Madrugada onírica!

Aquela madrugada seria igual às demais.

O cansaço daria condições ao sono profundo, mas o sonho ganhou lugar de destaque. Sonhei que estava com você, meu pai.

Atônito olhei pra você e tentei dizer algo, mas estava impelido pela emoção.

Estávamos (parece-me) em lugar de feira; muita gente.

Acordei.

A madrugada onírica (eu estava sonhando e você apareceu) deu lugar às lembranças.

Eram tantas que perdi o sono, mas resgatei um pouco do tempo em que você viveu ao meu lado, meu pai.

Aquela madrugada foi pequena demais para resgatar tantas memórias.

Lembrei-me de quando andávamos de barco pelo Rio Tocantins na barca "Rainha do Tocantins".

Lembrei-me de tantos momentos felizes em meio às turbulências da vida, inclusive as financeiras.

Lembrei-me dos tempos da infância na roça, de suas mãos calejadas do cabo de enxada, machado e fação.

Lembrei-me da pobreza financeira, mas éramos felizes porque sua força e determinação nos mantinha de pé.

Lembrei-me do duro trabalho na roça para o plantio de sobrevivência: arroz, feijão, milho, fava, mandioca, melancia.

Lembrei-me da pescaria para nossa sobrevivência; ainda bem que naquele tempo não tinha as leis da Piracema.

Lembrei-me das caçadas, das noites de "espera" que você ia para o mato na esperança de matar uma caça para nos alimentar.

Lembrei-me dos plantios de maracujá.

Lembrei-me do trabalho de barqueiro nas praias sazonais para garantir o pão em nossa mesa.

Lembrei-me das viagens pelo Rio Tocantins (íamos de Babaçulândia-TO para Carolina-MA); e quando você voltava estávamos à espera de um pão, de um bolo vindo da cidade. Como eu gostava de comer a "orelha de macaco".

Lembrei-me de quando o lago da UHE Estreito tirou você da fazenda São Pedro.

Lembrei-me de quando, a todo custo, porque a indenização recebida do Consórcio CESTE foi ínfima, você construiu a última casa.

Lembrei-me de quando conversávamos pelo aparelho celular.

Lembrei-me de que você sempre pergunta se eu iria visitá-lo do domingo (sei que você gostava muito disso, motivo pelo qual, neste instante meus olhos estão em lágrimas e minha garganta embargada).

Lembrei-me de que eu dizia que iria visitá-lo e logo você perguntava qual peixe frito eu queria comer ao chegar lá em sua casa.

Lembrei-me da cena, a que não sai de minha cabeça, em que eu descia pela escada da área do fundo de sua casa e o enxergada lá no fundo do quintal fritando peixe em fogão de carvão, bem ao lado de sua oficina de carpintaria.

Lembrei-me de sua cirurgia de hérnia umbilical. Ela seria feita em Wanderlândia-TO, depois em Xambioá-TO, mas só se concretizou lá em São Geraldo-PA.

Lembrei-me de seu primeiro susto cardíaco em 2019. Naquele dia eu estava em Palmas-TO e peguei o primeiro ônibus para acompanhar a realização de seus exames. Você melhorou a cirurgia indicada ficou para depois.

Lembrei-me do dia em que você sentiu novo susto cardíaco, e logo foi internado (no mês de janeiro de 2021; no caótico tempo pandêmico da Covid-19).

Lembrei-me de que o teste Covid-19 foi positivo e que a partir daquele dia você enfrentaria o problema no coração, sozinho, dentro daquele hospital em condições de isolamento.

Lembrei-me de quando sua força resistiu a quarentena (14 dias) da Covid-19 e retornou para sua casa porque a equipe médica só iria fazer a sua cirurgia no mês de maio de 2021.

Lembrei-me de que você ainda queria fazer suas atividades laborais, mas o coração não estava resistindo.

Lembrei-me de que você enfraquecia e que eu, meus irmãos, minha mãe, nossos parentes não podíamos fazer "nada"; mas podíamos, pois estávamos ao seu lado, orando e fazendo o nosso melhor (lembras disso, Rosilene?).

Lembrei-me de sua recaída cardíaca, e graças a muitos amigos você foi internado novamente (ainda passei uma noite e dia ao seu lado lá no hospital, e outros parentes também: suas filhas, netos, amigos).

Lembrei-me de quando demos entrada no HDO em Araguaína para a realização de sua cirurgia cardíaca.

Lembrei-me de que autorizei a realização de sua cirurgia, mesmo sabendo do risco.

Lembrei-me de quando você estava deitado na maca rumo à sala cirúrgica; "pedi" a sua última bênção! E fiquei à porta esperando notícias do serviço que os médicos iriam realizar.

Lembrei-me das orações à espera de sua recuperação cirúrgica (e tantos amigos oraram por esse mesmo objetivo).

Lembrei-me de minha mãe, meus irmãos, sobrinhos e parentes indo visitá-lo à espera de sua saída do hospital em vida, mas isso não aconteceu.

Lembrei-me de quando você retornou da sala cirúrgica com aqueles aparelhos fazendo "bips" que parecia dizer algo ruim.

Lembrei-me de quando peguei em sua mão, de quando passei minha mão em seu rosto e que uma lágrima pareceu cair, mas você não disse nada, apenas os "bips" aumentaram.

Lembrei-me do contato telefônico do hospital que solicitava minha presença naquele início de noite do dia 30/05/2021.

Lembrei-me de que ao chegar lá você já não estava no leito. Você não havia resistido a mais uma parada cardíaca; foram muitas após a sua cirurgia.

Hoje, e para sempre, estas lembranças são eternas em meu coração. Resgatá-las é não controlar as lágrimas, pois a lembrança que guardo de você não terá fim.

Rubens Martins
Enviado por Rubens Martins em 30/05/2023
Código do texto: T7801255
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