Reflexões sobre o Evangelho Segundo São João (6a semana)
                                        - O Batismo de Jesus -

 
“No dia seguinte, João viu Jesus que vinha a ele e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. É este de quem eu disse: Depois de mim virá um homem, que me é superior, porque existe antes de mim. Eu não o conhecia, mas, se vim batizar em água, é para que ele se torne conhecido em Israel. (João havia declarado: Vi o Espírito descer do céu em forma de uma pomba e repousar sobre ele.) Eu não o conhecia, mas aquele que me mandou batizar em água disse-me: Sobre quem vires descer e repousar o Espírito, este é quem batiza no Espírito Santo. Eu o vi e dou testemunho de que ele é o Filho de Deus.” (Jo 1,29-34)
 
 
Gostaria de refletir um pouco com vocês sobre o Batismo de Jesus que podemos encontrar nesta passagem de São João, mas que, também, é narrado por Mateus (Mt 3,13-17), Marcos (Mc 1,4-8) e Lucas (Lc 3,21-22).

Na verdade, o Batismo de Jesus, por João Batista, proporcionou uma radical mudança na vida de João, de Jesus, uma mudança no próprio Batismo, enfim, uma mudança no rumo de toda humanidade. Foi um marco, não simbolizando, apenas, uma formalização de um ritual de passagem.

Vejamos, passo a passo, o que havia antes, o que houve no momento do Batismo e o que passou a haver depois dele.

João Batista, segundo o Evangelho de São Lucas, foi filho de um sacerdote por nome Zacarias, e de Isabel, descendente de Aarão, prima de Maria, mãe de Jesus. Ambos já estavam em idade avançada e Isabel, além disso, era considerada estéril. Zacarias, ao exercer a função de sacerdote, diante do altar do senhor, fora visitado por um anjo que lhe dirigiu as seguintes palavras:

Não temas, Zacarias, porque foi ouvida a tua oração: Isabel, tua mulher, dar-te-á um filho, e chamá-lo-ás João. Ele será para ti motivo de gozo e alegria, e muitos se alegrarão com o seu nascimento; porque será grande diante do Senhor e não beberá vinho nem cerveja, e desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo; ele converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor, seu Deus, e irá adiante de Deus com o espírito e poder de Elias para reconduzir os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, para preparar ao Senhor um povo bem disposto.” (Lc 1,5-17)

João, seguindo a tradição judaica, principalmente por ser filho de um sacerdote, deu seqüência em seus estudos, de acordo a uma educação sistemática judaica e, na adolescência, levado pelos pais, ele teria feito os votos de nazarita, em Jerusalém, que, dentre outros compromissos, teria assumido o de abster-se de bebidas intoxicantes, de não cortar os cabelos e de, jamais, tocar nos mortos.

Após a morte de Isabel, sua mãe, o que ocorrera 10 anos após a morte Zacarias, João ofereceu todos os bens de família à irmandade nazarita e iniciou a sua peregrinação, com vistas à preparação dos judeus para uma nova vida espiritual, anunciando a proximidade do Messias que estabeleceria o reino dos céus.

João, pelo exposto, fora “incumbido” de ser precursor de Jesus Cristo, não somente profetizando a vinda do Salvador e conclamando a todos para conversão, mas também, introduzindo o batismo nos rituais de conversão judaicos. Exortava a todos para que se arrependessem de seus pecados e, através do batismo, mergulhando nas águas do rio Jordão, eles seriam lavados e purificados, podendo, assim, iniciar uma vida nova.

João Batista além de ter sido citado por todos os quatro evangelistas, suas ações já haviam sido profetizadas por Isaías (Is 40:3) e por Malaquias (Mq 3,1-2), ambos apontando aquele que prepararia o “caminho do Senhor”.

Sempre chamando a atenção para suas ações, como a de um simples precursor do Messias, dizia, João, que ele não era o Cristo (Jo 1,20) e que tinha vindo, somente, para preparar o caminho do rei (Jo 1,23). Ele preparava o caminho advertindo as pessoas para a necessidade de uma mudança de vida, em especial os fariseus e saduceus, insistindo que eles deveriam se arrepender dos seus pecados e converterem-se a uma vida diferente, uma vida voltada para o reino espiritual que estava por vir.

João mostrava a necessidade da mudança que deveria ocorrer na vida dos homens, abandonando o mal e destacando a honestidade, a não-violência e o desapego às coisas do mundo, contentando-se com o que recebessem. Assim sendo, fica claro que João trilhava a preparação dos judeus para um caminho de santidade e para o reino vindouro. Evitar a ira de Deus diante das más condutas, não mais era o suficiente para João, era fundamental que se identificasse o Rei que estava por vir. Por isso que, ao encontrar Jesus, imediatamente disse: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (João 1:29). João identificara Jesus como o cordeiro pascal, a ser “levado ao matadouro” pelo pecado da humanidade (Is 53).

Segundo os evangelistas Marcos e Lucas, no caminho da preparação da vinda de Jesus, João alertava, ao ser questionado se ele seria o salvador, que ele apenas batizava na água, mas viria outro mais poderoso do que ele, que passaria a batizar no Espírito Santo e no fogo, e a quem João não se sentia digno, sequer, de lhe desatar a correia das sandálias (Lc 3,16; Mc 1,4-8).

