Tu cadente, nós cadentes

Eram onze e cinquenta e nove do último dia do ano. Dois mil e dezesseis: o ano em que deixamos de existir, assim como ele deixaria também, sessenta segundos depois daquele instante que, por um acaso, durou eras na minha cabeça.

Nos primeiros cinquenta segundos me recordei de todas as sextas-feiras as quais você me ligava e decidiríamos, ali mesmo, fazer qualquer coisa, sem mais nem menos. Listei cada música que cantamos durante o inverno e ri sozinha lembrando que você sempre errava no refrão. Revivi os domingos de pipoca de micro-ondas e macarrões instantâneos. Você detestava tirar fotos. Hoje percebo que as coisas mudaram: você mudou. Escancara fotos.

Sua cachorrinha era você. Escandalosa, queria ser notada, gostava da atenção toda só pra ela e se não conseguisse, aí sim que poderíamos encontrar a semelhança: chorava. Chorava tanto que um mapa astal completamente voltado para o signo de câncer não explicaria tal característica. Sobre as viagens, preferi não pensar, mas estive ciente de que sempre havia um ponto alto e um extremamente baixo em todas elas. Num dia ríamos comendo brigadeiro, no outro algo te impedia de mostrar os dentes pequenos com manchinha amarela e nos próximos três dias, era eu quem fechada a cara. Você também detestava que te chamassem pelo nome. Engraçado. Nunca soube distinguir quem tomava mais doses de paranoia diariamente.

Dez...

Nove...

Oito...

Sete...

Nesses últimos segundos, mentalizei você mais do que nunca e sabia que, apesar de você poder lembrar de mim por eu sempre enfatizar o quanto menosprezo esta data, você não pensaria em mim. Nossa sintonia já havia se rompido há tempos...

Já era 00:01 e além disso, era dois mil e dezessete também. Olhei para o céu estrelado, fechei os olhos por alguns instantes e quando abri, rapidamente, pude ver uma estrela cadente. Não posso jurar, mas eu vi. Simplesmente.

Eu que fui sempre tão cética, arranquei sua foto da minha parede e me obriguei a acreditar que vi uma estrela cadente, porque era mais fácil do que acreditar que passei por uma relação cadente, que caiu, pouco a pouco, levando um pouco do que fui quando tive você por perto.