A minha carne é verdadeira comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida.
Quarto domingo depois da Páscoa, pelo Calendário Litúrgico Ortodoxo.
(Evangelho de São João – 18o semana)

 
Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. Vossos pais, no deserto, comeram o maná e morreram. Este pão é o que desce do céu para que não pereça quem dele comer. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá para sempre. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo. Os judeus discutiam entre si, dizendo: Como esse homem pode dar-nos a sua carne a comer? Então Jesus lhes respondeu: Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois minha carne é verdadeiramente comida e o meu sangue é verdadeiramente bebida. Quem come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele. Assim como o Pai, que vive, me enviou e eu vivo pelo Pai, também aquele que de mim se alimenta viverá por mim. Este é o pão que desceu do céu. Não como o que os pais comeram e morreram. Quem come este pão viverá eternamente.” (Jo 6,47-58)
 
Queridas irmãs, queridos irmãos:

O pão, no Oriente Médio, era um dos alimentos mais comuns, a ponto de representar, na Sagrada Escritura, o alimento em geral, vinculando-se, de forma sinonímia, à própria vida.

Podemos encontrar diversas passagens evangélicas trazendo o pão ligado a situações do cotidiano, tais como:

Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar.” (Gn 3,19)

Moisés disse: ‘Isso acontecerá quando o Senhor vos der, esta tarde, carne para comerdes e, amanhã pela manhã, pão em abundância, porque ele ouviu as murmurações que proferistes contra ele. Nós, porém, quem somos? Não é contra nós que murmurastes, mas contra o Senhor.” (Ex 16,8)

Levavam nos pés calçado muito velho e remendado, vestiam-se de roupas muito usadas, e o pão de suas provisões estava seco e estragado.” (Josué 9,5)

Não posso voltar, respondeu ele, nem ir contigo à tua casa. Não comerei pão, nem beberei água contigo nesse lugar” (I Reis 13,16)

Ora, pois, come alegremente teu pão e bebe contente teu vinho, porque Deus já apreciou teus trabalhos.” (Ecl 9,7);

alimentá-lo-á com o pão da vida e da inteligência, e o saciará com a água salutar da sabedoria. Ela se fortalecerá nele e o tornará inabalável, ela o sustentará para que não seja confundido, e o exaltará entre os seus próximos.”(Eclo 15,3-4)

Vigia o andamento de sua casa e não come o pão da ociosidade.” (Provérbios 31,27)

Até o próprio amigo em que eu confiava, que partilhava do meu pão, levantou contra mim o calcanhar.” (Sl 41,10)

Estas, e diversas outras passagens, mostram-nos a vinculação existente, na época, do comer o pão com o cotidiano, com a rotina da vida, simbolizando, em suma, não apenas o alimentar-se, mas o próprio viver.

Entretanto, convido-os, todos, a refletirmos juntos sobre esta maravilhosa passagem, tomando por base dois aspectos: o primeiro refere-se à comparação entre a vida tirada com a comida da árvore da vida (em Gêneses); a comida fornecida por Deus (o maná), para a manutenção da vida do povo de Israel, durante sua travessia pelo deserto, e a vida perene obtida com a comida da carne do próprio Filho do Homem. O segundo aspecto está relacionado à Eucaristia, alimento de um Deus vivo que nos dá a vida eterna.

No início da Sagrada Escritura, é-nos apresentado o episódio referente à “árvore da vida”, símbolo divino, representando a presença eterna do Senhor criador. Apesar da essência divina do homem, fazendo-o “a imagem e semelhança de Deus”, ele deseja e busca obter o pleno poder divino de criação. Dessa forma, a ele fora “proibido”, estender sua mão, colher e comer o fruto da árvore da vida, pois a obtenção desse alimento proibido, indica o grande mal da inveja, do orgulho, da soberba, em suma, a tentativa do homem de ser verdadeiro deus por méritos próprios. O uso desse alimento proibido, por iniciativa humana, gera a ruptura com Deus, deixando entre o Criador e a criatura um fosso de separação repleto de vaidade, orgulho e prepotência. A imagem do pecado original, na verdade, mantém-se presente em cada um de nós, no cotidiano de nossa vida limitada, vaidosa, orgulhosa e egoísta. Queremos ser deuses, por esforço próprio, a cada momento que caminhamos na vida sem a condução do Pai.

Porém, na travessia do deserto pelo povo de Israel, em busca da terra prometida, realidade que nos transporta a nossa travessia pelo deserto de nosso cotidiano, na busca da santidade e da vida eterna, Deus a eles providenciou o alimento diário, o maná. Alimento esse que os mantinha “vivos”, a cada dia, dando-lhes força e esperança para a continuidade da caminhada. Ocorre que, tal alimento, mesmo não sendo apenas para manutenção física daquele povo, não lhes garantia a imortalidade espiritual, pois mantinha-os, somente, “vivos” para o enfrentamento diário de suas atribulações. Era a ajuda para a sobrevivência, não para a imortalidade.

Mantemo-nos “vivos” com nossas boas ações, com nosso fraterno relacionamento com o próximo e com nossas orações diárias. Porém, não nos é garantida a eternidade espiritual apenas com tais “alimentos”, igualmente como o fora, segundo as palavras de Jesus, ao povo de Israel, ao atravessarem o deserto: “comeram o maná e morreram”. As Leis de Israel não foram suficientes para garantir a vida eterna a seus seguidores, da mesma forma que, ao seguirmos apenas orientações comportamentais evangélicas, para a vida diária, não nos será, também, garantida tal plenitude.