Até o encontro ocorrido entre João Batista e Jesus de Nazaré, João realizava batismos, como ele mesmo dizia, na água. O que isso quer dizer?

O batismo realizado por João simbolizava um compromisso de mudança assumido pelo batizado, que deixava, sob às águas, seus pecados e dela emergia para uma nova vida, uma vida voltada à preparação para o reino dos céus. O batismo de João, antes de fazê-lo com Jesus, tinha um significado representativo, era, na verdade, um ritual de passagem, da velha e pecadora vida, para a nova vida em busca da santidade. Nenhum sinal, nenhuma marca espiritual era cunhada naquele que participava de tal ritual. O ato era cheio de simbolismo, sim, mas restringia-se à representação da aceitação, do batizado, à sua conversão.

Com o Batismo de Jesus, mudou João, pois deixou de ser um profeta e pregador “daquele que haveria de vir” e passa a ser o emissário do Cristo, para a transmissão de sua palavra de salvação. Deixou de ser aquele que preparava o caminho do rei que haveria de chegar e passa a ser seu representante, para a conversão dos judeus.

Jesus foi batizado, tornou-se Cristo, muda, então, o próprio Jesus.
Seu Batismo não foi um rito de passagem. Jesus mergulhou nas águas do rio Jordão como o “Nazareno” e, delas, emergiu como o “Cristo”. Não é a toa que se concretizou, segundo os Evangelhos, a presença, nesse momento, da Santíssima Trindade – O Pai, com a voz exclamando que Jesus era seu Filho amado; O Espírito Santo, corporificado na pomba, como um sinal visível de sua presença e O Filho, no novo Jesus que nascera das águas, para ser o verdadeiro Cristo, o salvador, o redentor, a testemunha encarnada mais eloqüente da fidelidade de Deus. O Batismo passou a ser o sinal sensível da união de Cristo com o Pai e o Espírito Santo.

Jesus Cristo, após o Batismo, passou a ser o Cordeiro de Deus, não aquele cordeiro imolado na celebração da Páscoa judaica, ligado à libertação física do povo de Israel do cativeiro, mas sim, o Cordeiro que se doou para a libertação espiritual do pecado. Antes, mesmo, de sua morte redentora, Jesus Cristo passou sua vida missionária voltada a mostrar-nos o caminho certo, rumo à santidade. Buscando o original grego da palavra pecado (amartia), encontramos o significado literal de “perder a meta”. Nada mais elucidativo! E mais: é inquestionável a nossa salvação pela entrega voluntária de Jesus Cristo na cruz, porém, se não seguirmos a meta correta, o caminho certo, indo ao Seu encontro, vã terá sido o Seu sacrifício!

Com o Batismo de Jesus, mudou João e mudou Jesus, mas, mudou, também, o próprio batismo.

Vimos que antes, o batismo era um rito de passagem, uma forma visível de alguém aceitar a proposta de um novo caminho. Porém, após o batismo de Jesus, passa a existir, de fato, um novo Sacramento, ou seja, “um sinal que efetua o que assinala”. No Batismo, não apenas na água, mas no Espírito Santo, a água utilizada assinala purificação e, de fato, a realiza. Ele passa a marcar, a selar, de forma indelével, o sinal espiritual na alma do cristão, deixando de ser um mero rito de passagem, tornando-se, verdadeiramente, na entrada no plano da graça. É o selo de nossa união com o Cristo.

Pode-se dizer, então, que o Batismo, como Sacramento, foi instituído por Cristo Jesus, quando Ele próprio foi batizado no rio Jordão.

O batizado ao imergir na água, morre sacramentalmente para o pecado e, ao submergir, renasce, recebendo um princípio de vida nova (filho de Deus). Princípio, porque, como já vimos, faz-se necessário o que se chama de “viver o batismo”, o que representa a reafirmação permanente, durante toda a vida terrestre do cristão, por intermédio de uma conduta pautada pela lei de Deus, isenta de pecado. Viver o Batismo é vivenciar, aqui, o reino dos céus. O céu como um estado de espírito, não como um lugar fisicamente estabelecido. Pode-se dizer que o céu tem seu início no Batismo, sendo o início da vida cristã.

Por favor, não imaginem viver o batismo como um conjunto de regras de procedimentos, posturas e pensamentos. “O que devo eu fazer ou não fazer?” Não! O “viver o batismo” é muito mais do que isso. É viver a vida de Cristo, é, como já vimos em reflexões anteriores, deixar que o próprio Cristo Jesus viva em nós, por nosso intermédio. É mantermos vivo e presente Jesus Cristo, aqui e agora, através de nós. É postura, Não é, necessariamente, ação, mas sim, postura. Não é “o que fazer”, mas sim, “como fazer”. Não são regras, mas sim, viver o amor.

O próprio Jesus, ao enviar seus discípulos, a eles disse: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16,15-16). Determinação que evidencia que o Batismo marca o cristão, mas se ele não viver o Batismo, ou seja, se ele não crer, mesmo batizado, será condenado.

Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi. Eis que estou convosco todos os dias, até o fim do mundo.” (Mt 28,19-20).

Fiquem com Deus!
Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 18/02/2011
Código do texto: T2799855
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