JESUS CONDENA A INTRANSIGÊNCIA
«Ouvistes o que foi dito:
olho por olho, dente por dente.
Eu porém vos digo que não resistais ao mal.
Mas se qualquer te bater na face direita
oferece-lhe também a outra.
Ao que quiser pleitear contigo
e tirar-te o vestido, larga-lhe também a capa.
E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha,
vai com ele duas...»
«Ouvistes o que foi dito: amarás o teu próximo
e aborrecerás o teu inimigo.
Eu porém vos digo: Amai os vossos inimigos,
bendizei aos que vos maldizem,
fazei bem aos que vos odeiam,
e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem...»
Mateus 5, 38-41;43-44.
Isto é o que o Mestre exige, no «sermão da montanha» ao rever e actualizar as leis e tradições antigas, e ao apresentar os novos padrões do Evangelho, ou seja, a ética do Novo Pacto.
Uma questão se levanta: Será que Quem tanto requereu de simples seres humanos como nós, não fará o mesmo ou ainda mais?
Será que Jesus, o Cristo, como Juiz, irá adoptar a lei de Talião «olho por olho, dente por dente»? Ou, pelo contrário, perdoará aos que O feriram, agrediram, ofenderam e, em vez de os castigar, lhes dará também a «outra face»?
Por outras palavras: Se roubarem a Jesus hoje, seja o que for, se ficarem em dívida para com Ele, será que Jesus reagirá negativamente? Ou deixará que levem ainda mais... «largando-lhes também a capa»?
Será que Jesus hoje, e no final dos tempos, fará pelos homens mais ainda do que exigirem d’Ele, caminhando a tal «segunda milha»?
Jesus ama e amará sempre os Seus inimigos, «fazendo bem aos que O odeiam e maltratam»? Qual será, afinal, a medida do Seu amor e da Sua tolerância?
Apesar das Suas advertências punitivas, noutros textos bíblicos, pergunto: não é de esperar que, no final dos finais, depois de tudo, Jesus absolva aqueles que O rejeitaram, O maltrataram e ofenderam, ou foram simplesmente indiferentes a Ele?
Aliás, no Calvário, o Cristo pediu perdão para os que O crucificaram. E, embora estes talvez ignorassem o alcance real do seu acto, certamente sabiam que estavam a matar um homem. Houve alguma condição para Jesus perdoar esses assassinos? (arrependimento, fé, penitência...?)
Em João 13, 21-38 lemos de um caso de traição ao Cristo, e outro de negação do Mestre. Judas traiu-o e Pedro negou-o. Como reagiu Jesus? Exclui-os/excomungou-os da comunidade? Castigou-os?
E como reagem as nossas comunidades (igrejas ou congregações) quando há entre eles traidores ou membros que negam o Senhor por palavras ou por actos?
Bem sabemos que algumas igrejas são drásticas e rápidas. Fazem um julgamento sumário e procedem à rejeição/excomunhão do membro que pecou... (em certos casos, mais para salvar a «honra do convento»!)
Outras são menos intransigentes: deixam-no permanecer integrado mas castigam-no, retirando-lhe direitos (de voto, de participação na Ceia, de exercer cargos, etc.)
Que disse Jesus, e que ensinou Ele, neste contexto? «Que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei» (João 13, 34-35).
Convém reflectir, de modo autocrítico: não será que muitas vezes nós cristãos «somos mais papistas do que o papa»? Não nos faltará a abertura, a generosidade, a paciência, a capacidade de «vencer o mal como o bem», de perdoar 70x7 vezes, ou seja ilimitadamente?
Condena-se os fundamentalistas islâmicos, por exemplo, apodando-os de intolerantes e fanáticos. E nós? E as comunidades/igrejas cristãs? Não estarão, em muitos casos, tanto ou mais possuídas e poluídas por mentalidades legalistas, autoritárias, exclusivistas, irredutivelmente rígidas e vazias de AMOR?
Um testemunho pessoal:
Considerando os que me procuram através da minha página na Internet,
www.dialogo-cristao.com , com os seus problemas, tenho constatado que um certo fundamentalismo dito cristão (nomeadamente no seio de muitas igrejas chamadas evangélicas) produz efeitos nefastos, pelo seu biblicismo judaizante e castrador.
Tenho-me apercebido de que ele bloqueia os que caem nas suas malhas, resultando em imenso sofrimento para estes. Eu diria mesmo que provoca aquilo que classifico de «toxicodependência religiosa», por resultar em inibições acríticas relativamente ao ensino dos «líderes» tidos como iluminados e quase infalíveis.
Há, frequentemente, uma interiorização cega, sem reflexão, sem questionamento e muito menos contestação, pelos que, assim, se comportam como ovelhas seguidistas e acomodadas. Não há espaço para diálogo, nem debate. Não existe pluralismo de pensamento e de opinião. Nem sequer estímulo para raciocinar, para estudar, para pesquisar, para comparar. Só resta um dogmatismo monolítico, asfixiante e atrofiante, com algemas invisíveis mas bem reais.
No entanto, o Cristo veio para nos libertar, veio para que fôssemos verdadeiramente livres.