ECUMENISMOS

Quando reflectimos sobre perspectivas ecuménicas na sua vertente religiosa, em termos globalizantes e relacionais, podemos distinguir vários níveis e várias posturas. A mais aberta procura integrar ou articular todas as religiões, diluindo as fronteiras e realçando as afinidades. Tal aproximação pode mesmo revestir formas dum sincretismo tendencialmente unificador do pensamento religioso, baseando-se nos filões teológicos e antropológicos que sejam idênticos na sua essência. Aliás, o essencialismo é, talvez, o que mais caracteriza esse tipo de ecumenismo. Trata-se de procurar o que, de fundamental, é comum às diversas religiões: a crença em poderes sobrenaturais, transcendentes e/ou imanentes, a relevância duma dimensão espiritual dominante no Universo, em contraposição a um certo materialismo redutor, dito ateu.

Um outro nível de abordagem ecuménica envolve as chamadas religiões do Livro: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Neste caso existe uma base comum monoteísta e uma mesma raiz histórica, com o reconhecimento, pelas três confissões, de figuras carismáticas e proféticas, como Abraão e Moisés. Estas religiões dedicam-se ao estudo de escritos sagrados, em alguns casos parcialmente comuns, realçando- se como de central importância a submissão aos ensinos neles contidos.

Na religião cristã, o ecumenismo tem apresentado um assinalável desenvolvimento, como movimento estruturado. Os motores desse desenvolvimento têm sido, sobretudo, o Conselho Mundial de Igrejas (desde 1948), de iniciativa protestante, e os pronunciamentos e diligências a partir do Concílio Vaticano II, (1964), como contributos da Igreja Católica Romana.

O diálogo ecuménico entre igrejas cristãs tem permitido aproximações e entendimentos entre alguns sectores eclesiásticos, no âmbito de várias sensibilidades protestantes, como de algumas áreas dos catolicismos romano e ortodoxo. Há que distinguir entre relações institucionais e contactos informais, alguns destes à margem das «autoridades eclesiásticas». Não pode escamotear-se o facto de existirem, em certos círculos e da parte de alguns dirigentes, quer católicos quer protestantes, uma atitude de reserva e suspeição quanto às motivações ecuménicas. Unicidade? Anexação? Diluição?

Em Portugal, a passos lentos, com avanços e recuos, o diálogo ecuménico vai sendo feito. A partilha de espaços na televisão e a educação religiosa nas escolas, a necessidade de encontros inter-confessionais para efeitos de programação, têm contribuído, ultimamente, para um clima de maior abertura e confiança. E já se vão organizando encontros e colóquios de maior amplitude, como o que se realizou em 10 de Novembro passado, em Coimbra, sobre a «Singularidade de Jesus Cristo», no qual participaram professores de teologia da Aliança Evangélica Portuguesa, do Conselho Português de Igrejas Cristãs e da Igreja Católica Apostólica Romana. Esperamos que, futuramente, possam estar também representadas as outras igrejas católicas implantadas em Portugal, bem como outras igrejas não-católicas.

A propósito da aproximação e cooperação entre igrejas cristãs, houve tempo em que católicos e protestantes andavam de costas voltadas. Lembro-me de, há umas dezenas de anos, se produzirem frequentes agressões verbais (e até físicas), caracterizadas sobretudo por discursos anti-católicos e anti-protestantes. Sou do tempo do «rasga e queima que é protestante», assim como do púlpito protestante dominado por uma doutrinação feita por contraste com o catolicismo e em sua oposição, de forma contundente, por vezes bem aguerrida.

Mas hoje os tempos são outros e o que me parece estar a acontecer é que, à medida que se estabelecem relações mais próximas entre protestantes e católicos, são os próprios protestantes, de várias

tradições, que se colocam de costas voltadas entre eles, se esquecem uns dos outros ou se ignoram, para não dizer que às vezes mesmo se hostilizam.

É necessário fazer a pedagogia do ecumenismo entre nós, ou seja, no âmbito do protestantismo. Pois, se esperamos que os católicos romanos portugueses participem em actividades ecuménicas com os católicos ortodoxos e os vetero católicos, é bom que o mesmo também aconteça entre os baptistas das associações e das convenções, entre os presbiterianos das duas Igrejas nacionais, entre os metodistas mais antigos e os wesleyanos, etc.. Ou seja, que dentro da mesma denominação se reconheçam e aceitem os diversos grupos ou facções, e haja o máximo diálogo e cooperação possível entre elas. O mesmo acontecendo, obviamente, entre as próprias denominações, desde os pentecostais aos lusitanos.

Em matéria de ecumenismo, as atitudes desempenham um papel decisivo. É inegável que também aí tem havido progressos. Mas há que apostar mais ainda na tolerância, na comunicação, no respeito e na aceitação do outro e das inevitáveis diferenças. Há que saber ouvir, tentar compreender, desprezar os privilégios e promover a igualdade de direitos para todas os grupos religiosos, mesmo para as «seitas» (rejeitaríamos a «seita» do Caminho, de há 20 séculos?).

Tudo isto e muito mais, mas sem auto-violentação, sem concessões em matéria de princípios, sem trair consciências, sem abdicar do que é específico de cada um, sem pretensões exclusivistas ou hegemónicas.

Pessoalmente defendo uma abertura ecuménica ampla, e acredito

que ela se constrói sobretudo a partir das «bases» (mais do que das «cúpulas»), isto é, através das relações pessoais e das iniciativas informais. É que, geralmente, as instituições estão mais condicionadas por compromissos internos, hierarquia, burocracia e outros constrangimentos. Embora haja, apesar de tudo, honrosas excepções. E, é claro, um ideal ecuménico não pode excluir ninguém.

Orlando Caetano
Enviado por Orlando Caetano em 21/08/2006
Reeditado em 05/09/2006
Código do texto: T221769