Jesus e a Samaritana
Reflexões sobre o Evangelho Segundo São João (12a semana)
“O Senhor soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele recrutava e batizava mais discípulos que João(se bem que não era Jesus quem batizava, mas os seus discípulos). Deixou a Judéia e voltou para a Galiléia. Ora, devia passar por Samaria. Chegou, pois, a uma localidade da Samaria, chamada Sicar, junto das terras que Jacó dera a seu filho José. Ali havia o poço de Jacó. E Jesus, fatigado da viagem, sentou-se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria tirar água. Pediu-lhe Jesus: Dá-me de beber (Pois os discípulos tinham ido à cidade comprar mantimentos.) Aquela samaritana lhe disse: Sendo tu judeu, como pedes de beber a mim, que sou samaritana!...(Pois os judeus não se comunicavam com os samaritanos) Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva. A mulher lhe replicou: Senhor, não tens com que tirá-la, e o poço é fundo... donde tens, pois, essa água viva? És, porventura, maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu e também os seus filhos e os seus rebanhos? Respondeu-lhe Jesus: Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede, mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna.” (Jo 4,1-14)
Mais uma vez, deparamo-nos com uma passagem evangélica que evidencia a cisão e a animosidade entre os judeus e os samaritanos. Vamos utilizar um pouco do espaço desta reflexão para explicar, resumidamente, o processo que gerou tal relação conflituosa.
Por volta do ano 1000 a.C, após a chegada dos hebreus à terra santa, os israelitas organizaram-se em doze tribos distintas. Não se sabe se a divisão nesse número ocorreu, de fato, ou se, biblicamente, foi utilizado para corresponder aos doze filhos de Jacó (chamado por Deus de Israel) que, por sua vez, era filho de Isaac e neto de Abraão. Não foi sem razão que Jesus escolheu doze apóstolos, com o objetivo de dar expansão ao povo de Israel (filhos de Jacó), espalhando-se pelo mundo, sem que houvesse, no entanto, distinção de nação ou raça. Todos somos os escolhidos! Mas isso será tema para outra reflexão.
Naquela época, as doze tribos foram unificadas por Saul, considerado o primeiro rei de Israel, não sem relutância, principalmente por parte do povo do norte. Davi sucedeu Saul, expandindo e, verdadeiramente, unificando o reino de Israel. Com a sua morte, seu filho, Salomão, assumiu o reinado, cuja sabedoria foi acompanhada da luxúria estabelecida à entourage real, com sua associação a diversos reinos pagãos e a aceitação amistosa de suas práticas, inclusive religiosas. O povo estava financeiramente exaurido, para que os excessos da corte fossem mantidos, sendo, os habitantes do norte, os mais espoliado pelos elevados tributos.
Com a morte de Salomão, em torno de 930 a.C, Roboão, seu filho, assumiu o trono, enfrentando, porém, forte movimento popular para o retorno à divisão do reino e o fim daquela forma de governo. Jeroboão, líder carismático originário do norte, ao retornar do exílio, é aclamado rei do “povo do norte”. Apesar da tentativa de intercessão de Jeroboão junto ao rei, liderando a maioria do povo de Israel, visando a melhoria das condições do povo, as dificuldades se mantiveram e os impostos acabaram se elevando. Houve revolta e cisão, levando dez tribos do norte a formarem o reino de Israel, conhecido como reino de Samaria, tendo em vista sua capital ser Samaria, a partir do século IX a.C., separando-se do reino de Judá, ao sul.
Apesar de pertencerem a mesma comunidade, os dois reinos – Israel e Judá – entraram em disputa política, territorial e religiosa, até porque, quem detinha, à época, o poder religioso, igualmente possuía o poder político. Apesar de, oficialmente, não ter havido qualquer cisma em relação à prática religiosa, as tribos de Israel estavam mais abertas aos rituais pagãos em seus templos, gerando um sentimento hostil dos que habitavam o reino de Judá, que tinham como o Templo de Jerusalém como único centro religiosos e puramente voltado às oferendas a Javé.
Após a conquista pelos assírios, em 722 a.C, o reino de Israel transformou-se numa província assíria, situação que agravou as diferenças entre o norte e o sul, do antigo reino unido de Israel. Com a deportação de boa parte do povo de Israel e a ocupação de seu território por povos estrangeiros, houve a criação de nova religião, fundindo elementos hebraicos e pagãos e enraizando-se entre os samaritanos.
