A cura da filha da Cananita (Cananéia)
Evangelho de 27 de março de 2011 – 4o domingo da Quaresma.
Calendário Litúrgico da Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia.

 
Então se aproximaram dele seus discípulos e disseram-lhe: Sabes que os fariseus se escandalizaram com as palavras que ouviram? Jesus respondeu: Toda planta que meu Pai celeste não plantou será arrancada pela raiz. Deixai-os. São cegos e guias de cegos. Ora, se um cego conduz a outro, tombarão ambos na mesma vala. Tomando então a palavra, Pedro disse: Explica-nos esta parábola. Jesus respondeu: Sois também vós de tão pouca compreensão? Não compreendeis que tudo o que entra pela boca vai ao ventre e depois é lançado num lugar secreto? Ao contrário, aquilo que sai da boca provém do coração, e é isso o que mancha o homem. Porque é do coração que provêm os maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as impurezas, os furtos, os falsos testemunhos, as calúnias. Eis o que mancha o homem. Comer, porém, sem ter lavado as mãos, isso não mancha o homem. Jesus partiu dali e retirou-se para os arredores de Tiro e Sidônia. E eis que uma cananéia, originária daquela terra, gritava: Senhor, filho de Davi, tem piedade de mim! Minha filha está cruelmente atormentada por um demônio. Jesus não lhe respondeu palavra alguma. Seus discípulos vieram a ele e lhe disseram com insistência: Despede-a, ela nos persegue com seus gritos. Jesus respondeu-lhes: Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel. Mas aquela mulher veio prostrar-se diante dele, dizendo: Senhor, ajuda-me! Jesus respondeu-lhe: Não convém jogar aos cachorrinhos o pão dos filhos. Certamente, Senhor, replicou-lhe ela; mas os cachorrinhos ao menos comem as migalhas que caem da mesa de seus donos... Disse-lhe, então, Jesus: Ó mulher, grande é tua fé! Seja-te feito como desejas. E na mesma hora sua filha ficou curada. Jesus saiu daquela região e voltou para perto do mar da Galiléia. Subiu a uma colina e sentou-se ali. Então numerosa multidão aproximou-se dele, trazendo consigo mudos, cegos, coxos, aleijados e muitos outros enfermos. Puseram-nos aos seus pés e ele os curou, de sorte que o povo estava admirado ante o espetáculo dos mudos que falavam, daqueles aleijados curados, de coxos que andavam, dos cegos que viam; e glorificavam ao Deus de Israel.” (Mt 15,12-31) (Mc 7,24-30)
 
Essa belíssima passagem evangélica traz-nos um rico ensinamento apresentado por Jesus, aos seus discípulos e a todos nós, através dos tempos.

O evangelista Mateus inicia o trecho em tela trazendo uma observação feita pelos discípulos de Jesus, ao destacarem o escândalo causado pelo Filho do Homem, aos fariseus, com seus comentários a cerca da pureza e da impureza do homem. Segundo Jesus, elas devem ser observadas não pelo exterior das pessoas, pela sua nacionalidade, pela sua origem, pela forma que se vestem, ou como se alimentam, mas sim, pelo que “sai de sua boca”, ou seja, pelo que existe em seu interior. Jesus posiciona-se de forma contraria às aparências, as quais eram utilizadas por todos, e ainda são por nós, nas regras, nos rituais, na formalidade do modo de viver, na aparência, até mesmo na forma burocrática da religiosidade. De que vale a beleza física, a aparência bela e rica, as preces bem feitas, rituais perfeitos e de acordo com as tradições, se o que há dentro de cada um nada mais é do que matéria pútrido? Não nos parecemos, as vezes, com os sepulcros caiados citados pelo Cristo Jesus?

Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Sois semelhantes aos sepulcros caiados: por fora parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos, de cadáveres e de toda espécie de podridão.” (Mt 23,27)

Os próprios discípulos, por não estarem ainda preparados para o conjunto de ensinamentos divinos trazidos por Jesus, possivelmente, estavam tão escandalizados quanto os fariseus com o posicionamento veemente do Mestre.

