Misericórdia, Graça e Salvação
Valorizamos o amor de Deus, pois sem o amor de Deus como fonte não haveria o fluir da salvação. O fluir da salvação resulta do amor de Deus. Ao mesmo tempo, sem a misericórdia de Deus não haveria a possibilidade de salvação. Por ter Deus mostrado misericórdia para conosco, Ele nos deu a Sua salvação. A salvação de Deus é a expressão concreta do amor de Deus. Por isso valorizamos o amor e também valorizamos a misericórdia. Contudo, o que de mais precioso nos alcança é a graça. O amor sem dúvida é bom, mas ele não nos traz nenhum benefício concreto. A misericórdia é também muito boa, mas ela não nos traz qualquer benefício direto; no entanto, com a graça há um benefício direto. Portanto, a graça é mais preciosa. O Novo Testamento está repleto, não com o amor de Deus nem com a misericórdia de Deus, mas com a graça de Deus. Graça é o amor de Deus vindo para cumprir algo para o pecador caído, perdido e que perece. Agora não temos somente um amor abstrato e uma misericórdia sentimental, mas temos a graça que vem ao encontro das nossas necessidades de maneira concreta.
Podemos achar que já é bastante maravilhoso se Deus for misericordioso conosco. Um carnal ou uma pessoa que vive na carne pensará que misericórdia é suficiente. O Antigo Testamento está repleto de palavras de misericórdia. Não existem muitas palavras sobre graça.
Quando o homem está na carne, ele acha que misericórdia basta, que não há necessidade de graça. Ele pensa assim por não considerar o pecado como algo grave. Se o homem estivesse sem comida, sem roupas ou sem casa, misericórdia não seria suficiente; haveria também a necessidade de graça. Mas o problema com o pecado não é falta de comida, de roupas ou de casa. O problema com o pecado é a inquietação na consciência do homem e o julgamento diante de Deus. Por essa razão, o homem acha que se tão-somente Deus fosse misericordioso conosco e um pouco mais brando, tudo estaria bem. Se Deus desconsiderasse nossos pecados já seria bastante bom para nós. Em nosso coração esperamos que Deus seja misericordioso conosco e nos deixe ir. O conceito do homem é deixar ir e desconsiderar. Mas Deus não pode misericordiosamente desconsiderar nossos pecados. Ele não pode deixar-nos ir de qualquer jeito. Ele precisa lidar totalmente com nossos pecados.
Deus não somente tem de mostrar misericórdia para conosco, como também tem de nos conceder graça. O que procede do amor de Deus é a graça. Deus não está satisfeito somente com a misericórdia. Pensamos que se houvesse a misericórdia e que se Deus nos deixasse ir e não ajustasse contas conosco, tudo estaria bem. Mas Deus não disse que desde que tenha pena de nós Ele nos deixaria ir. Essa não é a maneira de Deus trabalhar. Quando age, Ele faz em harmonia Consigo mesmo. Portanto, o amor de Deus não pode parar na misericórdia. Seu amor deve estender-se até a graça. Ele deve lidar completamente com o problema dos nossos pecados. Se o problema dos pecados fosse algo que pudesse ser desconsiderado, a misericórdia de Deus seria suficiente. Mas deixar-nos ir e desconsiderar nossos pecados não é suficiente para Ele. Assim, ter só a misericórdia não é suficiente. Ele deve pôr a questão de pecados completamente em ordem.
Aqui vemos a graça de Deus. É por isso que o Novo Testamento, embora não isento de misericórdia, está cheio de graça. Ali vemos como o Filho de Deus, Jesus Cristo, veio ao mundo para manifestar a graça e tornar-se graça a fim de que pudéssemos receber graça.
Que é graça? Graça nada mais é que a grande obra de Deus realizada gratuitamente em Seu amor incondicional e ilimitado em favor do homem desamparado, indigno e pecador. A graça de Deus é simplesmente Deus trabalhando para o homem. Como isso se diferencia da lei? A lei é Deus exigindo que o homem trabalhe para Ele, enquanto a graça é Deus trabalhando para o homem. Que é a lei? A lei é a exigência de Deus para que o homem faça algo para Ele. Que é obra? Obra é o esforço do homem para fazer algo para Deus. Que é graça? Graça nem é Deus exigindo algo nem é Deus recebendo a obra do homem, mas graça é Deus fazendo a Sua própria obra. Quando Deus vem para fazer algo pelo homem e a favor do homem, isso é graça.
A ênfase no Novo Testamento não está no princípio da lei. Na verdade, o Novo Testamento opõe-se ao princípio da lei, pois a lei e a graça jamais podem misturar-se. É Deus quem está trabalhando ou é o homem? Deus está dando algo para o homem ou está pedindo algo do homem? Se Deus estiver pedindo algo do homem, nós ainda estamos na era da lei. Contudo, se Deus estiver dando algo para o homem, estamos na era da graça. Você não iria à casa de alguém dar-lhe dinheiro se houvesse ido lá para pedir dinheiro. Semelhantemente, lei e graça são princípios opostos; elas não podem ser colocadas juntas. Se é para o homem receber graça, ele deve colocar a lei de lado. Por outro lado, se ele seguir a lei, cairá da graça.
Se é para o homem seguir a lei, ele deve ter suas obras aceitas por Deus. Se há o princípio da lei e das obras e se o homem deve dar algo a Deus, ele deve dar-Lhe aquilo que Ele exige. A Bíblia indica que as obras do homem deveriam ser uma resposta à lei de Deus. A lei de Deus requer que se faça algo. Ao fazê-lo, estou respondendo à lei de Deus. Isso é o que a Bíblia chama de obras. Mas quando a graça vem, o princípio da lei e das obras é posto de lado. Aqui vemos que é Deus trabalhando pelo homem em vez de o homem trabalhar para Deus.
Graça, que é Deus trabalhando pelo homem desamparado, infeliz e aflito, tem três características ou naturezas. Quem quiser entender a graça de Deus deve lembrar-se dessas três características ou naturezas. Se nos esquecermos delas, como pecadores não seremos salvos, e como cristãos fracassaremos e cairemos. Se virmos as características e a natureza da graça de Deus, receberemos mais graça de Deus para socorro em ocasião oportuna. Vamos considerar brevemente essas três características na Bíblia.
Quais são as obras do homem? Genericamente falando, existem três coisas consideradas como obras do homem: 1) seus delitos, 2) suas realizações e 3) suas responsabilidades. As obras más do homem são seus delitos; as boas são suas realizações e as obras que ele está disposto a assumir suas responsabilidades. Aqui temos três coisas: das coisas que o homem faz, as que não são bem feitas tornam-se seus delitos; as que são bem feitas tornam-se suas realizações, e as que ele promete fazer para Deus são suas responsabilidades. Na questão do tempo, delitos e realizações são coisas do passado, enquanto responsabilidades são coisas do futuro; são coisas pelas quais um homem é responsável. Se a graça de Deus é Deus trabalhando pelo homem pecaminoso, fraco, ímpio e desamparado, imediatamente vemos que a graça de Deus e o delito do homem não podem ser unidos. Tampouco pode a graça de Deus ser unida às realizações e responsabilidades do homem. Quando a questão do delito entra em cena, a graça não existe.
Quando a questão da realização entra em cena, a graça também não existe. De semelhante modo, onde houver a responsabilidade, a graça não existirá. Se a graça de Deus é de fato graça, os delitos, as realizações e as responsabilidades não podem ser misturados a ela. Sempre que os delitos, as realizações e as responsabilidades são adicionados, a graça de Deus perde suas características.