A relação entre os Judeus (referentes ao reino de Judá) e os samaritanos piorou, sobremaneira, com o retorno daqueles à Judéia, após o exílio, cuja decisão de reconstruir o templo de Jerusalém fora acompanhada de um saneamento étnico, com a expulsão das mulheres samaritanas e de sua prole, apesar da ajuda oferecida pelos samaritanos, a qual foi, veementemente, rejeitada (esse episódio pode ser encontrado no livro de Esdras, capítulo 4). Após tal “cisma”, diversos acontecimentos foram agravando o conflito entre esses povos.
Voltando ao nosso texto evangélico, Jesus saíra da Judéia em direção à Galiléia, tendo optado por passar pela Samaria, fazendo o trajeto em linha reta, ao invés de contorná-la, pelo lado oeste, atravessavam o rio Jordão e subindo pelo deserto, aumentando vários quilômetros à caminhada. Essa era a prática comum entre os judeus, para evitar a entrada em terras dos desafetos pagãos samaritanos, os quais, na sua opinião, não eram dignos da salvação e, conseqüentemente, de sua atenção e respeito.
Entrando em Sicar, Jesus dirigiu-se à fonte de Jacó e, cansado, senta-se junto à fonte.
Jesus cansado!!
Que beleza de demonstração de sua natureza humana que se associa à natureza divina! Que divino respeito ao cansaço humano! Fica claro para nós que, o cansaço decorrente do esforço físico é merecedor de respeito e descanso. Não o desprezemos, não o desmereçamos!
Outra demonstração da natureza humana de Jesus foi a demonstrada sede, a qual, além de destacar o esforço realizado, trouxe-nos o respeito divino e geradora de humilde solicitação.
Quem de nós não necessita de algo que poderá ser ofertado por um irmão? Quem de nós pode dispensar a ajuda do outro, mesmo de um desconhecido ou de um, aparente, mais necessitado? Jesus quebrou a soberba, o orgulho e mostrou-nos como somos e como devemos nos relacionar com nossos irmãos. Trouxe-nos, na prática, o que encontramos nos provérbios: “Ninguém é tão pobre, que não possa dar, nem tão rico, que não possa receber” e “Ninguém é tão poderoso que não precise da ajuda de um pequeno”.
Perceba que o diálogo foi iniciado por Jesus, assim como sempre ocorre conosco com a iniciativa da salvação. Tenhamos a certeza de que é Deus que nos quer salvar e é dEe o desejo de matar, em definitivo, nossa “sede”. Quando nos movimentamos em direção a Ele, aceitando seu chamado, estamos, de fato, deixando que o Espírito Santo conduza nossa vida e é a isso que se chama de fé – a resposta que damos a revelação de Deus.
Só que Ele foi além. Não apenas nos deu o exemplo da humildade e iniciou o diálogo, como dirigiu seu pedido a uma samaritana. A própria mulher surpreendeu-se com o pedido e questionou Jesus: como Ele, sendo um judeu, dirigiu-se a uma samaritana para pedir água? Humilhou-se, Jesus, segundo o olhar da humana samaritana, ao pedir água a uma pecadora.
Já vimos, acima, a animosidade existente entre os judeus e os samaritanos e, mais uma vez, o Cristo Jesus rompe as barreira humanas, mesmo dando-nos exemplo de sua natureza humana. Não importava ser ela uma samaritana, pois fora vista por Jesus como um ser humano, à sua imagem e semelhança. Tal atitude não fora tomada pelo divino Jesus, mas sim, pelo homem Jesus, que apresentava cansaço e sede, igual a qualquer um de nós.
Jesus mostrou-nos, mais uma vez, ao romper barreiras humanamente postas, que todos somos iguais, necessitados e disponíveis, fracos e fortes, servos e servidos, homens e divinos. Não poderiam haver diferenças entre homens e mulheres, entre judeus e samaritanos. Será que é dessa forma que vemos nossos irmãos a cada dia, sem preconceitos, com humildade, sem distinção de raça, de credo, de cor, de sexo?
São João, em sua narrativa, avançou e trouxe-nos o segundo questionamento da espantada samaritana: “Como ele sem ter nada para tirar água de um poço fundo, poderia dar água.? Seria ele maior que Jacó, aquele que deu o poço, e antes o usou com seus filhos?”