De qualquer sorte, seguiram viagem. Seguiram para a região de Tiro e Sidon, para noroeste de onde estavam, em território fenício, em território pagão.

Se formos ao trecho de São Marcos, onde, também, está narrado este episódio, encontraremos a observação de que Jesus teria entrado numa casa, pois não queria que ninguém o soubesse. Certamente, essa observação, traz-nos a intenção de Cristo com sua viagem – ela não seria para a pregação da Boa-Nova. Ela, na verdade, como veremos, tem o intuito de apresentar aos seus discípulos, e à humanidade, um importante exemplo prático do ensinamento que teria se iniciado antes de sua partida para a referida região, ou seja, o objetivo da viagem não era de pregação, mas sim, de exemplificação viva de seus ensinamentos.

Lembra-nos o Professor Carlos Torres Pastorino que, ao se examinar alguns aspectos geográficos, evidencia-se, primeiro, que Tiro significa “força” e Sidon, “caçada”; em segundo, são cidades que estão distantes uma da outra, ou seja, geograficamente falando, não se deveria dizer “território de Tito e de Sidon”, sem que fossem incluídas outras cidades, tais com Sarepta. Tal estranheza, no que concerne a não correspondência geográfica, não poderia ser justificada como um simbolismo e uma razão para a referida viagem, como uma “forte caçada”, uma “busca intensa”, para que pudesse, Jesus, encontrar um exemplo vivo de demonstração de intensa de fé, independentemente da origem, da nacionalidade, das aparências? Apenas uma mulher teve seu pedido atendido, apenas ela foi alvo de um milagre realizado por Jesus Cristo, justamente uma não judia, uma cananéia, a qual, o evangelista Marcos destaca sendo uma siro-fenícia.

Jesus, ao ser interpelado pela cananéia, chamando-o de “Filho de Davi” e pedindo Sua piedade frente ao problema que sua filha enfrentava, age de forma, absolutamente, indiferente, correspondendo à prática judaica.
Apesar da mulher ter utilizado tal chamamento, muito possivelmente, com o intuito de apontar Jesus como o Messias, o Filho de Deus, e não apenas como um dos profetas, Cristo manteve-se aparentemente apático, atitude que não afasta a cananéia, tampouco faz com que ela diminuísse a intensidade dos chamados e da veemência de sua humilde prece: “Senhor, tende piedade de mim!

A força do chamado é tamanha que provoca a mobilização dos discípulos em sua intercessão. Aparentemente, não por uma bondade despertada em cada um deles, mas pelo desejo de livrarem-se dela. Tal atitude gera, em Jesus, apenas, a afirmativa que Ele teria sido enviado apenas às ovelhas perdidas da casa de Israel.

Jesus estaria fazendo algum tipo de discriminação? Claro que não. Ele está, somente, agindo como se espera de qualquer um, como as pessoas normalmente faziam e ainda o fazem, agindo pelas aparências. Ele estava mostrando, na prática, como a humanidade age ao discriminar as pessoas tomando por base, somente, aquilo que se pode ver. Continua, Jesus, a portar-se da forma pela qual os fariseus e, talvez, até mesmo seus discípulos, não se escandalizariam, fazendo menção, sem falar, ao ocorrido antes da viagem em questão. É como se Ele estivesse colocando em prática uma atitude que exemplificasse a humanidade Sua fala antes de partirem para viagem.

De fato, queridos irmão, Jesus age como fazemos em nosso cotidiano, de forma discriminatória, apegados às aparências e as formas.

Humildemente e crendo na possibilidade de um desfecho positivo, a cananéia mantém-se firme e resoluta, em prol da saúde de sua filha que, segundo ela, estava “horrivelmente endemoniada”.

