Reflexões sobre o Evangelho Segundo São João (4a semana)

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. (...) [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu.” (Jo 1,1-5,9-10)

Refletimos, até o momento, sobre a eternidade do Verbo (Logus) que, antes do início dos tempos, estava com Deus, na verdade, Ele era o próprio Deus, pois tudo foi feito por Ele. Igualmente, percebemos que, por Seu amor infinito, deu vida humana ao Verbo (Logus) que habitou entre nós, para trazermo-nos a possibilidade de tornarmo-nos, verdadeiramente, filhos de Deus*.

Nesta semana, vamos nos centrar na “luz” que São João nos traz em seu Evangelho: “A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. (...) [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu”.

Antes da encarnação do Verbo, ainda durante o enfrentamento do povo de Israel com os seus conquistadores, na época do reinado dividido, Isaias, profeta nascido em Jerusalém, por volta de 760 a.C., e atuando no Reino do Sul (Judá), já profetizava: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; sobre aqueles que habitavam uma região tenebrosa resplandeceu uma luz” (Is 9,1).

Ele não apenas profetizava a chegada da “luz”, mas também, apontava a missão daqueles que tivessem contato com a “grande luz” e com ela se unissem: “Não basta que sejas meu servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os fugitivos de Israel; vou fazer de ti a luz das nações, para propagar minha salvação até os confins do mundo” (Is 49,6).

Após a encarnação do Verbo, Jesus, poucos dias depois de Seu nascimento, Ele fora levado pelos pais, ao Templo de Jerusalém, para ser consagrado ao Senhor, de acordo com a Lei de Moisés (“Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor” – Ex 13,2). Ao ser visto por Simeão, a quem o Espírito Santo havia prometido que não morreria sem antes ver o Salvador, o homem tomou Jesus pelos braços e disse: “Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação que preparastes diante de todos os povos, como luz para iluminar as nações, e para a glória de vosso povo de Israel” (Lc 2,29-32).

Ainda o Evangelista João, traz-nos a declaração do próprio Jesus: “Eu sou a luz do mundo”, feita no templo de Jerusalém, por ocasião da festa que os judeus chamavam de Festa dos Tabernáculos, a qual se destinava a recordar a caminhada de seu povo pelo deserto, conduzido por Moisés e iluminado por uma coluna de fogo (chama). A luz, daquela época, havia sido apresentada pelo Senhor Javé, apontando o caminho para terra prometida.

Com o Verbo fazendo-se carne e habitando entre nós, a luz do Senhor Javé, indicando o verdadeiro caminho ao povo de Israel, passa a ser o próprio Cristo, enviado pelo Pai, para conduzir, não apenas um povo escolhido, mas toda a humanidade à vida eterna.
Atentemo-nos para a manifestação de Jesus ao dizer: “Eu sou a luz” mencionada pelo Evangelista João. Ele não disse “Eu tenho a luz”, ou “Eu estou com a luz”, ou ainda “Eu trouxe a luz”. Jesus destacava a sua própria existência como Luz, e como Luz Eterna, tendo, inclusive, participado da criação do mundo.

Cabe o destaque, ainda, ao conceito comum na época entre as religiões de mistério de escopo gnóstico que apontavam a salvação quando houvesse o encontro e a fusão entre a luz do homem com a luz divina. Sem dúvida, ao se apresentar como Luz, Jesus conhecia tal conceito e a compreensão que as pessoas teriam, crendo ou não, em suas palavras.

A idéia que interliga LUZ e SALVAÇÃO baseia-se na necessidade do homem, para ser salvo, de se expor à luz divina, ativando, assim, suas energias internas e gerando seu aperfeiçoamento. Nesse processo contínuo e progressivo, quanto mais o homem se expuser a tal luz, mais próximo da perfeição ele estará.

Porém, a luz divina está presente e difusa, devendo ela ser buscada e com ela interagida, para que, na fusão de ambas, passe a existir apenas uma luz.

Dessa forma, ao afirmar que era a “luz do mundo”, Jesus colocou-se, não apenas como fonte de iluminação, mas como fonte de salvação, de purificação, de aperfeiçoamento e de santificação.

Possivelmente, pela importância dessa afirmação, João, em seu Evangelho, tenha mencionado tantas vezes o aspecto de Jesus Cristo como Luz.

Além do Evangelho de João, podemos encontrar tal questão apontada nos Evangelhos de Mateus e Lucas, bem como nos Atos do Apóstolos e nas cartas de Paulo, Pedro e João. É um aspecto bastante destacado e repetido na Sagrada escritura, pela sua importância e relevância.