Precisamos, a princípio, entender o significado das tradições daquela época. A samaritana, ao questionar Jesus se Ele era maior que o pai Jacó, trouxe, ao diálogo, o pai dos samaritanos – Jacó (Israel). Ele representava a tradição. Na verdade, aquele poço não era, somente, uma fonte de água para se beber, mas representava um encontro com as origens religiosas do povo de Israel, era a fonte de seus princípios. Jacó significava para os samaritanos a Lei e a Ordem, a verdadeira consciência do certo e do errado. Certamente, não foi sem razão que o encontro em tela ocorreu junto ao poço de Jacó, pois seu significado como fonte de valores aos samaritanos era maior do que sua função como fonte de água potável. Até então, aquela samaritana tinha apenas aquela “água” para beber, para “matar sua sede”, para manter vivo seus valores.
Jesus, então, fez menção a água que, ao ser bebida, sacia, em definitivo, a sede humana. Como todos aqueles que se deparam com tal “água”, como todos os que encontram a possibilidade de receber a fonte de água viva, a samaritana desejou recebê-la. Com certeza, ela se perguntou: “Será que esta é uma nova fonte, e melhor, pela qual, posso viver?” A água do poço de Jacó passou a não mais satisfazê-la, tornou-se secundária, perdeu sua valia diante da fonte de água viva e plena.
Porém, apenas conhecê-la e desejá-la não é o suficiente.
Jesus, desde o início, demonstrou humildade, renúncia e fraternidade, lidando com todos com o mesmo amor e o mesmo carinho, eliminando qualquer possibilidade de discriminação e rejeição. Essa é a atitude de quem tem a fonte de água viva e, conseqüentemente, de quem a deseja receber.
Podemos perceber, também, outro ponto para reflexão, ao ver Jesus pedindo água à samaritana. Além da sede decorrente de Sua natureza humana, Deus sempre nos pede algo para oferecermo-nos alguma coisa maior, pois Ele jamais precisa de qualquer um de nós. Lembremo-nos do que está escrito em Provérbios: “Meu filho, dá-me o teu coração, e que teus olhos gostem dos meus caminhos” (Pr 23,26). Deus não tem a menor necessidade de nosso “coração”, fraco, limitado e pecador; Ele o solicita, somente, para nos dar a água viva, a fonte de vida eterna.
Cada um de nós, cansados e sedentos, tem, igual a samaritana, seu poço de água, de valores, de princípios, junto ao qual Cristo Jesus encontra-se sentado, esperando. Da mesma forma que estava sozinho em Sicar, até a chegada da samaritana, Ele está a nos aguardar, em nosso interior. Em nosso íntimo, em silêncio e atento, Ele espera pela nossa verdadeira escolha – continuamos a beber a água do poço que mantém nossa sede, ou optamos por dEle, para receber a água viva que nos transportará à vida eterna. Quantas vezes, ao encontrá-Lo junto ao poço, optamos somente pela água potável que nos sacia a sede, temporariamente, e abrimos mão da fonte de água viva?
Enquanto nossa vida, em especial nossa prática religiosa, não se transformar, levando-nos ao encontro íntimo com Deus, livrando-nos dos preconceitos, do orgulho, da soberba religiosa, nossa sede manter-se-á presente, juntamente com as nossas limitações e nossa pequenez. De nada vale nosso conhecimento e nossa compreensão sobre as leis divinas, se não as vivemos, colocando-as em prática a cada dia.
Como disse uma frade português, o cristianismo é uma religião do encontro e não de construção de muralhas entre as pessoas. Encontremos, de verdade, com amor, nosso irmão e, certamente, nele, encontraremos o Cristo vivo e a fonte de água viva que nos levará para a vida eterna.
Nada trouxemos para este mundo, ao nascermos, e dele nada levaremos. De nada valerá o pós-doutorado do professor em seu momento final de vida, ao comparar com a experiência prática de um pescador analfabeto. Nenhuma importância terá os bilhões de dólares acumulados, ao longo da vida, para aquele que parte deste mundo. Todos levaremos, apenas, o que construímos espiritualmente, independente da cor, da instrução, da origem, do credo ou da nacionalidade. Todos somos iguais na possibilidade e na graça divina recebida, porém o que nos difere é a forma que aceitamos essa graça e a transformamos em construção espiritual.
Bebamos da fonte de água viva, daquela que, independente de quem somos ou temos, nos levará para a vida eterna, junto do Pai.
Fiquem com Deus!
