A Curitiba do meu tempo de piá...
 
A gurizada de hoje não sabe o que é.
Fechou a Curitiba onde eu vivi.
Só não fechou este meu tempo de guri.

Viu, guria !
Saudade da Curitiba dos meus tempos de guri.
Das partidas do “bate-ombro”.
Do jogo de tique.
De pular corda e amarelinha riscada de giz na calçada.
Do jogo de búrico (bolinhas de gude, de vidro…)
Fidusca em pó, Maria Bodó.
Dos treinos no campinho

com as bolas de “capotão” da Casa Walter.
Saudade do jogo do bafo com as Balas Zequinha.
Tinha Zequinha Médico.
Zequinha Radialista.
Zequinha Motorista.
Zequinha Papai Noel

(a figura mais difícil, quase não saía) .
Tinha até Zequinha Ladrão.
As figurinhas embrulhavam aquelas balas ruins,

que ninguém chupava,
mas que divertiram muito a piazada.
No jogo do bafo era proibido cuspir na mão.

Dos balões de São João
que iluminavam as noites frias da Curitiba
dos meus tempos de guri.
Era Balão Caixa, Balão Mimosa, Balão Cruz.
De todos os tamanhos e de todas as formas.
Tinham uns grandes,
tão grandes
que até os bombeiros vinham ajudar na hora de acender a tocha.

Os soldados vinham, erguiam a escada,
seguravam a copa,

o baloeiro acendia a tocha, o fogo ardia
e o balão subia,

espargindo parafina incandescente
sobre a Curitiba dos meus tempos de guri

(nunca ouvi falar que um balão tivesse provocado incêndio!).
Das raias

(pipas, pandorgas)
que esvoaçam pelos campos da Galícia.
Éramos felizes os piás de Curitiba.
Espremidos nas calças curtas os piás e as meninas

nas suas saias de sarja azul marinho,
todas pregueadas, como mandava o uniforme escolar,
levavam para a escola um punhado de bolachas Duchen
e meia garrafa de Capilé.
Às vezes, Crush ou Mirinda.
Quando não, um suco de uva Grapete.
Ou gasosa de framboesa da Cini.
Prá variar, Minuano.
Tinha uns que levavam Bidu-Cola ou Guaraná Caçulinha,

 com bolacha Maria.
Aos domingos, faceiros,
no terninho de marinheiro da Maison Blanche,
iam à matinada
do Cine Ópera para ver Tom e Jerry.
As meninas, gabolas, enfeitadas em suas saias godê,

da Joclena,
e blusinhas da Mazer,
uma loja infantil ao lado da Gomel, na Praça Tiradentes.
A Maison Blanche era de meninos.
A Joclena e a Mazer, de meninas.
Para os sapatos tinha a Cirandinha.
Piá nenhum admitia vestir o tal de brim coringa não encolhe,

aquele tecido azulão grosso,
especialmente para macacão de mecânico,
que hoje chamam de jeans.
As meninas vestiam tafetá ou veludo, também em festas,

os vestidos godê ponche feitos de organdi suíço.
Os meninos, terninhos de casemira.
Quando muito, camisa Volta ao Mundo e calça de Tergal.
Piás felizes chutando bola,

descalços,
sobre as rosetas dos campinhos por todos os lados.
Esse tempo acabou,

assim como acabou a Modelar,
a Casa Rosa,
a Casa Vermelha,
a Casa Sade.
Não tem mais a Casa da Sogra do Aron Ceranko,
presidente do Ferroviário
(que também não existe mais).
Não tem mais a Casa da Pechincha.
Desapareceu o Louvre do Kalluf .
Cadê seu Jamil e seu Miguel e a Capital das Modas?
Não tem mais a Casa das Meias
do telefone 66-6666,
nem o 444 da Barão.
A Casa Edith, acredite, ainda tem,

mas os chapéus Prada não vende mais.
E a Três Coelhos, em que cartola se meteu?
Não tem mais Móveis Cimo.
Já não se ouve mais o apito da Fábrica Lucinda.
Mudou a Casa Feres, pequena por fora e grande por dentro .
As Casas Lorusso,

suba que o preço desce,
também desapareceram.
Fechou a Casa Dico  – Fique Rico comprando na Dico -
A Joalheria Pérola, do Kaminski,
a Importadora Americana, do Marcos Salomão Axelrud,

que vendia o Simca Chambord e o Simca Rally.
E as casas da Uda e da Otília ?
Desapareceram o Frischmann´s Magazine,
assim como o Chocolate Basgal, da Tiradentes.
Não tem mais a Tarobá, do Pedro Stier,

em cujas vitrines o pioneiro Nagib Chede exibiu
o primeiro programa de TV do Paraná,

projetado diretamente do último andar do Edifício Tijucas.
E o povo encantado via o Jamur em preto e branco,

contando as notícias do dia.
Não tem mais o Cine Curitiba
onde os piás trocavam gibis
do Capitão Marvel, pelos X-9 do Monte Hale.
Cadê o Cine América,

o Palácio,
o Broadway,
o Avenida,
o Ribalta,
o Oásis,
o Rívoli,
o Vitória,
o Curitiba,
o Marabá,
o Luz,
o Arlequim,
o Ritz...
Até os filmes do Morguenau e do Guarani chegaram ao fim.
Acabaram as matinês do domingo à tarde.
Se você “aprontava” durante a semana,

 lá se ia a matinê de domingo.
Era ficar na janela vendo os amigos irem,
com um monte de gibis embaixo do braço.
Lembram que quando o mocinho beijava a mocinha

todo mundo fazia barulho com os pés
 no assoalho de madeira do cinema.
Não tem mais o bar Pigalle
Nem o Massalândia Roma, do seu Francesco D'Angelis,

