A Estante

A ESTANTE

Por um momento olhava a estante vazia, outrora cheia de livros que eram lembranças de quem já não está mais ali.

A velha estante assistira atenciosamente a criação de tantas obras quanto era possível elaborar uma vida de tantas inspirações. Sendo eu uma destas, resolvi desfazer de tão precioso bem, pois olhar para ela era reviver momentos de glória que jamais se apagarão.

Em noite de chuvas, quando a luz faltava, colocava sobre a estante castiçais e velas acesas e danava-se a escrever, parece que a penumbra revigorava seus desejos, principalmente quando eram romances, depois eu o aguardava para lhe dar ainda mais inspiração para os próximos textos.

Quando se foi, foram-se suas obras, mandei para a casa dos nossos filhos que tanto o amavam, e planejava me livrar da estante. Neste momento olho para ela com ciúmes de ter ficado na presença do meu grande amor , bem mais tempo do que eu. Mas ao admirá-la, vazia, parece que nossos destinos estavam se igualando pois era como eu me sentia.

Se colocar de volta ali os livros o trouxessem de volta, faria imediatamente , mas as páginas que lia para mim, como que para eu aprovar tinham vida em si , mas tiravam a minha, as lembranças doíam e transformavam os livros em dolorosos inimigos ao menos naquele momento.

Lia e chorava, trechos do livro recheados de nossos momentos de paixão, por trás de cada linha tinha uma história vivida em algum lugar. Recolocar na estante era trazer de volta tudo que me fazia sofrer. Mandar o móvel embora era negar tantos momentos vividos. Ficaria ali, sentada, tentando decidir o que meu coração achasse melhor, mas só o tempo me faria agir.