Reflexões sobre o Evangelho Segundo São João (12a semana)
“O Senhor soube que os fariseus tinham ouvido dizer que ele recrutava e batizava mais discípulos que João(se bem que não era Jesus quem batizava, mas os seus discípulos). Deixou a Judéia e voltou para a Galiléia. Ora, devia passar por Samaria. Chegou, pois, a uma localidade da Samaria, chamada Sicar, junto das terras que Jacó dera a seu filho José. Ali havia o poço de Jacó. E Jesus, fatigado da viagem, sentou-se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher da Samaria tirar água. Pediu-lhe Jesus: Dá-me de beber (Pois os discípulos tinham ido à cidade comprar mantimentos.) Aquela samaritana lhe disse: Sendo tu judeu, como pedes de beber a mim, que sou samaritana!...(Pois os judeus não se comunicavam com os samaritanos) Respondeu-lhe Jesus: Se conhecesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, certamente lhe pedirias tu mesma e ele te daria uma água viva. A mulher lhe replicou: Senhor, não tens com que tirá-la, e o poço é fundo... donde tens, pois, essa água viva? És, porventura, maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu e também os seus filhos e os seus rebanhos? Respondeu-lhe Jesus: Todo aquele que beber desta água tornará a ter sede, mas o que beber da água que eu lhe der jamais terá sede. Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna.” (Jo 4,1-14)
Mais uma vez, deparamo-nos com uma passagem evangélica que evidencia a cisão e a animosidade entre os judeus e os samaritanos. Vamos utilizar um pouco do espaço desta reflexão para explicar, resumidamente, o processo que gerou tal relação conflituosa.
Por volta do ano 1000 a.C, após a chegada dos hebreus à terra santa, os israelitas organizaram-se em doze tribos distintas. Não se sabe se a divisão nesse número ocorreu, de fato, ou se, biblicamente, foi utilizado para corresponder aos doze filhos de Jacó (chamado por Deus de Israel) que, por sua vez, era filho de Isaac e neto de Abraão. Não foi sem razão que Jesus escolheu doze apóstolos, com o objetivo de dar expansão ao povo de Israel (filhos de Jacó), espalhando-se pelo mundo, sem que houvesse, no entanto, distinção de nação ou raça. Todos somos os escolhidos! Mas isso será tema para outra reflexão.
Naquela época, as doze tribos foram unificadas por Saul, considerado o primeiro rei de Israel, não sem relutância, principalmente por parte do povo do norte. Davi sucedeu Saul, expandindo e, verdadeiramente, unificando o reino de Israel. Com a sua morte, seu filho, Salomão, assumiu o reinado, cuja sabedoria foi acompanhada da luxúria estabelecida à entourage real, com sua associação a diversos reinos pagãos e a aceitação amistosa de suas práticas, inclusive religiosas. O povo estava financeiramente exaurido, para que os excessos da corte fossem mantidos, sendo, os habitantes do norte, os mais espoliado pelos elevados tributos.
Com a morte de Salomão, em torno de 930 a.C, Roboão, seu filho, assumiu o trono, enfrentando, porém, forte movimento popular para o retorno à divisão do reino e o fim daquela forma de governo. Jeroboão, líder carismático originário do norte, ao retornar do exílio, é aclamado rei do “povo do norte”. Apesar da tentativa de intercessão de Jeroboão junto ao rei, liderando a maioria do povo de Israel, visando a melhoria das condições do povo, as dificuldades se mantiveram e os impostos acabaram se elevando. Houve revolta e cisão, levando dez tribos do norte a formarem o reino de Israel, conhecido como reino de Samaria, tendo em vista sua capital ser Samaria, a partir do século IX a.C., separando-se do reino de Judá, ao sul.
Apesar de pertencerem a mesma comunidade, os dois reinos – Israel e Judá – entraram em disputa política, territorial e religiosa, até porque, quem detinha, à época, o poder religioso, igualmente possuía o poder político. Apesar de, oficialmente, não ter havido qualquer cisma em relação à prática religiosa, as tribos de Israel estavam mais abertas aos rituais pagãos em seus templos, gerando um sentimento hostil dos que habitavam o reino de Judá, que tinham como o Templo de Jerusalém como único centro religiosos e puramente voltado às oferendas a Javé.
Após a conquista pelos assírios, em 722 a.C, o reino de Israel transformou-se numa província assíria, situação que agravou as diferenças entre o norte e o sul, do antigo reino unido de Israel. Com a deportação de boa parte do povo de Israel e a ocupação de seu território por povos estrangeiros, houve a criação de nova religião, fundindo elementos hebraicos e pagãos e enraizando-se entre os samaritanos.
