Reflexões sobre o Evangelho Segundo São João (2a semana)

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito.” (Jo 1,1-3)

Este início do Evangelho Segundo São João, também chamado de “Prólogo do Evangelho de João”, representa um resumo poético de toda a narração evangélica. Ele inicia o seu Evangelho não com o nascimento de Jesus, como pessoa humana, mas sim, do “Cristo Cósmico”. Remete-nos a um “princípio”, mas que “princípio” seria esse? Em que tempo João aponta para ser esse princípio? Seria o “princípio” mencionado em Genesis, ou estaria ele estabelecendo um outro tempo inicial?

Segundo estudiosos da língua grega, especialmente em sua utilização na escrita do Novo Testamento, pode-se apontar como o elemento chave para se entender o “tempo” na primeira frase do magnífico versículo de São João, a palavra “ên” , em grego, empregada por João, para representar o tempo desejado para ser o “princípio”:

“En arche ên ho logos kai ho logos ên pros ton theon kai theos ên ho logos”.

De acordo com tais estudiosos, esta é uma palavra “sem tempo”, isto é, ela apenas aponta para a existência de um tempo anterior ao presente, não fazendo, assim, qualquer referência a um ponto específico. Dessa forma, pode-se retroceder o tanto que se desejar, sem limite, e, mesmo assim, o Verbo ainda “é”. De acordo com João, o Verbo não é somente muito antigo, Ele é eterno, sem tempo e, dessa forma, o Verbo não foi criado no princípio, Ele preexistiu ao princípio.

Ainda de acordo com tais estudiosos, o que é mais interessante, reforçando a idéia de eternidade, é que João, ao mencionar no versículo 10, que Ele “Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu”, o evangelista emprega, em grego, o verbo que significa “tornar-se” (egeneto), estabelecendo, assim, uma definição de tempo, o mesmo ocorrendo no versículo 14: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Em ambos os casos, a mudança na utilização de tal palavra com definição temporal ocorreu pela identificação do início da presença do Verbo entre nós como “carne”, existe o estabelecimento do tempo ocorrido – a encarnação.

Assim, houve, por parte do evangelista, o uso intencional de atemporalidade, caracterizando a presença do Verbo, de Jesus, da 2a Pessoa da SS. Trindade, junto do Pai, por toda a eternidade.

Quando se reflete sobre a origem das coisas, das pessoas, do universo, impossível não tentarmos chegar ao início de tudo, ao criador, ao “não criado”. E São João nos traz em sua colocação: “Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito”, ou seja, mais uma pedra de sustentação, sob a luz do Espírito Santo, do nosso Deus, uno e trino, criador, onipotente e eterno.

Logo de início, o 4o Evangelho apresenta-nos seu tom cosmológico e místico, diferentemente dos anteriores. Força-nos a refletir sobre a atemporalidade divina que não é apenas um tempo anterior, não é somente um passado indefinido, é a presença de Deus no antes, no agora e no depois. Ele não estava no passado, Ele é no passado, Ele é no presente, Ele é no futuro – eterno é o Verbo.

Outro aspecto importante a ser refletido refere-se à palavra grega Logos, traduzida por “Verbo”. Certamente, João a utilizou não por acaso, ou pela ausência de outra escolha. Das várias acepções para tal palavra, ela pode apresentar-se como inteligência, sabedoria, palavra, razão.

O termo Logos não era de uso exclusivo semítico, sem haver, para muitos, qualquer vinculação divina. Porém, não se pode dizer que João manteve tal terminologia de igual forma que ele o encontrou entre filósofos gregos, por exemplo. O evangelista o encheu de personalidade, indo muito mais além da celeste essência de todas as coisas, vinculando-o ao eterno Filho de Deus, Aquele que entrou na experiência humana como Jesus de Nazaré.

Pode-se vislumbrar o “Verbo”, Cristo Jesus, como a mente e o pensamento de Deus, a sabedoria encarnada do Pai, a Inteligência que está além do tempo, sua completa e viva revelação. O Cristo Cósmico é a primeira e mais perfeita emanação individual da Divindade Universal que se fez homem e habitou entre nós – “O Verbo se fez carne”.

São João põe ênfase no fato de Jesus de Nazaré ser, verdadeiramente, o Cristo Eterno, o Filho de Deus. Deus assumiu a forma humana, encarnou-se na pessoa de Jesus Nazareno, e que nunca renunciou sua natureza humana, apesar de sempre ter mantido sua natureza divina. Quem morreu e ressuscitou, foi Deus em forma humana, o “Logos encarnado”.

Milton Menezes
Enviado por Milton Menezes em 19/01/2011
Código do texto: T2739133
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