Um Recado pra Africa
Manda um recado lá pra Africa!
Capricha nos atabaques! Essa noite a festa vai até mais tarde, vamos esperar o sol nascer, e o sol não nasce antes de ver todo mundo legal.
Era numa senzala, os escravos reunidos num ritual festivo. Vocês já viram uma senzala em festa? Sabe o que é alguém suar só de olhar aquela alegria? Momentos de recordações, ah! saudades da Africa!
Manda um recado lá pra Guiné-Bissau, diz que mês que vem desembarco lá! Levo algumas doenças daqui, mas nada de mais. O povo ainda dança o Gumbé? Fico feliz só de lembrar.
Tem um alvoroço lá perto dos atabaques. É um cara suado, mandando um recado pra Africa, é só um rito, é só uma música ancestral. O batuque dos escravos é a sinfonia de uma terra, sua cultura reproduzida por mãos grossas e calejadas, to trabalho com a cana, do trabalho com a terra. O povo escravo não tem folga. Mas eles tem seus atabaques, tem o seu barulho, seu trovão, sua revolução. Recado entendido lá do outro lado do planeta, atravessando esse imenso oceano. O batuque escravo é ouvido lá na Africa!
A luz da noite reflete nos corpos suados, ilumina a dança escrava, os lombos sofridos, marcados de chicote. A marca da dominação, de uma agressão histórica. O escravo só quer dançar. Viver do seu batuque. A senzala incendeia de africanidade, os atabaques são armas, o Brasil-Branco se assusta com a ferocidade destes homens.
Quem foi o maldito que inventou o chicote?
A Angola ainda tá beleza? Lembra daquela história lá de Luanda? Nunca vou me esquecer, mesmo aqui nessa miséria! Ah, o solo africano é mais ritmado, aqui o atabaque não tem o mesmo som, sabia? E lá em Moçambique, ainda dançam com alegria? Enchi os olhos agora! Ah, vida sofrida! Mas eu volto, avisa a tribo! Eu volto e quero aquela festa! Lembra das danças? Ainda é igual?
Rompe madrugada dentro a festa na senzala, e a Africa parece estar presente naquele lugar. E de fato está, dentro dos corações escravos, atados com correntes para não fugir. Mas a revolução não será com força. Os escravos irão deixar sua música, sua cultura, sua cor, sua crença, sua força, sua linhagem, sua honra, sua esperança e, mais importante, irão deixar seu atabaque.
Vem o sol, vêm os chicotes, vem o Brasil-Branco lhe arrancar a pele. A Africa adormece dentro dos escravos, mas seus patrões parecem atormentados por uma noite de sono mal dormida.
Manda um recado la pra Africa, diz que o amanhã vai ser bonito! Tem um sol dourado nascendo deste lado de cá, ele vai iluminar vocês! Me esperem com uma festa, chamem todo mundo!
Deixem a Africa respirar, ela quer andar sozinha, com sua cultura, sua força, com o som do seu atabaque.
Manda mesmo um recado lá pra Africa?