A relação entre os Judeus (referentes ao reino de Judá) e os samaritanos piorou, sobremaneira, com o retorno daqueles à Judéia, após o exílio, cuja decisão de reconstruir o templo de Jerusalém fora acompanhada de um saneamento étnico, com a expulsão das mulheres samaritanas e de sua prole, apesar da ajuda oferecida pelos samaritanos, a qual foi, veementemente, rejeitada (esse episódio pode ser encontrado no livro de Esdras, capítulo 4). Após tal “cisma”, diversos acontecimentos foram agravando o conflito entre esses povos.
Voltando ao nosso texto evangélico, Jesus saíra da Judéia em direção à Galiléia, tendo optado por passar pela Samaria, fazendo o trajeto em linha reta, ao invés de contorná-la, pelo lado oeste, atravessavam o rio Jordão e subindo pelo deserto, aumentando vários quilômetros à caminhada. Essa era a prática comum entre os judeus, para evitar a entrada em terras dos desafetos pagãos samaritanos, os quais, na sua opinião, não eram dignos da salvação e, conseqüentemente, de sua atenção e respeito.
Entrando em Sicar, Jesus dirigiu-se à fonte de Jacó e, cansado, senta-se junto à fonte.
Jesus cansado!!
Que beleza de demonstração de sua natureza humana que se associa à natureza divina! Que divino respeito ao cansaço humano! Fica claro para nós que, o cansaço decorrente do esforço físico é merecedor de respeito e descanso. Não o desprezemos, não o desmereçamos!
Outra demonstração da natureza humana de Jesus foi a demonstrada sede, a qual, além de destacar o esforço realizado, trouxe-nos o respeito divino e geradora de humilde solicitação.
Quem de nós não necessita de algo que poderá ser ofertado por um irmão? Quem de nós pode dispensar a ajuda do outro, mesmo de um desconhecido ou de um, aparente, mais necessitado? Jesus quebrou a soberba, o orgulho e mostrou-nos como somos e como devemos nos relacionar com nossos irmãos. Trouxe-nos, na prática, o que encontramos nos provérbios: “Ninguém é tão pobre, que não possa dar, nem tão rico, que não possa receber” e “Ninguém é tão poderoso que não precise da ajuda de um pequeno”.
Perceba que o diálogo foi iniciado por Jesus, assim como sempre ocorre conosco com a iniciativa da salvação. Tenhamos a certeza de que é Deus que nos quer salvar e é dEe o desejo de matar, em definitivo, nossa “sede”. Quando nos movimentamos em direção a Ele, aceitando seu chamado, estamos, de fato, deixando que o Espírito Santo conduza nossa vida e é a isso que se chama de fé – a resposta que damos a revelação de Deus.
Só que Ele foi além. Não apenas nos deu o exemplo da humildade e iniciou o diálogo, como dirigiu seu pedido a uma samaritana. A própria mulher surpreendeu-se com o pedido e questionou Jesus: como Ele, sendo um judeu, dirigiu-se a uma samaritana para pedir água? Humilhou-se, Jesus, segundo o olhar da humana samaritana, ao pedir água a uma pecadora.
Já vimos, acima, a animosidade existente entre os judeus e os samaritanos e, mais uma vez, o Cristo Jesus rompe as barreira humanas, mesmo dando-nos exemplo de sua natureza humana. Não importava ser ela uma samaritana, pois fora vista por Jesus como um ser humano, à sua imagem e semelhança. Tal atitude não fora tomada pelo divino Jesus, mas sim, pelo homem Jesus, que apresentava cansaço e sede, igual a qualquer um de nós.
Jesus mostrou-nos, mais uma vez, ao romper barreiras humanamente postas, que todos somos iguais, necessitados e disponíveis, fracos e fortes, servos e servidos, homens e divinos. Não poderiam haver diferenças entre homens e mulheres, entre judeus e samaritanos. Será que é dessa forma que vemos nossos irmãos a cada dia, sem preconceitos, com humildade, sem distinção de raça, de credo, de cor, de sexo?
São João, em sua narrativa, avançou e trouxe-nos o segundo questionamento da espantada samaritana: “Como ele sem ter nada para tirar água de um poço fundo, poderia dar água.? Seria ele maior que Jacó, aquele que deu o poço, e antes o usou com seus filhos?”
