Dor
Na semana passada internei o meu pai...
De tudo o que já fiz na vida isto foi uma das coisas mais difíceis e que mais doeu... e ainda dói.
Lembro-me do meu pai bravo com a travessuras minhas e do meu irmão.
Lembro-me do meu pai ajudando em catástrofes ocorridas em São Paulo.
Lembro-me do meu pai chegando em casa, impecável no seu uniforme de motorista, em plena madrugada. Para logo depois voltar a trabalhar.
Lembro da fotos em que aparecemos juntos e lembro das fotos que dele eu fiz.
Lembro das poucas vezes em que acariciei o seu cabelo (como eu não entendo nada - nothing - da vida), e prefiro me esquecer de suas bebedeiras e noites em hospitais. Não, não é fuga, é apenas dar valor ao que realmente tem valor.
Meu pai, hoje, sofre de uma mistura de mal de alzheimer, acelerada por consumo excessivo de bebidas alcoólicas (isto segundo o que consegui estudar e obter dos médicos).
Hoje, ele confunde as coisas, esquece quase tudo, às vezes é teimoso, outra vezes violento. Não toma banho sozinho, não faz sua higiene pessoal, não consegue andar direito (tem aneurite, mais pronunciada nas pernas, devido ao álcool).
Internei meu pai pois não conseguia cuidar dele direito, internei a contragosto, internei...
Agora tenho mais tempo para tudo mas, às vezes, sinto que não tenho mais pai. Embora isto não seja verdade e os caminhos da vida sejam eternos.
Ontem ele era um homem formoso e jovial. Hoje ele nem se lembra da família.
Isto é que dói,
não por dó,
não por egoísmo (talvez um pouco ou muito), mas por sua condição.
Internei meu pai e sinto falta dele, dos barulhos, do trabalho, até da irritação.
Como dói tomar estas decisões.
Como sinto falta do homem,
que aparece nas fotos,
que deixa acariciar os seus cabelos,
que bebia demais,
que me fazia perder o sono,
que caia e me prendia em casa.
Como sinto falta do meu pai que hoje só vejo em dias de visita.
Como sinto falta do meu pai.
Que bons espíritos o guardem.
Good speed your love to her.
Today, tomorrow, again and again. Forever.
03/03/2000