou tanta atenção e amor, terminou por extingui-la de vez, matando inclusive os filhos desses incestos, embora que crianças inocentes. “E assim, por causa do pecado”, como disse uma jovem adventista da reforma, “foi o fim da descendência de Ló”.
Que sarcasmo! Que Deus desastrado! Ser paquiderme e sanguinolento, pensariam muitos desatentos. Isso sim é ser besta, concluiriam.
E é isso que o inimigo implanta na mente dos filhos de Deus com as distorções que faz dos fatos – a imagem de um Ser indiferente quanto as dificuldades, sofrimento e causas humanas, e assim os afasta do Único Salvador. Para tal, ele utiliza pessoas com espírito moralistas, legalista e extremamente justiceiras que ele próprio prepara implantando-lhes conceitos próprios de virtude e perfeição para que desenvolvam e disseminem uma visão arbitrária e intolerante de Deus, como alguém que na ânsia de tirar a doença do filho o mata por não conseguir separar uma coisa da outra; como quem, pela ojeriza que tem ao pecado, em franco descontrole emocional, não perde a oportunidade de destruir o pecador.
Para a sobrevivência espiritual é imperativo atentar a filosofias de indivíduos que se postam de policiais e inquiridores de Deus. A imagem do Deus severo que vendem representa unicamente a forma com julgam a si mesmos e aos demais, os quais eles julgam com base em sua proporia dignidade e justiça, não com base na dignidade e justiça de Jesus. Em outras palavras, o aparente (mas extremado) zelo pelas coisas sagradas que exibem pode ser justamente a via para denegrir a imagem do Criador diante dos pecadores, mostrando-O assustadoramente intolerante e sanguinário por conseguinte, motivo pelo qual muitos têm pavor de Deus.
Quanto ao incesto de Ló e suas filhas, se Deus tolerou, certamente Ele é conivente com o pecado, diriam, mas Deus odeia o pecado, por isto é certo que os puniu com a punição mais severa imaginável, a morte, que é o castigo que aplicariam. Esquecem-se, porém, que Abraão, tio de Ló, tinha relação marital com sua meia-irmã e Deus, aparentemente, aprovou isso ainda fazendo deles os genitores de Uma grande nação e do Salvador da humanidade, “no qual”, disse, “serão benditas todas as famílias da terra”.
O problema de grande parte das pessoas ao estudar a Bíblia, a ciência e a história está justamente em julgar o que lêem com base em sua própria realidade e experiência. E é justamente esse o tipo de julgamento que os indivíduos fazem uns dos outros, julgando uns aos outros com base na própria dignidade, virtudes e experiências. E por isso assaltam, matam em furtos, assassinam, estupram, extorquem, corrompem-se e corrompem, pagam salários de fome, cobram preços abusivos, acumulam muito mais do que precisam, esbanjam enquanto outros morrem de fome, não socorrem doentes e necessitados, não dão esmolas, vingam-se, lincham, pagam o mal com o mal, vivem em demandas judiciais, são impacientes, rancorosos, intolerantes, etc., porque a seu ver os demais estão em falta com eles e por isso cada um de sua forma dá um jeito para pisotear e protestar sua indignação contra o próximo. Assim é a civilização, esta família em constante pé de guerra.
Contrariando, porém, os justiceiros de plantão, o Deus justo não é implacável em punir, mas altamente paciente. Haja vista que somente destruiu as cinco cidades do Vale de Sidim após dar-lhes quatrocentos anos de advertências e oportunidades para o arrependimento. Entretanto, eles somente pioraram e chegaram ao extremo de abusar sexualmente e de todas as formas possíveis uns dos outros, praticando sodomia e brutalidades entre si e com qualquer vítima, não poupando ninguém. Não foi por pouco e, tampouco, com pouca advertência que eles foram destruídos. No caso deles, incesto era uma das práticas mais leves.
Embora que para Deus não há pecado menor ou maior, Ele se compadeceu de Nínive e seus habitantes quando enviou Jonas e ele pregou por três dias subindo e descendo a cidade e o povo se arrependeu e humilhou-se ao Senhor, abandonando todas as suas práticas sanguinárias. Não foi o caso dos sodomitas, pois seguiram em cega obstinação na prática de sua maldade profana e sanguinária.
Então Deus os destruiu juntamente com os genros de Ló que não creram na advertência e, tampouco, aceitaram a última oportunidade especial. E, porque o coração da esposa de Ló também ficou na cidade, Deus não teve como tirá-la de lá, pois Ele não desrespeita o direito de escolha das pessoas. Por isso ela ficou estatizada na colina a olhar para o seu único amor.
Quanto a Ló e suas filhas, porém, por esse tempo parece que ainda não havia preocupação quanto ao incesto, pois ainda não eram muitos os genes deformados para se combinarem na geração subsequente. É certo, porém, que Deus jamais aprovaria a cópula entre pais e filhos. Mas, em sua ignorância, as filhas de Ló queriam evitar ter filhos cuja educação lhe fugiria ao alcance, não por sectarismo, mas porque desejavam poder criar seus filhos com seus próprios princípios, na crença familiar de um Deus Único, o Deus Criador, livrando-os também do risco de virar oferenda aos deuses.
E, sendo assim, como registrado em Gênesis 19:37 e 38, os descendentes de Ló são os moabitas, filhos de Moabe, filho que ele teve com a mais velha de suas filhas, e os amonitas, filhos de Ben-Ami, filho que teve com a mais jovem. Certamente, porém, contrariando o propósito de suas mães, esses filhos casaram-se com mulheres dos povos pagãos vizinhos, produzindo descendência idólatra. Os moabistas viveram a leste do Mar Morto por muitos séculos, mas era um povo arrogante cujo rei obstinou-se em amaldiçoar os filhos de Israel quando passaram por suas terras quatrocentos anos depois. E nos séculos subseqüentes tiveram muitos conflitos com esses descendentes de Abraão, tio de Ló. Os amonitas formaram também um grande povo e viveram a leste do rio Jordão, de Gileade e do Mar Morto. Quanto a estes, ao estabelecer os israelitas na Palestina, Deus deu ordens expressas para que não os molestassem, mas nos séculos subseqüentes de diversas formas eles se voltaram contra Israel.
Por fim, ambos os povos foram subjugados pelos impérios sírio, babilônico, heleno e romano até se consumirem entre as tribos árabes. Ao contrário, porém, do que muitos moralistas presumem e pregam, em vez de destruir Ló, suas filhas e seus filhos por causa do incesto, Deus deu-lhes muitos séculos de oportunidades, como tinha dado aos sodomitas. Eles não aproveitaram porque usaram a liberdade que tiveram para ir contra seu Criador. Mas porque Deus deu-lhes tantas advertências e oportunidades? Como se vê, não pelos méritos deles, mas pelo amor que Deus tem pela humanidade; sempre querendo melhorá-la, sempre fazendo de tudo para a todos.
Wilson do Amaral