A dor da saudade
É uma palavra estranha, esta tal saudade. Qualquer coisa pode desencadear o sentimento: um perfume, um cheiro de chuva, uma palavra, um gesto, uma música, uma notícia. Hoje eu recebi a notícia da “viagem” de Derme.
Nada é tão minha infância quanto Dermeval….. primo por parte de mãe e também por parte de pai, portanto primo duas vezes. Um jeito peculiar de chegar chegando, sempre notado, sempre amado, sempre bem vindo. Derme era puro carinho, era muito amor à nossa família, especialmente ao meu pai que havia crescido ao seu lado e cujo padrinho era o pai dele. Lembro-me com clareza que domingo sem Derme não era domingo… uma vez sofreu um acidente e ficou no hospital por meses, quase partiu dessa para melhor e nós sofremos sua ausência por fins de semana a fio. Quanta alegria quando ele voltou ao nosso convívio, mesmo com uma mão meio deformada, mas sempre com um humor afiadíssimo!!
Eu, adolescente, vivia suspirando por mocinhos do tipo Fábio Junior na época, e ele sempre me dizendo que homens muito bonitos eram afeminados, que homem não tinha que ter beleza e sim virilidade. Não sei se eu podia chamar aquilo de virilidade ou galinhagem, mas o que eu sei é que Derme não podia ver um rabo-de-saia sem quase ter um torcicolo.
Lembro também que, quando chegava ao portão da minha casa, gritava perguntando se tinha um “veado” ali… ao que meu pai respondia: – Está chegando um!! Ouvimos isso por anos seguidos, e sempre nos despertava o riso, porque víamos dois machões brincando com a homossexualidade, como se fosse a coisa mais distante e impossível do mundo! Quando meu pai morreu e já estávamos todos distantes, estive com ele em São Paulo e ele disfarçava o sofrimento falando bobagens, brincando com a memória do velho. Tomamos uma cerveja juntos, a última e o único momento em que fomos ambos adultos e dividíamos uma dor. Recordo de ter pensado naquela oportunidade, que nunca mais ouviria meu pai respondendo ao seu chamado e passando um agradável domingo em sua companhia, e isso era uma coisa que ambos adoravam. Pensar isso me fez sofrer tanto!!
Hoje ele se foi. Partiu sem alarde, não conseguiu ser atendido, morreu em casa. Me desesperou saber que não tinha um atestado de óbito, teve que ir para o IML para que emitissem a certidão. E pensei comigo: Até na hora da morte ele sacaneou todo mundo, tipo: – Peguei vocês! Pensaram que eu ia ser previsível como fui durante toda minha vida?
Não tem mais brincadeira… Não aqui. Mas sei lá, se em algum lugar ele chegou gritando hoje: Tem um veado aí?
E de lá uma voz respondeu: Está chegando um!!
Vá em paz Derme… Que Deus ilumine seu caminho além dessa vida. E a nós aqui só resta a saudade.