EVANGELHO SEGUNDO SÃO JOÃO (5a semana)
 
“[O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1,9-12)
 
Cristo Jesus, ao “habitar entre nós”, na verdade, mais do que partilhar conosco de sua Luz, Ele veio para erigir sua morada em nós, ou seja, além de tê-Lo presente em nosso meio, orientando-nos como seguir caminho correto, sua opção foi a de nos transformar em seu próprio tabernáculo. Ele não apenas quis fazer-se homem e habitar entre os homens, o seu verdadeiro desejo foi, e ainda o é, de nos fazer sua morada, fazer-se presente e vivo por nosso intermédio.

A palavra Meshiha, em aramaico, corresponde a Mashiah, em hebraico e podem ser traduzidas por ungido. A palavra correspondente em grego é Christós e passou a ser utilizada como título apelativo do “Filho de Davi”, esperado para a salvação do povo de Israel. Os discípulos de Jesus, por terem reconhecido o mestre como o “Christós”, passaram a chamá-lo assim, ao invés de Messias, cujo significado era semelhante. A preferência de Jesus para o chamamento de Christós, e não de Messias, baseava-se na não vinculação de Jesus com o reino messiânico, relacionado à libertação do povo escolhido do jugo de seus dominadores que, à época de Jesus, eram os romanos. Dessa forma, Jesus passou a ser chamado de Jesus Cristo – Jesus, o ungido; Jesus, o salvador.

Depois desse pequeno comentário, voltemos à nossa reflexão.

“Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.

Por que isso teria aconteceu? Será que ainda acontece? Será que nós o reconhecemos e o recebemos, transformando-nos em Sua morada?

Para que deixemos alguém entrar em nossa casa, precisamos, de início, vê-lo, depois reconhecê-lo como amigo, ou, pelo menos, como conhecido, para que, em seguida, o recebamos.

Para vermos Jesus, como Cristo, é necessário mais do que a nossa visão humana, até porque, quem se fez carne não foi qualquer ser humano, com natureza meramente humana. Quem se fez carne foi o Verbo, com a natureza, além de humana, divina. Encarnou-se o próprio Deus que habitou entre os homens e deseja continuar a habitar entre nós. Vê-lo com os nossos olhos humanos, apenas, estaremos vendo o homem Jesus que, por mais admirável que seja, é somente um homem, mortal e finito.

Para, realmente, vermos Jesus como Cristo, como o Logos (Verbo) que se fez carne, precisamos fazê-lo com os olhos da fé. E o que é o olhar da fé? É o olhar resultante de nosso verdadeiro acreditar na revelação de Deus. Ou seja, precisamos primeiro crer nele, para que depois consigamos “vê-lo” com Cristo.

Pelo visto, o que João quis nos dizer é que o “ver” e o “reconhecer”, para que se possa recebê-lo, nada tem a ver com o simples olhar para uma pessoa, ou o mero evidenciar pelo sentido da visão humana a presença física de alguém.

Dessa forma, para “vermos” e “reconhecermos” o Verbo que se fez carne, é preciso de algo que O “ilumine”, verdadeiramente, sendo que a única luz capaz de nos ajudar para que tenhamos o “olhar da fé” é a luz de Deus, luz esta que, como já vimos nas reflexões anteriores, está sempre à disposição, basta que nos abramos a ela, para que nos deixemos por ela ser preenchidos. Assim, estaremos em condições, não somente de “ver” e “reconhecer” o Verbo que se fez carne, mas também, de “recebê-lo” vivo em nossa vida.

Recebermos Jesus vivo em nossa vida significa deixar que Ele faça morada em nós, ou seja, deixar que, através de seu Santo Espírito, Ele viva por nosso intermédio. A verdadeira conversão não é apenas crer na existência de Cristo e em sua Palavra, mas sim, viver a Sua vida, ou melhor dizendo, é deixar que Ele permaneça vivo, por intermédio de nosso pensamento, de nossa fala e de nossas ações. Lembremo-nos das palavras de Paulo aos Gálatas: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).

Deus dá-nos a Sua graça, ou seja, Ele nos dá um dom que nos habilita a participar da vida divina, permitindo-nos, através da Nova Aliança, aliança estabelecida entre Ele e a humanidade, por intermédio da vinda de Jesus Cristo, “vê-Lo” e “reconhecê-Lo”. Entretanto, a nossa razão, as nossas limitações humanos, a nossa dificuldade de acolher a luz divina, associadas aos estímulos externos, estímulos do mundo, constroem uma carapaça ao nosso redor, é como se vivêssemos dentro de um escafandro, impedindo que nossa essência divina tome vida e, ao mesmo tempo, que a luz de Deus nos ilumine.

Os desejos mundanos e o nosso apego a eles podem tornar vã a ação salvífica de Deus, com a vinda do Cristo ao mundo humano, não apenas há 2.000 anos atrás, mas ainda hoje e sempre. Ao nos escondermos da luz verdadeira, passamos a conduzir, apenas, a nossa própria luz, a luz do mundo, aquela que trás à claridade apenas os falsos prazeres, enaltecendo-os, destacando seus encantos e convencendo-nos da possível felicidade que, com eles, poderemos ter. O colorido enganoso das coisas do mundo hipnotiza-nos. É como se ouvíssemos o canto da sereia, que pela mitologia, encantava de tal forma os marinheiros que mergulhavam no mar ao seu encontro, na procura insana do prazer e na busca inebriante da felicidade momentânea, eles acabavam se afogando.

