Boca-de-leão

O mais certo desta vida, é de que tudo fica e somente nós iremos daqui. Por isto esta terra não é nossa, Por isso nunca temos muita razão. Mas um bem que fazemos, é cultivar estas coisas que dizemos “ser nossas”, quando na verdade somos nós quem pertencemos à elas.

Minha família cultiva alguma flores, uma florzinha chamada boca-de-leão. É muito bonita, e realmente lembra uma boca, floresce na primavera, e uma única vez, após o pezinho de onde brotaram as vivas cores em pétalas, morrem.

Tudo aconteceu quando vimos alguns pés adornando o jardim de minha vó na capital, isso faz bons anos. Então minha mãe interessou-se e minha vó lhe deu algumas sementes, na verdade muitas sementes. Não acreditei a princípio que aquilo se transformaria em flores, porque nunca acreditei muito em sementes, mas aquelas minha vó quem tinha nos dado... Era mais confiável.

No dia seguinte minha mãe a plantou as sementes em uma caixa com terra preparada. Um mês após nasceram pequenas plantinhas, fininhas com folhas fininhas, muitas, muitas de verdade. esperamos mais um pouco, e a colocamos em nosso jardim, com terra úmida e preparada.

E um tempinho depois vieram as flores... Muitas em cada pé, nos muitos pés que coloriam todo jardim, e que minha mãe e meu pai se revezavam a regar para que não deixassem de vir. Eram de muitas cores, e também tem as que se fundem e formam diversidades mescladas... Eu as adoro, todos lá em casa as adoram.

As flores caíram se misturando a terra, os pés ficaram vazios, e secaram, foram ficando negros e tortos... Não nasceram mais flores. Descobrimos que ele era para uma vez só, todo o cuidado, a dedicação e afago valiam em única dose. Contudo nem tudo estava perdido, haviam bolinhas cheias das minúsculas sementes em cada lugar onde nascera uma flor. A colhemos, e colocamos em uma grande recipiente... As sementes haviam se multiplicado... Era agora o dobro do que o número que minha avó tinha nos dado. Repetimos todo o ritual, e demos um pouco de sementes para uma tia. Tudo aconteceu novamente, inclusive com ela. E pelo que soubemos, as sementes dela também se multiplicaram e ela deu para algumas pessoas. Estávamos espalhando alegria ao mundo.

O jardim de minha vó não existe mais, ela mesma também já partiu. E uns dias atrás, coloquei em sua capela, um vazinho com dois lindos pés de boca-de-leão roxo com branco (minhas favoritas).

Continuamos o ciclo de nossas vidas... As sementes num recipiente, plantamos em uma caixa, nascem, crescem, mudamos para o jardim, damos algumas, florescem, secam, se tira os corpos mortos, colhemos as pequenas cachopas com as sementes, e tudo acontece de novo. Esperamos ansiosos, e nos sentamos na área a contemplar sua beleza. Ver cor por cor, a mais alta, a mais baixa, a mais florida, mais pobre, e todas irmãs de uma vida só...

E enquanto vivermos, teremos o compromisso de cultivá-las, por minha vó, pela sua lembrança que nos fez descobrir tantas coisas, são apenas flores... Mas companheiras, fazendo o futuro, e mais do que nos pertencendo... Fazendo nós a pertencermos!

Douglas Tedesco – 12/2007

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 04/12/2007
Reeditado em 04/12/2007
Código do texto: T764639