Ausência
Ausência
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza.
Durante todo o dia de hoje, como todos os demais da minha vida eu esperei. Esperei que o telefone tocasse e fosse ele, do outro lado da linha. Ou que o porteiro do prédio onde moro interfonasse comunicando sua presença, lá embaixo, na portaria.
Durante todo o dia de hoje, como em todos os demais da minha vida, eu esperei. Esperei impaciente, sério, pensativo, cabisbaixo, esperei por um sinal, por um comunicado mínimo que fosse, por um recado, mesmo que chegasse até minhas mãos num pedacinho de papel de guardanapo. Mas ele não veio, nem chegou para afastar as sombras que pairavam sobre minha cabeça.
Nenhum sinal, nada que pudesse deixar guardado nas memórias da lembrança. Pensei que nesse dia, ao menos, no dia de hoje o tabu da sua ausência viesse a ser quebrado, que os preconceitos caíssem por terra e ele aparecesse, como um sonho bom, como um pedaço de mim e me abraçasse... Ou que me desse um beijo, me acarinhasse em seu peito e falasse: “filho, eu estou aqui!”
Todos esses anos, todos esses dias têm sido assim: ele nunca volta, nunca chega nunca me diz bom dia, não está à mesa do café, nem me esperando para o almoço. Não tivemos nenhum domingo no parque, com sorvete ou pipoca, nem me ajudou a subir no cavalinho ou embalou as cordas enferrujadas do balanço. Não brigou por um lugar na gangorra, nem correu atrás do garoto que me roubou a bola de futebol. Não me recordo de termos saído de mãos dadas para um passeio pelas ruas, de olharmos a moda, tomarmos um refrigerante, ou lancharmos na padaria da esquina.
Não sei porque continuo insistindo em esperar. Eu, que cresci sem o seu afago, sem o seu afeto, sem a sua presença no meu dia a dia. De igual forma, aprendi a conviver com o vazio que ficava depois das reuniões da escola, com a dor, não, com a dor, mas com as alegrias das outras crianças que saiam abraçadas, com as algazarras que elas faziam ao entrarem no carro.
Me criei no buraco deixado por ele, no espaço que nunca foi preenchido. Me fiz homem, mas não adulto, pelo menos o suficiente para superar essa mágoa do destino que desde tenra idade me acompanhou e creio, deverá permanecer até o final dos meus dias.
Eu esperei durante todo o dia. Esperei com paciência. Por alguns momentos juraria ter ouvido a sua voz. Em compensação, o dia acabou. Terminou sombrio e triste. A espera não. Essa fica, permanece. Não vira as costas. Nem à vontade de tê-lo por perto ao menos se acalmou dentro de mim. Nessa confusão toda, eu me sinto oco. Não amadureci, não caiu à ficha, não completei o circulo imposto pela má sorte que sempre esteve ao meu redor.
Mas vou continuar esperando: quem sabe um dia, quem sabe um dia meu papai volte da sua longa ausência, do seu esconderijo secreto, e se ponha, a minha frente, de braços abertos e me abrace, me chame de meu filho, me dê a sua benção e me complete todos os espaços que ficaram doentes.
Talvez, um dia, eu possa cantar meu pai como o poeta José Valdevino Costa Filho (1), de Salvador, na Bahia, cantou o seu, aos quatro cantos do mundo:
“Ser pai é ter a incumbência de semear
A semente que perpetua a vida
É ser responsável pela germinação e crescimento do broto
Até virar uma árvore capaz de oferecer guarida
Ser pai é ser presença constante
É ser o esteio que sustenta o lar
É ser um amigo diariamente
É ser conselheiro na hora em que o filho mais precisar
É ser a bússola que orienta o viajante no caminho
É ser o perfume que nas rosas
Supera a temida presença dos espinhos
É ser o espelho onde reflete a boa imagem
É ser um fiel mensageiro de Deus
Sempre portador de uma boa mensagem”.
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 57 anos é jornalista.
(**) Ao meu pai Roberto Raymundo de Souza, que partiu sem tempo de dizer adeus. No seu lugar, permaneceu uma saudade eterna, mas infinitamente terna, na sua melhor essência de solidão. Descanse em paz!
(1) José Valdevino Costa Filho, poeta e escritor de Salvador, Bahia. texto inserido no livro "Os cantadores de todos os santos - Bahia Salvador 2007 - pagina 157.