Percebe-se que a luz mencionada por Jesus, além de santificadora pela fusão com o fiel, aponta, também, para a função de iluminar os caminhos, na forma de orientação, o que se pode encontrar, dentre outras, nas seguintes passagens do Evangelho de João:

Falou-lhes outra vez Jesus: Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida.” (Jo 8,12)

“Respondeu-lhes Jesus: Ainda por pouco tempo a luz estará em vosso meio. Andai enquanto tendes a luz, para que as trevas não vos surpreendam; e quem caminha nas trevas não sabe para onde vai.
” (Jo 12,35)

Eu vim como luz ao mundo; assim, todo aquele que crer em mim não ficará nas trevas. (Jo 12,46)

João, ao nos presentear com o Apocalipse, chega ao ponto de afirmar que a luz divina é de tal ponto intensa que dispensa as fontes naturais de luminosidade e diz: “A cidade não necessita de sol nem de lua para iluminar, porque a glória de Deus a ilumina, e a sua luz é o Cordeiro.” (Ap 21,23-24)

Além de atuar indicando o caminho, a luz é apontada, também, como forma de ensinamento, tal nos apresenta Lucas, no Atos dos Apóstolos, dizendo: “a saber: que Cristo havia de padecer e seria o primeiro que, pela ressurreição dos mortos, havia de anunciar a luz ao povo judeu e aos pagãos” (At 26,23). Como o mesmo sentido, Paulo, em sua 2a epistola aos Coríntios diz: “para os incrédulos, cujas inteligências o deus deste mundo obcecou a tal ponto que não percebem a luz do Evangelho, onde resplandece a glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Cor 4,4).

A luz não somente nos ilumina e nos ensina, mas também nos acorda, chamando-nos a atenção para um outro caminho a ser tomado. As vezes chega a nos cegar, tal a sua intensidade, para que, perdendo o contato visual com o presente equivocado, possamos refletir sobre uma possível mudança de atitude. Essa forma de ação nos foi revelada em algumas passagens na Sagrada Escritura, tendo como um dos pontos de destaque a abordagem de Saulo, indo para Damasco:

Ora, estando eu a caminho, e aproximando-me de Damasco, pelo meio-dia, de repente me cercou uma forte luz do céu. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Eu repliquei: Quem és tu, Senhor? A voz me disse: Eu sou Jesus de Nazaré, a quem tu persegues. Os meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz de quem falava. Então eu disse: Senhor, que devo fazer? E o Senhor me respondeu: Levanta-te, vai a Damasco e lá te será dito tudo o que deves fazer. Como eu não pudesse ver por causa da intensidade daquela luz, guiado pela mão dos meus companheiros, cheguei a Damasco.” (At 22,6-11)

Ocorre que, para aqueles que praticam o bem e seguem os ensinamentos de Jesus Cristo, a luz traz a clareza de seus atos, não para sua evidenciação por mera vaidade, mas sim, para levar tais exemplos ao mundo, posicionamento que nos fica claro na seguinte narrativa de João: “Porquanto todo aquele que faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas aquele que pratica a verdade, vem para a luz. Torna-se assim claro que as suas obras são feitas em Deus” (Jo 3,20-21).

E é nesse ponto que nos colocamos como responsáveis, não apenas de buscarmos a Luz e com ela aprendermos, fundirmo-nos e termos nossos caminhos por ela iluminados, mas também, de sermos a continuidade da “Luz do mundo”, missão que nos é dada ao crermos e vivermos em Cristo. Para tanto, Lucas traz-nos o seguinte chamamento de Jesus: “Ninguém acende uma lâmpada e a cobre com um vaso ou a põe debaixo da cama; mas a põe sobre um castiçal, para iluminar os que entram” (Lc 8,16).

Quando Jesus apresentou-nos as Bem-aventuranças, mostrando-nos o verdadeiro caminho ao Pai, finaliza dizendo:  

Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre uma montanha nem se acende uma luz para colocá-la debaixo do alqueire, mas sim para colocá-la sobre o candeeiro, a fim de que brilhe a todos os que estão em casa. Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus” (MT 5,14-16).

É por isso que devemos ter a clareza de que os verdadeiros seguidores de Jesus, aqueles que, de fato, vivem a Sua vida, não vivem de si mesmo, tampouco para si mesmo, pois eles têm a “Luz da vida” e, como tal, devem ser, também, a Luz para o mundo.

Para terminarmos, gostaria de trazer uma citação de um Padre da Igreja feita por São Josemaría Escrivá de Balaguer (1902-1975), presbítero:

Cristo escolheu-nos para que fôssemos como lâmpadas; para que nos convertêssemos em mestres dos demais; para que atuássemos como fermento; para que vivêssemos como anjos entre os homens, como adultos entre crianças, como espirituais entre gente somente racional; para que fôssemos semente; para que produzíssemos fruto. Não seria necessário abrir a boca, se a nossa vida resplandecesse desta maneira. Sobrariam as palavras, se mostrássemos as obras. Não haveria um só pagão, se nós fôssemos verdadeiramente cristãos.

Entretanto, permanece um questionamento. João traz-nos a seguinte afirmativa: “A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam. (...) [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu”. Por que a Luz não foi reconhecida por aqueles que por ela foram feitos, tampouco compreendida pelos que por ela foram iluminados? Este é o nosso assunto para a reflexão da próxima semana. Até lá.
 
 
 


* Por princípio, o amor, por si só, é difusível, ou seja, todo o amor tende a expandir-se. Este já era um Adágio da filosofia grega. Assim sendo, o Criador, por ser amor em essência, criou-nos por causa de Si e desejou, mesmo com a decadência da humanidade, que participássemos do Seu bem e da Sua felicidade. Dessa forma, Deus Pai, o Criador, visa a uma doação de Si e, com isso, uma comunicação entre Ele a humanidade, obviamente, não Se enriquecendo com isso, mas enriquecendo aqueles que com Ele se comunicam. 
 


Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 03/02/2011
Código do texto: T2769401
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