Lembrança
Ouvi falar de ti a muito tempo, quando não me recordava mais do seu rosto.
Não tenho dúvidas que nada foi passageiro e no que minha mente pálida consegue lembrar era meiga, amorosa e carinhosa e nunca pude caminhar sozinho se não fosse sobre suas pegadas.
As vezes a noite, quando me preparo para dormir, ouço-lhe cantarolando, e num eco oculto me enrolo nas cobertas para me lembrar de seu calor e para abrandar as lagrimas que tanto se escondem no meu coração.
A noite se tornou suportável com o tempo, e suas últimas palavras me fizeram tão forte como nunca fui. Não tenho dúvidas, se me permite acrescentar, que naquele tempo nunca me faltou com amor.
Passo os olhos pela fechadura, passo os olhos penetrando o escuro do quarto e lhe vejo parada próxima da cama, lendo a bíblia. Sou fraco se não choro... meu maior desejo era poder realizar todos os seus.
Na dúvida, digam que amei profundamente apenas uma única pessoa.
Na dúvida, digam que fui amado por uma única pessoa.
Na dúvida, não precisam dizer nada, pois nenhuma palavra significaria tanto que minhas lembranças.
A hora não chegou, e o relógio retrocede com calma quando estou de olhos fechados.
Me vejo numa ponte. Uma brisa calma anseia sob meus ombros. Não sinto mais nenhum pesar.
Logo, caminho na nevoa desavisada. Olho para frente. Não tenho ideia do que irei encontrar.
De repente, uma tempestade. Sinto-me triste, mas logo que a tempestade passa, sinto frio. Paro. Sento no chão. Respiro com força diversas vezes, sentindo o ar dentro dos meus pulmões.
Eu estou sozinho? Não... alguém me responde. Sinto uma presença. Mas antes de despertar, fico sufocando, sem respirar e tudo piora cada vez mais antes do fim. Ouço alguém chamar por meu nome. Mas não tenho ideia de quem seja. Estou caminhando para dentro da escuridão. Choro. Grito. Mas não sou ouvido.
Ouço novamente uma voz se aproximando com cautela. Seguindo com zelo o caminho até minha alma. Vejo a luz... mas está cada vez mais longe, afastando-se. Corro na sua direção, corro dolorido e marcado, corro com a única esperança em encontra-la.
Quando abro os olhos. Sinto sua mão sob minha cabeça. Vejo que não há mais neblina. Vejo que não há mais frio. Vejo que não há mais dor. Somente um brilho, vindo de seus olhos.
Dou-lhe a mão para levantar. Vejo-lhe e lhe observo de perto. Mas não sei quem é. Só me lembro de ser alguém que amei muito, a muito tempo e que me fora muito importante.
Olho dentro de seus olhos e de relance, lá no fundo, esperando por mim, encontro-a.
Abraço-lhe de saudade, e não importa quanto eu chore, não consigo imaginar o quão maravilhoso é aquele momento.
Segurando-lhe em meus braços, com força, tento fazer daquele momento o mais longo possível. Sinto calma, saudade, prazer e amor. Sussurrando em meu ouvido, ouço-a dizer... ainda se lembra de mim? Então respondo chorando. Para sempre mãe!
Acordo... e descubro que ainda sou velho.