Aula de Português com um Médico que Não Sabe Escrever:
Às vezes, me sinto mal de expor meus amigos. Um cara gente boa. Mas a literatura tem primazia sobre a troca de favores e, como não menciono nomes mesmo, não tem problema.
Um médico do posto onde atuo recentemente compartilhou o seguinte caso no grupo de trabalho da empresa:
☝🏼as filhas ana e rosa, compareceram informando que de manhã haviam dito "venha a tarde q o medico lê o exame" ?! Queria pedir a gentileza de informarem nesses casos , "a paciente deve ou procurar a emergencia, ou comparecer para consulta"... trouxeram 4 pacotes de exames, infinitos?! acumulados, e uma tomo com diagnostico de PANCREATITE NECROSANTE!! está em casa, "gritando de dor", e necessita pelo diagnostico, crei q aval da cirurgia e internação! Eu fiquei 1 HORA no celular para tentar convencer as duas e Dona Lucia (a tia q estava no celular falando de são bernardo onde mora!!) a levá-la para Upa pirituba para avaliação obrigatoria com cirurgia geral!!!! Paciente gravíssima, enviada para ler exames, e eu nem tenho um exame fisico, uma palpação abdominal, obrigatoria para uma HD?? SAÍ DO POSTO 20 E 30 HS, PARA PODER ORIENTAR A DISTANCIA Q DEVERIA SER LEVADA A UPA... é uma responsabilidade sem medida "avaliar" uma paciente "lendo exames" sem a presença e fora de uma emergencia... pediria q nesses casos, pedissem ao acompanhante, q já q a paciente não compareceu, pedissem q eles (acompanhantes procurassem o clinico para "INFORMAÇÃO" de como proceder pois é muito dificil para o profissional orientar depois q não se trata de ler exames e sim avaliar o paciente de forma correta com exame fisico já q é um caso gravíssimo q pode colocar o paciente no domicílio em risco! Queriam que eu fizesse prescrição??? De analgesia??? Sem ter nunca visto a paciente??? Corre-se risco etico de medicar um doente dessa forma e eu jamais faria. Pedi conversar com serviço social e verificar o que pode ser feito para atender esta paciente, porque "ler exames" e prescrever é proibitivo para nós! USEI QUASE 1 HORA E 30 NO TELEFONE, a paciente precisa de cuidados emergenciais, encaminha à UPA ontem para avaliação cirurgica. Por gentileza, melhor pedir "Fale com o clínico e peça orientações", ao invés de "venha a tarde q ele lê exames?!" Me perdoem mas achei isto meio atípico. AGRADEÇO FORMALMENTE, COM MINHAS SOLICITAÇÕES DE DESCULPAS EVENTUAIS POR INCÔMODOS" 🙏🏼
Quando a Gramática é Mais Grave que a Pancreatite
Mais estarrecedor do que o caso relatado é o português do médico. Já na primeira frase, ele comete praticamente todos os erros possíveis de pontuação.
Notem:
“As filhas Ana e Rosa, compareceram informando que de manhã haviam dito ‘venha à tarde que o médico lê o exame’.”
O sujeito “as filhas Ana e Rosa” está separado do verbo “compareceram” por uma vírgula indevida. Para ficar correto, deveria ser:
“As filhas, Ana e Rosa, compareceram…”
Dessa forma, “Ana e Rosa” seriam um aposto explicativo de “as filhas”.
E logo depois, outro que poderia ser um erro crasso e básico: “haviam dito”. O verbo “haver”, no sentido de existir, é impessoal e não flexiona para concordar com o verbo, mas, neste caso, a flexão é correta porque o verbo “haver”, aqui, significa ter.
O Uso Caótico das Vírgulas
O caos segue com:
“Trouxeram 4 pacotes de exames, infinitos?!”
Aqui, “infinitos” é um adjetivo de “exames”. Que sentido faz essa vírgula separando um adjetivo do substantivo?
E o restante do texto é uma sucessão de erros semelhantes. Se eu fosse corrigir todos, seria repetitivo.
Será que um Médico Precisa Saber Português?
Claro, um médico é um técnico da saúde e não precisa ser um expert em gramática.
Mas, pensem: se falar inglês bem é um símbolo de distinção, por que um brasileiro da “alta casta social” não deveria dominar pelo menos o próprio idioma?
Falta leitura. Falta estudo de gramática além do vestibular.
