A dor do próximo
“Assentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; nenhum lhe dizia palavra alguma, porque viam que a dor era muito grande.” Jó 2; 13
Nem sempre é fácil lidar com a dor alheia. Há casos em que nossa ingerência é indispensável, sendo vedada a omissão aos que deveras pertencem a Cristo, como ensinou no exemplo do Bom Samaritano.
Em grandes calamidades porém, como a de Jó que perdera seus bens, seus filhos e a saúde, tudo de uma vez, o que se poderia fazer? “O coração conhece a sua própria amargura, e o estranho não participará no íntimo da sua alegria.” Prov 14; 10 Ensinou Salomão.
Somente o íntimo, o coração de quem sente algo, pode mensurar o que significa, seja a emoção que for. Esse elogio, pois, merecem os amigos de Jó, que sempre são lembrados como maus conselheiros e juízes precipitados; respeitaram a dor dele. Sete dias e sete noites ao seu lado em silêncio, enquanto ele não falou, esperaram.
Ah se as palavras tivessem a qualidade medicinal para sarar às dores da alma! Às vezes as pessoas carecem de silêncio par ouvir às próprias consciências, não nossas vozes; “Perturbai-vos e não pequeis; falai com o vosso coração sobre a vossa cama, e calai-vos.” Sal 4;4
É certo que nossas alegrias e tristezas são expressões emocionais derivadas das nossas percepções da vida, uma característica intelectual. Como vemos as coisas, sentimos.
Se nossa visão estiver errada, poderemos sofrer sem causa real, bem como nos alegrarmos estupidamente como o riso da hiena. Os que de forma louca, rebelde e suicida construíram o Bezerro de Ouro, fizeram um carnaval ao redor do mesmo; invés de, ver aquilo como um ato temerário que lhes traria morte, a cegueira coletiva sentia que, finalmente teria um deus para adorar.
Se houvesse ali um “desmancha-prazeres” que se posicionasse contra advertindo-os do seu erro, poderia estragar a alegria por um pouco mas, salvaria as vidas dos que lhe dessem ouvidos. No entanto, não tinha ninguém e a coisa desandou.
Nesses casos, pois, cabem palavras visando ampliar o entendimento para basear as emoções em fatos, não em percepções errôneas.
A Bíblia não se posiciona contra as expressões emocionais, antes, exorta-nos a participarmos delas; “Alegrai-vos com os que se alegram; e chorai com os que choram;” Rom 12; 15
Essa identificação não nos impede de vermos de modo diverso, e tentarmos persuadir a uma mudança de percepção, quando for o caso. Afinal, como ensinou Paulo, há dois tipos de tristeza; “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte.” II Cor 7;10
E essas, as tristezas têm uma qualidade sanadora que foge às palavras. “Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração.” Ecl 7; 3
A alegria geralmente é um pássaro fugaz, enquanto, a tristeza nos deixa marcas em baixo-relevo, como versou alguém: “andei uma légua com a alegria, incansável, tagarela; ainda que falasse tanto, nada aprendi com ela; andei uma légua com a tristeza que sequer uma palavra falou; ah quanta coisa aprendi! Quando a tristeza comigo andou!”
Os gregos preferiam as tristezas em consórcio à sua arte, pela sua pedagogia; pois, acreditavam que elas faziam as pessoas deixarem de ser superficiais, vazias, levianas, considerando a vida por um prisma mais sério, preparando-se para ela.
Por isso, contrário às novelinhas algodão-doce que temos, escreviam suas tragédias, cujo final era impactante, resultava em choro, dor, reflexão.
Nosso pavor ao sofrimento e à dor é tal, que no fim das tramas atuais, até cachorros e macacos são “felizes no amor”. Convém ao príncipe desse mundo servir drogas emocionais, para manter uma geração de mentecaptos, incapazes de pensar; senão, podem descobrir seu embuste.
Nos cabe, pois, a missão não alegre de sermos despertadores daqueles que folgam no erro, na ilusão, mesmo que sejamos tachados de desmancha-prazeres. “Por isso diz: Desperta, tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá.” Ef 5; 14 Um médico não visitaria pacientes para contar piadas mas, inda que possa contá-las, seu alvo será cuidar da saúde deles.
Não que o Senhor não queira nossa alegria, apenas, não confunde deserto com Canaã. Não há ilusão alguma na visão Dele.
Desse modo adverte da nossa condição de peregrinos e do concurso das aflições mas, aponta para uma alegria eterna, pela qual, vale a pena sofrer, “Deus limpará de seus olhos toda lágrima; não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.” Apoc 21; 4
“Só temos alegrias se as repartirmos: a felicidade nasceu gêmea.” George Byron