A INFLUÊNCIA DOS MORTOS SOBRE OS VIVOS

Quando os pais morrem, já disseram aos filhos tudo que precisava ser dito e os filhos se dispuseram a ouvir. Desde os filhos bem pequenos, os pais têm liberdade para falar-lhes e ensinar o que julgam útil e bom. São muitos os anos de convívio íntimo enquanto os filhos crescem. E depois de crescidos, estes ainda têm a oportunidade de usufruir da presença dos pais por muitos outros anos, sendo que esses seus pais terão muito ainda que ensinar-lhes, bem como aos filhos dos filhos.

A educação começa ainda no ventre, desde a concepção. O estado de espírito do pai e da mãe, a maneira como se tratam mutuamente, o que falam, enfim, tudo que fazem é percebido pelo novo ser e comporá sua educação até que os pais deixem a vida. Ou seja, até que eles mesmos deixem de viver.

Durante a vida conhecemos muitas pessoas além dos pais. Avós, tios, primos, sogros, cunhados, vizinhos, amigos, professoras, patrões, colegas, amigos, conhecidos e tudo mais. Muito veremos e ouviremos dessas pessoas e muito elas nos ensinarão de propósito ou sem a menor intenção. Quando cada uma delas deixar a existência, delas jamais esqueceremos e o que nos disseram e ensinaram se apresentará em cada circunstância que requerer um conselho, uma orientação, um conforto, um acalento e dessa forma essas pessoas jamais morrerão, pois em nossa memória jamais estarão mortas, pois delas lembraremos vivas e dessa forma elas sempre estarão ativas em nosso ser. Assim também jamais estaremos sozinhos

De algum modo, somos os nossos pais e as pessoas com quem convivemos, exercendo influência também sobre a formação dos outros. No sentido genético, somos compostos de cem por cento de nosso pai e de cem por cento de nossa mãe, vindo-nos através deles todas as características genéticas daqueles que os compõe; seus antepassados. Portanto, a natureza de nossos pais vive integralmente em nós.

No sentido do caráter, nossa personalidade é predominantemente composta pela personalidade deles, seja por suas virtudes e defeitos de caráter. E eles são compostos de toda a árvore genealógica por trás deles. Portanto, por mais independentes que pensamos ser, podemos estar agindo perfeitamente igual a algum de nossos antepassados mais antigos e antiquados, talvez alguém a quem muito criticaríamos.

Parte da composição de nosso caráter se deu pela transmissão genética e outra parte pela educação e convívio, especialmente durante os primeiros três anos de nossa vida. Outra fração corresponde a cultura que absorvemos do ambiente onde vivemos, que dificilmente sobrepuja a cultura familiar, embora que por algum período possa parecer que sobrepujou; durante o período que somos mais excêntricos, quando mais nos rebelamos contra quem nós somos.

Alguns fatores produzem afinidade nossa com nossos pais e parentes. O principal deles é que para nosso inconsciente somos eles mesmos. Ou seja, inconscientemente nos vemos neles. Isto produz a empatia espontânea que os faz especiais para nós. Isto não nos impede, porém, de ver defeitos neles. Entretanto, os defeitos que neles vemos reproduzirem-se e nos incomodam são justamente os nossos próprios feitos. Por isto, muitas vezes as pessoas têm desavenças com seus pais e familiares, até se envergonhando deles. Tal ocorre porque não conseguimos ver nossos defeitos em nós mesmos, mas os vemos nos outros, quando as outras pessoas os manifestam. Caso essas pessoas sejam nossos familiares, que em nosso inconsciente são nós mesmos, esses defeitos nos envergonharão sobremaneira, porque nos veremos como a manifestá-los.

Quanto às diretrizes de nossa vida, o que não aprendemos de nossos pais, em geral não é porque eles não tenham ensinado, mas porque não nos dispomos a escutar. Porém, vemos, ouvimos, sentimos e percebemos tudo ao nosso redor e mesmo coisas que nos foram ditas, mas ignoramos, comporão nosso banco de parâmetros e respostes, podendo eclodir em algum momento conforme o mecanismo que as acionar. A informação que não atentamos, porém, porque não criamos vínculo consciente com ela, não poderemos acessar quando quisermos.

Portanto, quando nossos pais deixarem a existência, não deixarão de ser nossos pais e o serão no sentido amplo, como se fôssemos ainda crianças, pois tudo que fizermos será norteado por eles, sendo que para cada situação eles terão uma resposta e estarão em nossa mente vivos, nos olhando, acariciando, tomando no colo, falando e atuando para nos ajudar a resolver cada problema e encontrar respostas e saída para toda situação.

As coisas que nos disseram, mas não aceitamos,estarão também ditas e latentes, mas continuaremos não aceitando, exceto algumas que passaremos a aceitar a medida que formos amadurecendo e vivenciando situações que eles vivenciaram. E não seria por algum deles nos aparecer na forma de espírito que mudaríamos de bom grado o posicionamento quanto a essas coisas, pois nossa mente é cem por cento eficaz, sendo fidelíssima e nos fazendo conviver com nossos pais de forma integral diariamente mesmo que eles tenham nos deixado há muito tempo. E, se a saudade, que é amenizada pelas lembranças e atenção que temos deles em nossa memória e consciência, se toda essa consideração e respeito solene que temos por eles não tem poder suficiente para nos fazer reconhecer sua autoridade, não será uma manifestação fantasmagórica que terá. Logo, aparições de entes queridos falecidos é completamente inútil, haja vista que não tem poder para mudar o nossos coração. Isto sem falar que os mortos que aparecem não são mortos, mas encenações de demônios vivos.

Portanto, o poder que os mortos exercem sobre os vivos se dá pelo que disseram e fizeram em vida. Nesse sentido, os mortos vivem. Por isso quando me refiro a alguém que já morreu jamais uso o trato de falecido(a), pois na lembrança que tenho ele está vivo e não tenho qualquer recordação de vivência com ele morto.

O que aceitamos das instruções em vida daqueles que já morreram, utilizamos para nortear nossas atitudes durante nossa vida e para ensinar a outros, fazendo que a morte dos nossos queridos já falecidos seja adiada por mais uma geração. O que não aceitamos do que em vida nos ensinaram, jamais aceitaremos, nem mesmo por alguma aparição fantasmagórica daqueles a quem não honramos, pois não será por parecerem agora mortos-vivos que os honraremos. Seria mesmo um grande sarcasmo, desonrarmos nossos pais enquanto vivos para termos reverência por eles depois de mortos. Isto sim é desvio de propósito.

Aceitaremos, porém, seus ensinamentos que antes não aceitamos caso nosso coração seja mudado e paremos de avaliar o certo e o errado com vistas em nossos interesses. E somente o amor a Deus pode mudar o coração egoísta, nos levando finalmente a honrar nossos pais, estejam eles vivos ou mortos.

Wilson do Amaral

Autor de Os Meninos da Guerra, 2003, e Os Sonhos não Conhecem Obstáculos, 2004.