E olha, há um funcionário de alto gabarito no posto onde trabalho, exímio e dedicado, que praticamente carrega o posto nas costas e responde no lugar da diretora em sua ausência.
De uma hora para outra, ele começou a escrever corretamente no WhatsApp.
Claramente, está sendo auxiliado pelo ChatGPT.
ChatGPT: Ferramenta ou Muleta?
A existência desse aplicativo só torna mais vergonhoso quem escreve errado. Afinal, bastaria pedir para ele corrigir o texto antes de enviar.
Mas também é preciso saber usar com sabedoria, para não ficar óbvio que é uma muleta de quem não sabe escrever.
Eu mesmo me permito utilizá-lo, mas porque sei gramática, estudei e estudo frequentemente. Para mim, é um atalho, um refinamento, uma revisão geral — como um texto de redação que passa por várias mãos antes da publicação.
Basta baixar o aplicativo e pedir a correção para sair sem erros.
Mas, no fim das contas, o fundamental é quem opera a máquina.
No meu caso, ele pode até limitar minha riqueza vocabular e tornar a mensagem mais robótica. Na verdade, ele pode piorar a leveza de um texto humano, deixando-o mecânico.
E isso é uma afronta para quem escreve. Eu, como alguém que escreve, tenho a obrigação de saber gramática e português.
O engenheiro não é menos engenheiro por usar uma calculadora.
O diretor não é menos diretor por usar PowerPoint, Excel ou softwares para análise de dados.
Mas, no final, o que conta é a sabedoria e a inteligência de quem opera a ferramenta.
E, para quem ficou curioso…
Se o médico soubesse escrever direito, sua mensagem…
☝🏼 As filhas, Ana e Rosa, compareceram informando que, pela manhã, haviam dito: “Venha à tarde que o médico lê o exame.”
Gostaria de pedir a gentileza de, nesses casos, orientarem da seguinte forma: “A paciente deve procurar a emergência ou comparecer para consulta.”
Elas trouxeram quatro pacotes de exames — infinitos?! Acumulados! Além disso, trouxeram uma tomografia com diagnóstico de pancreatite necrosante!
A paciente está em casa, gritando de dor, e, de acordo com o diagnóstico, precisa de avaliação da cirurgia e internação.
Fiquei uma hora no celular tentando convencer as duas e a Dona Lúcia (a tia, que estava ao telefone falando de São Bernardo, onde mora!) a levá-la para a UPA Pirituba, para avaliação obrigatória com cirurgia geral!
A paciente está gravíssima e foi enviada ao posto apenas para “ler exames”! Eu nem sequer tenho um exame físico, uma palpação abdominal, que seria obrigatória para um diagnóstico adequado!
Saí do posto às 20h30 para poder orientar, à distância, que a paciente deveria ser levada à UPA.
É uma responsabilidade imensurável “avaliar” uma paciente apenas lendo exames, sem sua presença e fora de um ambiente de emergência.
Por isso, peço que, em casos assim, os acompanhantes sejam orientados a procurar o clínico para informações sobre como proceder.
É muito difícil para o profissional explicar, depois, que não se trata apenas de ler exames, mas de avaliar corretamente o paciente com exame físico, ainda mais em um caso gravíssimo, que pode colocar a paciente em risco ao mantê-la em casa.
Queriam que eu fizesse uma prescrição? De analgesia? Sem nunca ter visto a paciente?
Isso implica um risco ético enorme. Eu jamais faria isso.
Solicitei uma conversa com o serviço social para verificar como essa paciente pode ser atendida, pois “ler exames” e prescrever sem consulta é proibitivo para nós!
Usei quase 1h30 no telefone. A paciente precisa de cuidados emergenciais. Encaminhem-na à UPA imediatamente para avaliação cirúrgica.
Por gentileza, peço que, no futuro, a recomendação seja “Fale com o clínico e peça orientações”, em vez de “Venha à tarde que ele lê exames.”
Me perdoem, mas achei essa situação bastante atípica.
Agradeço formalmente e peço desculpas por eventuais incômodos. 🙏🏼
Gostou do texto? Quer ouvir a voz de quem escreveu? Simples: ouça o meu podcast oficial não autorizado do Recanto, o FODACAST:
Nele, falo sobre o recalque das minhas inimigas, que estão de ++++. Ainda dá tempo de escutar!
FODACAST: Minhas Inimiga do Recanto tão de +
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