O corpo de Cristo e seu sangue, entregues como nosso alimento, é que poderá nos garantir a vida em abundância e eterna.

Ao comermos de Sua carne e bebermos de Seu sangue, estaremos sendo um com Ele, não havendo mais distinção, tampouco separação entre nós e nosso Salvador. Se somos um com Ele, agimos de forma idêntica, vivemos de forma idêntica e nos entregamos de forma idêntica, submetendo, mansamente, nosso “corpo” limitado e pecador à morte, para usufruirmos de nossa alma santa e imortal pela eternidade.

Não apenas a carne de Jesus deve ser comida, mas, também, seu sangue deve ser bebido. O Sangue transformado da água em Cana, purificado e santificado em sua origem e, da mesma forma, o sangue vertido na cruz, pela lança transpassada em Seu peito, derramado para a purificação e salvação da humanidade. O sangue da alegria e do sofrimento, ou seja, estarmos com Ele na felicidade e na dor.

Dessa forma, o cumprimento formal das Leis, por si só, apesar de sua importância, não é capaz de manter o ser humano “vivo”, em plenitude, como não fora suficiente para manter vivos os pais do povo de Israel. Precisamos “alimentarmo-nos” do Jesus vivo, com Seu corpo e Seu sangue, para que, vivos e unidos com Ele, possamos, de fato, ter garantida a vida eterna.

Ocorre que, além do alimento da Palavra, Ele nos deixou Sua presença verdadeira e santificada no sacramento da Eucaristia.

A Eucaristia não significa, apenas, o consumir de uma substância santificada. A ceia eucarística que deve ser vista como ceia sacrificial, é a nossa comunhão com a “vítima oferecida”, é nossa união com o Cristo Eucarístico oferecido. Com a Comunhão (comum união), Cristo Jesus entrega-se, mansa e gratuitamente, àqueles que desejam com Ele unirem-se, formando uma só carne e um só sangue – um só corpo.

Na linguagem bíblica, a palavra “corpo” não representa, somente, uma parte do ser, ela designa todo o ser. Assim sendo, o Evangelho traz-nos o desejo de Jesus em dar toda a sua vida para todos nós, doando-se integral e plenamente a cada um. Podemos perceber que a carne comum de nosso alimento faz-se necessária para nossa vida física comum, mas a “carne” de Cristo, seu corpo como alimento, é essencial para chegarmos à Vida Eterna, para a qual o corpo físico é absolutamente desnecessário.

Devemos destacar a extraordinária intervenção da Onipotência de Deus ao termos a transubstanciação do pão e do vinho no sacramento da Eucaristia.

Os elementos consagrados passam a ter sua substância convertida no corpo de Jesus, sem que haja qualquer alteração visível. A aparência do pão e do vinho é mantida, mas transformam-se, substancialmente, no Corpo de Cristo.

Por isso que a Divina Liturgia, chamada de missa, deve ser considerada como um sacrifício, pois ela torna presente o sacrifício de Cristo, ou seja, Jesus é oferecido com vítima, no ofertório. A morte de Jesus é atualizada na missa, o que não significa apenas ser relembrada. O fato é tornado presente – Jesus Cristo no pão e no vinho, consumido por nós na Eucaristia, para que nos tornemos um com Ele.

Quando Jesus alertou-nos que, ao comermos Sua carne e bebermos Seu vinho, teríamos a vida eterna e seríamos ressuscitados no último dia, Ele estava chamando-nos a atenção para que, através de tal ação, passaríamos a ficar Nele e Ele em nós. Destacou, também, que, assim como Ele passou a viver pelo Pai, ao ser enviado por Ele, aqueles que Dele se alimentar será, da mesma forma, por Ele enviado. Obviamente, se passarmos a ser um com Ele, estaremos fazendo com que Ele viva entre nós e, com isso, estaremos apresentando a todos aqueles com quem tivermos contato a existência de um Deus vivo e presente, bem como o caminho para que todos possam tornar-se um com Ele.

O nosso testemunho de Jesus, vivo, presente e atuante, dá-se pelo exemplo, ao vivermos como se Ele fossemos, pois, de fato, assim o é, caso estejamos, verdadeiramente, unidos com Ele.

Pela presença viva de Cristo na Eucaristia, estejamos certos que, ao recebê-Lo como alimento, estaremos nos fortalecendo frente aos nossos defeitos e limitações, pois a união com Ele permite-nos viver na plenitude da graça e protegidos de todos os perigos.

Dessa forma, não devemos nos esquecer que está em nossas mãos levar adiante o Reino de Cristo, pois, assim como o Pai enviou Cristo Jesus ao mundo, Ele também, nos envia e, para tanto, dá-se como alimento para nossa preparação e fortalecimento.

Estejamos atentos à advertência do Senhor Jesus ao destacar que a vida eterna está condicionada ao nosso íntimo relacionamento com Ele, comendo e bebendo de Seu corpo vivo, Pois Ele é o alimento que nos mantém vivos, de forma perene e divina.

LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO!

Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 18/05/2011
Código do texto: T2978331
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