ali na praça Osório
E o Lá no Luhm, da Barão?
E a Charutaria Liberty,

na esquina da XV com Monsenhor Celso,
para onde se mudou?
O Hermes Macedo

 – do Rio Grande ao Grande Rio –
que rumo tomou ?
E o Prosdócimo ?
Não vejo mais as Óticas Curitiba, dos Irmãos Barbosa.
Onde foi parar a Casa Nickel, que vendia Chevrolet ?
Desapareceram a Casa Londres e a Ottoni.
O Lord Magazine,

onde se comprava o esporte-fino para ser exibido
nos chás-dançantes de Medicina e Engenharia.
A Slopper também acabou.
Mesmo fim levaram Calçados Clark, Lojas Ika e Pugsley.
Acabou-se o Café Alvorada do Senadinho.
Fechou o Ouro Verde, onde nasceu a Boca Maldita.
Nem Café Marumby, nem Café Piraquara tem mais.

Apagou-se o neon da Caixa Econômica, na Praça Zacarias,
com as moedinhas correndo e caindo no cofrinho.
E a Farmácia Minerva,

que vendia Zig e Mercúrio-Cromo
e também pasta Kolynos, creme dental Eucalol e
sabonete Lifebuoy.
Será que ainda existe o Talco Ross ?
E o Rum Creosotado ?
E Auricedina?
E a Pomada Minâncora?
E o Vinho Reconstituinte Silva Araújo?
E o Regulador Xavier :
número 1 excesso
número 2 escassez
E Antissardina

( o segredo da beleza feminina ).
E o Creme Rugol.
E as Pílulas de Vida do Doutor Ross
– fazem bem ao fígado de todos nós – ?
Nem a Stellfeld, do relógio de sol sobrou,

com suas prateleiras repletas de Cibalena, Veramon e Cafiaspirina, Glostora e Gumex.
Só o relógio de sol resistiu,
como a testemunhar os meus tempos de guri.

Saudades do time infanto-juvenil do Juventus
o moleque do Batel
do técnico Tuca , do Sabá, dos Cava, do Tonico, do Paulinho,
dos irmãos Popadiuk, do Roberto italiano ...
No Edifício Azulay ficava a Musical .
Ali também ficava a loja de calçados Pisar Firme.
A Clark também ficava lá,

assim como a Farmácia Colombo.
Eo curso W.Abreu, preparatório para Direito ?
E o Curso 19 de Dezembro que não pagava ninguém ?
Fechou o Banco de Curitiba, quebrou o Banestado.
E o Bamerindus ?
Cadê o Colégio Parthenon,

o Iguassu ( pagou, passou! ) da Praça Rui Barbosa?
E o Colégio Cajuru ?

Por onde andarão as suas alunas, tão bonitas e invejadas ?
E as meninas do Sion com seus uniformes azul marinho?
E as normalistas do Instituto de Educação por onde andarão?
Acabaram-se as empadinhas da Cometa

e os queijos da Casa da Manteiga.
No Mercado Municipal tinha o Manquinho, da Mercearia Sulina.
Só vendia o que era de primeira .

Ele mesmo dizia:
aqui, presunto; se quer mortadela vai em outro”.
A coalhada da Schaffer, servida pelo seu Milton,

o Toddy da Leiteria Viana,
e o pão sovado da Berberi, em que forno se enfornou ?
Por que não tem mais Milo para beber com leite,

 era tão gostoso !
E a pastelaria Ton Jan, da Marechal ?

Tinha pastel de carne e de palmito.
E também o especial, com ovo e azeitona
Fechou a Churrascaria Bambu, a Tupã.

Até a Caça e Pesca fechou.
Alguém se lembra do Mitóca ?
Não tem mais o açougue Garmatter e nem o Francês.
E o piá de pedra fazendo xixi na frente do Posto Garoto,

cresceu?
E a pérgola na Travessa Oliveira Belo,

 que os Bombeiros mandaram retirar ?
Acabou-se o rabo-de-galo do Bar Americano
e não tem mais a carne de onça do Buraco do Tatu.
Nem o filé completo da Tingui.
Nem a dobradinha do Restaurante Rio Branco.
Do pastelzinho do Pasquale,

nas manhãs dos sábados no Passeio Público,
restou a saudade.
O Locanda Suíça desapareceu.
Até o Gruta Azul sumiu.
O Jatão, em Santa Felicidade, travou a turbina e caiu.

Desmoronou.
Nem a Maria do Cavaquinho,

nem a Gilda,
nem o Esmaga
nem o Osvaldinho da Praça Osório,
perambulam pelas portas da Velha Adega, na Cruz Machado,
ou pela frente da Gogó da Ema na Comendador.
Por ali onde andava o Saca-Rolha,

nas tardes de sol,
com o seu guarda-chuva sempre fechado.
O Bataclã não desfila mais com o seu terno branco

e cravo vermelho na lapela,
pela frente do Fontana Di Trevi
ou da Guairacá, na João Pessoa que virou Luiz Xavier.
Fechou a Curitiba onde vivi.

Só não fechou este meu tempo de guri.
Não tem mais Leminski,
nem Kolody.
Dele, resta o lamento:
Esta vida é uma viagem; pena eu estar só de passagem”.
Dela, um alento:
Para quem viaja ao encontro do sol é sempre madrugada”.

De mim, o consolo:
Saudade é a ressonância de uma cantiga antiga, sentida,
que, embalando a nossa infância, nos segue por toda a vida”.
                Curitiba querida DOS BONS TEMPOS,
              que bom que eu te vivi !

(autor desconhecido)
Fernando Freire recebeu de Sidney Faria
Enviado por Fernando A Freire em 02/07/2016
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