2º Domingo da Páscoa - Divina Misericórdia.
                           Aparição de Jesus aos Apóstolos.

 Reflexões sobre o Evangelho Segundo São João (15a semana)
 
Na tarde do mesmo dia, que era o primeiro da semana, os discípulos tinham fechado as portas do lugar onde se achavam, por medo dos judeus. Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: A paz esteja convosco! Dito isso, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. Disse-lhes outra vez: A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio a vós. Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos. Tomé, um dos Doze, chamado Dídimo, não estava com eles quando veio Jesus. Os outros discípulos disseram-lhe: Vimos o Senhor. Mas ele replicou-lhes: Se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos, e não puser o meu dedo no lugar dos pregos, e não introduzir a minha mão no seu lado, não acreditarei! Oito dias depois, estavam os seus discípulos outra vez no mesmo lugar e Tomé com eles. Estando trancadas as portas, veio Jesus, pôs-se no meio deles e disse: A paz esteja convosco! Depois disse a Tomé: Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé. Respondeu-lhe Tomé: Meu Senhor e meu Deus! Disse-lhe Jesus: Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter visto! Fez Jesus, na presença dos seus discípulos, ainda muitos outros milagres que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos, para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.” (Jo 20,19-31)

Queridas irmãs, queridos irmãos:

Este domingo, o segundo domingo de Páscoa, o Evangelho de São João traz-nos duas aparições de Cristo Jesus aos apóstolos, após sua ressurreição.

Inicia-se o período entre a ressurreição do Senhor, o maior de todos os seus milagres, vistos como sinais da presença do Deus vivo entre os homens, e o dia de Pentecostes. Pode-se dizer que foi um período de preparação, um período de “adubação” do coração dos primeiros 12 cristãos que levariam à humanidade a boa nova de Jesus. Com o coração “adubado”, receberão a semente do Espírito Santo em Pentecostes, festividade que, sobre ela, refletiremos mais a diante.

Em seu Evangelho, São João descreve sete milagres de Jesus, sete sinais de sua divindade, número este que representa “plenitude”, “algo completo”. A palavra “sete” em hebraico é sheva e está ligada à promessa e juramento. Encontramos, na Sagrada Escritura, o número 7 (sete) como o dia que Deus, ao concluir sua obra, repousou. Temos a própria fala de Cristo, num claro posicionamento simbólico, após a pergunta de Pedro: “quantas vezes devo perdoar a meu irmão? Até 7 vezes?” e o Mestre responde: “setenta vezes sete” (Mt 18,22). Em fim, o sétimo sinal da presença viva de Deus entre nós foi, de fato, a consumação, a plenitude, a ação derradeira e salvífica, a verdadeira razão de Sua vinda ao mundo humano. Pode-se dizer que o maior sinal de Deus entre os homens foi a própria presença de Jesus entre nós.

Porém, após o cumprimento de sua missão salvadora, Ele deveria voltar aos céus e sua presença física, sua natureza humana, não mais permaneceria entre os homens. E ai? Mesmo com o envio do Espírito Santo, do Paráclito consolador, Ele optou por “preparar” os corações daqueles que o seguiram, que viram seus milagres/sinais e, mesmo assim, acovardaram-se diante de sua paixão, afugentaram-se diante do horror de sua agonia e morte. Mesmo tendo presenciado os sinais visíveis que evidenciaram a divindade em Jesus, aqueles homens amedrontaram-se diante da ameaça do sofrimento, diante da força do mal, da força da guerra e do ódio, em detrimento do amor e da paz, em busca da continuidade de uma luta armada, com vistas à conquista do reino terreno.

Porém, Deus é amor, e Cristo Jesus volta aos seus, para que, antes de fisicamente partir, pudesse trazer e explicitar o Seu perdão, pudesse, mais uma vez, demonstrar o que é humildade e amor, acolhendo aqueles que o abandonaram e demonstrando que, ainda hoje, podemos confiar em Seu amor e em Seu perdão.

Apesar do medo, medo de serem perseguidos por terem sido seguidores de Jesus, Cristo chega até eles, trazendo a Sua paz: “A paz esteja convosco!” A paz divina, a paz que não representa a tranqüilidade efêmera deste mundo, mas a paz divina, a paz da verdadeira salvação, da verdadeira vida, e vida em abundância.

Vida abundante e plena repassada pela sopro divino. Traz, Jesus, para a realidade de Seus apóstolos, a profecia de Ezequiel: “vou fazer reentrar em vós o sopro da vida para vos fazer reviver” (Ez 37,5). Vivos e fortalecidos, mesmo que ainda pela presença do Mestre Jesus, mas iniciam sua preparação para a longa caminhada da construção da santa Igreja, que se inicia com eles e permanece presente em nossos dias – a caminhada do povo de Deus rumo à Sua Glória.