Essa não é uma realidade do outro, daquele que está ao meu lado e que é mais pecador e mais fraco do que eu. “Ele reza menos, confia pouco, sequer vai às liturgias. É por isso que ele está tão vulnerável!” Esta é a fala ou, pelo menos, o pensamento de muitos de nós, na tentativa inútil de convencermos aos outros e a nós mesmos que enfrentando o mal com a nossa própria força já é o suficiente.

Muitos de vocês conhecem aquela história das duas famílias que moravam uma em frente à outra, permitam-me, porém, trazê-la, novamente, à tona.

Diariamente, ao voltar do trabalho, o esposo encontrava a sua esposa, indignada, olhando pela janela da cozinha, e chamando a atenção para as roupas sujas penduradas em uma corda no quintal da casa vizinha. Não compreendia por que aquelas roupas estavam, sempre, mal lavadas e, mesmo assim, estendidas no varal. Destacava, de forma crítica e irritadiça, como a sua vizinha era suja e descuidada. Cansado das reclamações, o marido, após algum tempo, apresentou a sua esposa uma óbvia solução, a de que, antes de fazer qualquer tipo de comentário sobre a vizinha, ela limpasse os vidros da janela da cozinha. Dessa forma, certamente, ela perceberia que as roupas penduradas no varal da vizinha estavam limpas, sujos estavam eram os vidros de sua casa.

São Paulo, em sua epístola ao Romanos, traz-nos a seguinte mensagem: “Não faço o bem que quereria, mas o mal que não quero. Ora, se faço o que não quero, já não sou eu que faço, mas sim o pecado que em mim habita” (Rm 7,19-20). Se Paulo, com toda sua santidade, o mesmo Paulo que disse que era Cristo quem nele vivia e não mais ele, reconheceu toda a dificuldade no enfrentamento contra à atração das coisas do mundo, e nós?

Queridos irmãos, a violência, a corrupção, a mentira, a inveja, a soberba, a vaidade, enfim, o pecado que nos envolve, diuturnamente, remete-nos às trevas. Essas trevas não representam um lugar físico, super-aquecido, mal iluminado, com cheiro de enxofre e com outras características que ouvimos e lemos de nossos antepassados, mas sim, a escuridão pela falta da luz santificadora de Deus, a falta de paz, a falta da verdadeira libertação, a falta da plena felicidade. Um marido que espanca sua mulher ou que a trai, a mãe que espanca o filho, o profissional que mente para um cliente, o político desonesto, o motorista embriagado que acaba tirando a vida de alguém, nenhum desses vai querem evidenciar-se sob a luz divina, ele esconderá a sua ação vergonhosa na escuridão, e quem habita a escuridão tem medo da luz, a evita, pois sua claridade o enceguece.

A luz é reveladora, ela descortina tanto o mal, envergonhando seu autor, como o bem, destacando aquele que o comete. Cristo é a Luz e se o aceitarmos em nossa vida, passaremos a sê-lo também.

Aceitar a luz de Deus é possibilitar que a minha vida esteja iluminada, evidenciando os meus defeitos e meus problemas, para que eles possam ser resolvidos. A não evidenciação do meu problema impede-me de solucioná-lo. Se queremos nos levantar, o primeiro passo deve ser o da percepção de nossa queda.

Martin Luther King (…1964), o grande pastor americano negro, disse: “O que mais me preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem caráter, nem dos sem ética; o que mais me preocupa é o silêncio dos bons.” Não seria esse “silêncio dos bons” um verdadeiro pecado de omissão? Não seria o medo de se comprometer com a verdade de Cristo diante da verdade do mundo? Não seria uma forma de permitirmos, com a nossa escuridão, que o mal avance sobre todos?

A luz de Jesus está a nossa disposição, poderá estar em nós, a cada momento de nossa vida. Não é uma luz do passado, muito menos para o futuro. Ela é viva e presente, diferentemente da luz de uma estrela morta que habitavam o universo, cuja luz chega até nós, bilhões de anos depois de não mais existir.

Para finalizar, gostaria de trazer algumas palavras da Beata Teresa de Calcutá (… 1997) para nossa reflexão:

O cristão é um tabernáculo do Deus vivo. Ele criou-nos, escolheu-nos e veio morar em nós porque de nós teve necessidade. E, agora que já aprendemos quanto Deus nos ama, o que haverá de mais natural do que passar o resto da nossa vida a resplandecer com esse amor? Ser verdadeiramente cristão é acolher Cristo de verdade e assim vir a ser outro Cristo; é amar como somos amados, como Cristo nos amou na Cruz.

Deixe a luz de Cristo brilhar em sua vida!

Fiquem com Deus.

Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 10/02/2011
Código do texto: T2783651
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