Precisamos, a princípio, entender o significado das tradições daquela época. A samaritana, ao questionar Jesus se Ele era maior que o pai Jacó, trouxe, ao diálogo, o pai dos samaritanos – Jacó (Israel). Ele representava a tradição. Na verdade, aquele poço não era, somente, uma fonte de água para se beber, mas representava um encontro com as origens religiosas do povo de Israel, era a fonte de seus princípios. Jacó significava para os samaritanos a Lei e a Ordem, a verdadeira consciência do certo e do errado. Certamente, não foi sem razão que o encontro em tela ocorreu junto ao poço de Jacó, pois seu significado como fonte de valores aos samaritanos era maior do que sua função como fonte de água potável. Até então, aquela samaritana tinha apenas aquela “água” para beber, para “matar sua sede”, para manter vivo seus valores.
Jesus, então, fez menção a água que, ao ser bebida, sacia, em definitivo, a sede humana. Como todos aqueles que se deparam com tal “água”, como todos os que encontram a possibilidade de receber a fonte de água viva, a samaritana desejou recebê-la. Com certeza, ela se perguntou: “Será que esta é uma nova fonte, e melhor, pela qual, posso viver?” A água do poço de Jacó passou a não mais satisfazê-la, tornou-se secundária, perdeu sua valia diante da fonte de água viva e plena.
Porém, apenas conhecê-la e desejá-la não é o suficiente.
Jesus, desde o início, demonstrou humildade, renúncia e fraternidade, lidando com todos com o mesmo amor e o mesmo carinho, eliminando qualquer possibilidade de discriminação e rejeição. Essa é a atitude de quem tem a fonte de água viva e, conseqüentemente, de quem a deseja receber.
Podemos perceber, também, outro ponto para reflexão, ao ver Jesus pedindo água à samaritana. Além da sede decorrente de Sua natureza humana, Deus sempre nos pede algo para oferecermo-nos alguma coisa maior, pois Ele jamais precisa de qualquer um de nós. Lembremo-nos do que está escrito em Provérbios: “Meu filho, dá-me o teu coração, e que teus olhos gostem dos meus caminhos” (Pr 23,26). Deus não tem a menor necessidade de nosso “coração”, fraco, limitado e pecador; Ele o solicita, somente, para nos dar a água viva, a fonte de vida eterna.
Cada um de nós, cansados e sedentos, tem, igual a samaritana, seu poço de água, de valores, de princípios, junto ao qual Cristo Jesus encontra-se sentado, esperando. Da mesma forma que estava sozinho em Sicar, até a chegada da samaritana, Ele está a nos aguardar, em nosso interior. Em nosso íntimo, em silêncio e atento, Ele espera pela nossa verdadeira escolha – continuamos a beber a água do poço que mantém nossa sede, ou optamos por dEle, para receber a água viva que nos transportará à vida eterna. Quantas vezes, ao encontrá-Lo junto ao poço, optamos somente pela água potável que nos sacia a sede, temporariamente, e abrimos mão da fonte de água viva?
Enquanto nossa vida, em especial nossa prática religiosa, não se transformar, levando-nos ao encontro íntimo com Deus, livrando-nos dos preconceitos, do orgulho, da soberba religiosa, nossa sede manter-se-á presente, juntamente com as nossas limitações e nossa pequenez. De nada vale nosso conhecimento e nossa compreensão sobre as leis divinas, se não as vivemos, colocando-as em prática a cada dia.
Como disse uma frade português, o cristianismo é uma religião do encontro e não de construção de muralhas entre as pessoas. Encontremos, de verdade, com amor, nosso irmão e, certamente, nele, encontraremos o Cristo vivo e a fonte de água viva que nos levará para a vida eterna.
Nada trouxemos para este mundo, ao nascermos, e dele nada levaremos. De nada valerá o pós-doutorado do professor em seu momento final de vida, ao comparar com a experiência prática de um pescador analfabeto. Nenhuma importância terá os bilhões de dólares acumulados, ao longo da vida, para aquele que parte deste mundo. Todos levaremos, apenas, o que construímos espiritualmente, independente da cor, da instrução, da origem, do credo ou da nacionalidade. Todos somos iguais na possibilidade e na graça divina recebida, porém o que nos difere é a forma que aceitamos essa graça e a transformamos em construção espiritual.
Bebamos da fonte de água viva, daquela que, independente de quem somos ou temos, nos levará para a vida eterna, junto do Pai.
Fiquem com Deus!