Junto aos Apóstolos, Jesus deu o poder de ligar e desligar a Sua relação com cada ser humano, por intermédio do Espírito Santo. Dois aspectos merecem reflexão com isso.

O primeiro, que somente com a força do Santo Espírito teremos a possibilidade de aspirar a santidade. Somente com Sua presença em nós, conduzindo-nos, é que será possível chegarmos a nossa efetiva salvação. O nosso mérito reside em, passivamente, deixarmos que Ele tome conta de nossa vida, aceitando, sem resistência, a graça santificante de Deus. A nossa força contra o mal é infinitamente limitada, mas, guiados e fortalecidos pelo Espírito Santo, estaremos, plenamente, em condições de superar qualquer obstáculo que venha a nos impedir de nos encontrarmos com o Pai celeste. Recebamos o “sopro de vida” e deixemos que ele tome conta de nossa vida e nos conduza a vida eterna.     

O segundo ponto refere-se ao processo de arrependimento e perdão: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos.” Certamente, Jesus não deu o poder divino à condição humana de seus apóstolos e sucessores, de perdoarem, ou não, os pecados daqueles com quem tivessem contato. Ocorre que, sem o poder do Espírito Santo, ninguém é capaz de se salvar ou de salvar a quem quer que seja. A ninguém, por si, é dado o poder de promover o perdão ou de rejeitá-lo. De fato, a obra do perdão e da própria salvação está a cargo do Espírito Santo de Deus, presente entre nós e em nós, cujos intercessores, os apóstolos e seus sucessores, deveriam, como serviço e não como poder, ser disseminadores da Palavra e transmissores, em nome de Jesus, do “sopro da vida”. Se a vaidade e a arrogância presentes estiverem naqueles que tiverem a divina missão de representar Cristo entre os homens, de ante mão, nenhuma valia passa a ter a sua missão, pois não estarão sendo conduzidos pelo Santo Espírito. Nós, sucessores dos primeiros cristãos, ao recebermos a ordenação sacerdotal e com ela a missão do sacramento da reconciliação, somente passamos a ter o “poder” de perdoar ou de reter os pecados se, ao receberam o Espírito Santo, formos, dEle, portadores e se permitirmos, por Ele, ser plenamente conduzidos, jamais, identificando em tal ação qualquer razão de vaidade, arrogância ou de algum tipo de destaque dentre os demais. Tal missão representa, mesmo sendo uma divina missão, a responsabilidade do servir, sendo, por conta disso, cobrada maior atenção, dedicação e entrega. Em suma, não eram os Apóstolos e, muito menos, nós, sacerdotes, os responsáveis pela concessão do perdão, mas sim, o Espírito Santo que nos utiliza como instrumentos.

Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter visto!

Não vejam, queridas irmãs, queridos irmãos, tal afirmativa como uma repreensão de Jesus à incredulidade de Tomé, pelo contrário, essa afirmativa é um alento para todos nós que, em muitos momentos de nossa vida, nos distanciamos de nosso caminho, de nossa meta, de nossa busca de Deus, o que, na língua grega, passou-se a chamar de pecado (amartia), cujo significa literal é errar o alvo. Foi, no entanto, uma forma de chamar a atenção de Tomé e dos demais Apóstolos, bem como de todos nós, que crer na existência e na presença viva de Jesus em nosso meio tornar-nos-á felizes, verdadeira e divinamente felizes. Cristo deixa-se tocar por Tomé, atendendo-o, humildemente, em seu desejo humano, compreendendo sua limitação, abrindo-lhe o coração. Quanto amor! Quanta compreensão!

Percebam que a forma de Jesus identificar-se a Tomé foi pelas chagas, pelos sinais de seu sofrimento, pois por Ele fomos salvos e redimidos, através de Sua morte e ressurreição. Busquemos tais sinais e creiamos na presença viva de Cristo em nosso meio. A crença por Ele proposta não se limita a sua existência, mas ao Seu poder de morte e ressurreição – morte ao pecado e ressurreição para vida eterna.

Finda, São João, este capítulo evangélico apresentando-nos, sinteticamente, a razão da vinda de Cristo: “Mas estes foram escritos, para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome.” Os sinais, os milagres, os sete sinais relatados pelo evangelista João, culminando como grande fecho, a redentora ressurreição, assim o foram realizados com a finalidade, não de serem apresentados efeitos especiais de um Deus vivo, mas sim, para que a nossa crença no Salvador nos traga a verdadeira vida, a vida plena.

Que, convictamente, possamos sempre dizer ao Cristo Jesus, vivo e presente, assim como o “incrédulo” Tomé, tão incrédulo como cada um de nós: “Meu Senhor e meu Deus!

Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 30/04/2011
Código do texto: T2941164
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