Com aparente desdém, Jesus responde aos apelos maternos: “Não convém jogar aos cachorrinhos o pão dos filhos”. Mesmo que no diminutivo, minimizando a forma aparentemente agressiva, mesmo que utilizando o termo “cão”, o qual era usado, comumente, pelos judeus ao se referirem aos pagãos, a postura de Jesus mantém-se similar à da humanidade, discriminadora e superficial. Na verdade, Ele diz que não pode perder tempo com uma pagã, pois sua responsabilidade é com os filhos de Israel.

Ele representa-nos, quando dizemos que devemos nos preocupar apenas com os fiéis, com aqueles que crêem em Deus, deixando de lado os que não pertencem ao nosso grupo religioso, abandonando, criticando ou discriminando aqueles que não são seguidores da nossa crença. É incrível como tal postura é freqüente! Cuidemos dos nossos primeiro, caso sobre alguma coisa, passemos para os “outros”!

Mas a cananéia, fiel na sua fé e firme na sua crença, vai além, ela prostra-se diante do Mestre, ela consegue perceber a divindade em Cristo, respondendo que, mesmo não fazendo parte do povo escolhido, mesmo não sendo uma de “suas filhas eleitas”, ela poderia comer de migalhas que caíssem ao solo, satisfazendo-se com o que sobrasse dos escolhidos.

Na verdade, o “encontro” ocorrera! O exemplo da conquista pela fé foi retumbantemente apresentado por Nosso Senhor Jesus cristo. “Ó mulher, grande é tua fé! Seja-te feito como desejas”, assim lhe diz o Mestre, ao curar sua filha “possuída”. Certamente, o Senhor conseguiu demonstrar aos seus discípulos e a todos nós que, independentemente da origem, do credo, das aparências, aquele que tem fé e humildade é merecedor do olhar especial de Deus. Uma pagã estrangeira, pela fé no poder de Deus, foi digna de ter sido atendida por Cristo Jesus, a única da “região visitada”.

A cananéia, plena de graça, assim como cada um de nós, pois ela é dada indiscriminadamente a todos e independente de merecimento, deixa-se ser conduzida pelo Espírito de Deus, mesmo não pertencendo ao “povo escolhido”, chegando, pela humildade e fé, a alcançar um milagre do Senhor.      

Quem somos nós, mulheres e homens pecadores, limitados por natureza, para agirmos de forma discriminatória, apartando pessoas e grupos, simplesmente pela aparência ou pelo credo professado?

Cristo Jesus dá-nos, aos seus discípulos e a toda humanidade, uma profunda lição sobre a humildade e a fé, em especial a fé com determinação e perseverança, a fé que não desiste, mesmo diante das dificuldades, das adversidades e dos impedimentos. A fé que independe do credo professado, da aparência apresentada, de tudo aquilo que podemos ver naquele que a possui, pois ela depende, somente, daquilo que “sai da boca” e que “provém do coração”.

Igualmente, foram atendidos Bartimeu, filho de Timeu, judeu cego (Mc 10,46-52), o centurião romano em Cafarnaum (Mt 8,5-12), e a cananéia, que sequer é portadora de identificação no Evangelho. Os três, independentemente do credo professado e da origem étnica, pedem a Jesus, com confiança e humildade, por Sua compaixão, mesmo sendo pecadores e indignos. O Filho de Deus vivo entre nós destaca nos três episódios: cada um deles foi atendido pela própria fé!

Se Jesus Cristo assim agiu, por que nós também não o fazemos?

Não nos esqueçamos das palavras de Jesus e não nos atemos a formalismos, aparências e, até mesmo, a religiosidades, amemos a todos e tenhamos fé no Salvador:

Por isso, eu vos declaro que multidões virão do Oriente e do Ocidente e se assentarão no Reino dos céus com Abraão, Isaac e Jacó, enquanto os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes.” (Mt 8,11-12)
 
Fiquem com Deus!

Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 23/03/2011
Código do texto: T2866690
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