Por que tem que ser assim?

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Por que tem que ser assim?

Planeta terra, início do Século XXI.

Sei que nos encontramos num mundo imaginário onde a imensa maioria dos habitantes usa de meios insidiosos para se fazer existir. Sei também, e isso muito me apavora, que nesse mundo traiçoeiro e forçosamente perfeito, as pessoas surgem em nossas vidas e dela desaparecem num romântico fechar d’olhos... Do nada, elas cruzam nossos caminhos, encantam-nos e nos deixam indefesos; sem explicação, isso é que me dói, tomam rumos diferentes daqueles que prevíamos quando do encontro primeiro, quebram o encanto do possível amor impossível e nos deixam indefesos.

Indefesos... Essa é a palavra-chave dos míseros proscritos que se despojam das amarras sociais e acreditam na possibilidade do amor virtual. Sim! Somos, estamos e permanecemos indefesos toda vez que acreditamos em quem estava do outro lado. Agora, estamos sozinhos, esquecidos, tristes, esquivos, indefesos!

Quando penso em cada palavra lida ao suave toque dos seus dedos junto ao teclado. Quando imagino cada “sussurro” de esperança advindo do desconhecido, mas envolvente mundo de uma mulher que se fazia minha. Quando, num simples esforço mental, consigo imaginar e reviver, quase sentindo, o gozo da ofegante e extasiante fêmea que amei e que se permitiu amar por mim numa doação sem precedentes que a virtualidade proporcionava... Tudo isso, aos turbilhões, agora me apavora o fraco espírito, inquieta-me a alma, deixando-me ainda mais indefeso!

Onde errei? Por que não mais existe a necessidade premente de novo encontro, de nova doação de corpos sedentos por carinho, ternura e amor? Por que estamos fadados ao acaso, a novo prodígio casuístico da fatalidade para continuarmos algo que me pareceu tão forte e verdadeiro? Será que mais uma vez o mal vencerá o bem e a máscara irreal da virtualidade esmagará o mundo real? Será que todas aquelas palavras, todos aqueles gestos de ternura, de aceitação do novo... Será que tudo era fruto de efêmera carência que se foi nos braços patéticos do tempo?

Do outro lado existe alguém vivo, sabia? Existe sentimento! Existe um coração que pulsa, batendo hoje mais fortemente porque você existe e cruzou o caminho dele! Se nada mais há... Se, de tudo, restaram apenas sorrisos – talvez pedantes e zombeteiros – da satisfação do sofrimento alheio, avise-me! Sei que estou indefeso, mas adoraria fortalecer meu espírito tão fragilizado por causa do seu desprezo.

Tem que ser assim? Por quê? Por que tem que ser assim? Por que a amizade entre homens e mulheres tem que acabar numa cama? – Isso na visão de quase toda mulher. Por que as pessoas normalmente somem no mundo virtual? Deveria existir uma cama no mundo virtual onde os corpos, apesar de não se tocarem, proporcionarem-se alucinações quase realísticas às mentes dos amantes?

Por que deliberar taxativamente, sentenciando e condenando, que os homens, todos nós, somos tão apressados? Por que acreditar que as mulheres são fáceis e se deixam convencer por dóceis palavras escritas num monitor? Por que as pessoas não percebem que o outro, talvez, não possa ou não queira algo tão rápido e facilmente consumado? Por que não se percebe que nem sempre tentamos passar a imagem ou não somos, efetivamente, nenhum Casanova ou Dom Juan, interessados tão somente na conquista? Por que não entender que a distância pode, sim, tornar-se um complicador? Por que não pensar que nesse momento, um desconhecido ser que está do outro lado, no mundo virtual, precisa apenas de um amigo sincero, paciente e sensível, para entendê-lo adequadamente? Por que não deixar o rio seguir seu curso natural? Por que não dar tempo ao tempo? Meu deus, por quê? Por quê? Por quê?

Nota do autor:

Este é um texto fictício (parece real, não?), escrito durante o serviço do dia 09/02/02.

Talvez ele reflita, guardadas as devidas semelhanças, situações já vivenciadas por muitos internautas presos ao encantamento do mundo virtual e, de certo modo, indefesos diante de tantas perplexidades que esse ainda pouco explorado universo nos provoca, principalmente quando não sabemos exatamente o que dele podemos esperar nem o que dele buscamos.

Escrevi outros textos da mesma estirpe, tentando explicar e manifestar minha percepção do sentimento peculiar existente apenas a partir de relações vividas com essa peculiaridade.

Brevemente, disponibilizarei os demais textos na esperança de que, através da sua interação, eu possa mensurar até que ponto meu nível de percepção dessa irreal realidade do mundo hodierno interfere no cotidiano de milhões de pessoas que se escravizam, cada dia mais intensamente, sentindo e vivendo as emoções que uma tela oferta, gratuita e/ou nefastamente, pois nos modifica o corpo e a mente numa velocidade, por vezes, impossível de frenagem.

Grato!