MARIA DESATADORA DE NÓS
Muitas pessoas viveram experiências da presença maternal de Maria em suas vidas. Como Celeste e tantos outros, também Mário, seu marido, foram alcançados pelo amor da Mãe de Jesus. E Maria Celeste narrou-nos essa experiência também. Ela estava casada apenas há dois anos quando morreu sua sogra. Alguns dias depois, Mário providenciou logo um bonito porta-retrato, pôs nele a fotografia da mãe e colocou-o sobre um móvel, na sala principal da casa. Passados os dias de luto, Celeste teve uma idéia: “Vou esconder o retrato de Dona Ana.” Chegando para o almoço, Mário percebeu a falta do retrato e perguntou:
- Cadê o retrato de mamãe que estava aqui?
- A moldura caiu no chão e quebrou. Enquanto eu juntava os cacos, Mariana rasgou o retrato sem que eu o percebesse.
O homem ficou irritado, nem pediu para ver o estrago que Mariana tinha feito no retrato da avó. Enquanto almoçava, pensou em voz alta:
-Vou providenciar imediatamente outro retrato de minha mãe e colocá-lo no mesmo lugar.
Celeste aproveitou e disse: “Mas isso é idolatria; toda hora que você passava na sala, olhava o retrato de sua mãe como se ela estivesse presente!
- Não! - disse ele - Eu a olho, porque gosto muito dela. Era mulher e mãe exemplar, uma mulher maravilhosa e, como não posso tê-la a meu lado, olho seu retrato.
Almoçaram e subiram juntos para o quarto do casal, sem trocarem um olhar, uma palavra. Celeste abriu o criado-mudo, retirou da gaveta duas molduras da mesma cor e tamanho e colocou-as sobre o móvel. Mário olhou-as com ar de espanto. Numa delas estava o retrato de sua mãe; na outra, uma estampa da Virgem Maria. Houve um instante de silêncio. Celeste olhou para o marido e disse: “Agora nós temos duas mães no céu.” Lágrimas escorriam dos olhos de Mário. Seu pomo-de-adão subia e descia numa tentativa de conter o som do choro na garganta. Mas as lágrimas vinham aos borbotões ao se lembrar daquele dia em que chegara mais cedo em casa e surpreendera a esposa em oração: “Mãe, toma conta de Mário, meu marido! Cuida dele como cuidaste de teu filho Jesus. Visita meu marido. Eu sei que tu és cheia de graça. Enche-nos com os frutos do teu espírito. Visita minha família para que, como Izabel, fiquemos cheios do Espírito Santo. Em nome de teu filho Jesus, visita Mário e tira dele toda indiferença e descrédito aos santos da Igreja. Ensina meu marido a amá-la como eu te amo e como tu me amas.”
Aproveitando aquele momento de unção e, enquanto Mário continuava com os olhos fixos nos porta-retratos, Celeste retirou da gaveta de outro criado o Catecismo da Igreja Católica e leu: “A beleza e a cor das imagens estimulam a minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula meu coração a dar glória a Deus.” Novamente, um nó fez-se na garganta de Mário. Um nó que desatava como o de gravata, desfeito por mãos habilidosas em desatar nós - Mria Desatadora de Nós - uma presença percebida por causa do perfume que sentiram.
-Quem disse essas palavras tão bonitas?
-Foi... foi São... São João Damasceno.
Ela não queria revelar o autor, porque sabia que Mário não fazia um bom juízo dos santos da Igreja. Questionava muito a santidade dos homens, declarada pela Igreja Católica. Ele sempre dizia: “Os católicos desviam o olhar do Criador e adoram a criatura.” Celeste ainda pensava nessas palavras quando Mário, estendendo a mão para ela, disse-lhe:
- Você pode emprestar-me esse livro?
- Tome! - respondeu ela, entregando o catecismo já aberto na página que falava das imagens.
Mário pegou avidamente o livro, recebendo-o aberto na página que previamente Celeste havia realçado dois parágrafos com um marca-texto: “Foi fundamentando-se no mistério do Verbo encarnado que o sétimo Concílio ecumênico, em Nicéia (em 787), justificou, contra os iconoclastas, o culto dos ícones: os de Cristo, mas também os da Mãe de Deus, dos anjos e de todos os santos. Ao encarnar, o Filho de Deus inaugurou uma nova “economia” de imagens. (CIC § 2131)
“A honra prestada às santas imagens é uma “veneração respeitosa”, e não uma adoração, que só compete a Deus. (CIC § 2132)
Devolvendo o catecismo para Celeste, Mário comentou o parágrafo 2132 que acabara de ler: “O culto cristão às imagens não é contrário ao primeiro mandamento que proíbe os ídolos. Quem venera uma imagem venera nela a pessoa que nela está pintada.”
Terminado o testemunho de Celeste, do meio da assembléia, um homem levantou-se e disse: “Eu sou Mário e confirmo o testemunho que foi dado por minha mulher.” Então, o pregador acrescentou: “São Basílio dizia: ‘a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original.’ ”
A experiência ensina que pessoas analfabetas compreendem a história da salvação, acompanhando as gravuras das estações da Via Sacra. Contemplam os mistérios da fé, desde a anunciação do anjo Gabriel a Maria, à morte e à ressurreição de Jesus, graças à vasta iconografia de uma época em que não se conhecia o segredo da arte de fotografar. “De fato, a iconografia cristã transcreve, pela imagem, a mensagem evangélica que a Sagrada Escritura transmite pela palavra.” (Catecismo da Igreja Católica)
Não há idolatria alguma em se contemplar a estampa ou uma estatueta de um ser humano que teve na terra uma vida exemplar. O ícone sagrado não é Deus; é a pintura ou a representação de uma pessoa que foi um modelo de santidade a ser seguido. Não nos prostramos diante delas; veneramos com amor o que elas representam. Se nos curvamos diante da representação plástica de Jesus, não é ao ícone que prestamos honra, mas à pessoa que a imagem representa.
Quando olhamos o retrato de um ente querido que está longe de nós, chegamos a esquecer que temos em mãos apenas uma gravura num papel; sem idolatria alguma, nosso pensamento volta-se àquele que gostaríamos que estivesse perto de nós. Às vezes, beijamos a foto na intenção de acarinhar a pessoa nela representada. Não dizemos às estátuas “Sois nosso Deus.”; portanto, não há semelhança entre a veneração aos santos, a contemplação de sua imagem e a adoração do bezerro de ouro. A diferença está no modelo original a que se dirige a honra.
LIMA, Adalberto. Uma Luz na Escuridão