"Eu"

Por que tu fizeste de mim teu, mas não me fez seu? Por que me prendeu em tuas falas dignas de um populista, em teus estilos admirados pela arte, me fez de seu cachorrinho como um servo obediente, mas não me fez seu?

Em você estava minhas necessidades, meu desejo, meu conforto, mas nunca encontrei em ti o meu "pertencer", como se nunca tivesse sido convidado, como se nunca fiz falta.

De todas as ilusões, desventuras e sofrimentos contra meu eu, é a tua que mais me fere. Não por ser preocupante e torturadora, mas por ser eterna, por mais que mude o ator, a peça, o roteiro e o cenário permanecem intocados como a realeza.

Um amor não tortura como ti, pois meus amores são incorrespondidos, como uma bela alvorada sugando meu eu em 15 minutos pela manha, desaparecendo quando não me resta nada. Já tu me atormentas pela eternidade, ecoando pelo futuro como algo feito no passado, não me dando alternativa a não ser ficar comigo mesmo.

Tu não somas nada na minha vida, não me ensinas algo novo ou como são, não me diz o que acha certo ou errado, apenas me tortura, substituindo "quem" e "quando", como se meu destino fosse ser uma cobaia de um experimento social sem sociedade, sem “eu”, apenas “tu”.

Então, o que me prende? Seria talvez a necessidade de alguém, de um coletivo criado para sustentar minhas próprias mentiras? Ou será que meus pontos de conexão obrigam-me a acreditar que preciso de tu, que tu me fará bem, mesmo despejando-me no vale profundo, me isolando do resto do mundo, privando-me do meu próprio eu.

Tu sempre foste meu desejo, sempre via em tu algo que sempre admirava, como uma mãe que acaba de dar a luz. Sempre via que com tu, meu “eu” estaria completo, tu serias o responsável pelo meu aflito futuro, mas tu nunca foste isso.

Queria que tu fosses uma pessoa, alguém que eu possa admirar e me aproximar, mas “tu” nunca foste, e nunca será. Tu sempre estarás lá para me tortura, para ser desejado como a riqueza, para ser sonhado como uma lua de mel com meu amado, mas para eu ser “tu”, preciso largar “eu”.

Ser tu era meu desejo, me sentir em tu era minha satisfação, como repousar no colo do meu amado para sobreviver à selvageria mundana. Mas hoje percebo que meu desejo nunca foi “tu”, e sim “eu”.